110

ENEM 2012  QUESTÃO 110


Cabeludinho


Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela falava de sério. Mas todo-mundo
riu. Porque aquela preposição deslocada podia fazer de uma informação um chiste. E fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela que não pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a cantar com saudade: Ai morena, não me escreve / que eu não sei aler. Aquele a preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava  a solidão do vaqueiro.
BARROS, M. Memórias inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.
No texto, o autor desenvolve uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, a exemplo das expressões “voltou de ateu”, “disilimina esse” e “eu não sei a ler”. Com essa reflexão, o autor destaca
  1. A
     
    os desvios linguísticos cometidos pelos personagens do texto.
  2. B
     
    a importância de certos fenômenos gramaticais para o conhecimento da língua portuguesa.
  3. C
     
    a distinção clara entre a norma culta e as outras variedades linguísticas.
  4. D
     
    o relato fiel de episódios vividos por Cabeludinho durante as suas férias.
  5. E
     
    a valorização da dimensão lúdica e poética presente nos usos coloquiais da linguagem.

resolução

Ao desenvolver uma reflexão sobre diferentes possibilidades de uso da língua e sobre os sentidos que esses usos podem produzir, o autor pretende enfatizar tanto a dimensão lúdica como poética dos usos coloquiais da linguagem. Logo, a opção E afirma essa intenção do autor, ressaltando, ainda, que esse aspecto é uma das marcas centrais da poesia de Manoel Barros.

RESPOSTA CORRETA:

E
 
a valorização da dimensão lúdica e poética presente nos usos coloquiais da linguagem.

http://educacao.globo.com/provas/enem-2012/questoes/110.html


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