PI
C Á L C U L O das C O N S T A N T E S E L E M E N T A R E S C L Á S S I C A S:
o C A S O do PI
Apresentando o número PI
A ubiquidade do PI
Os vários tipos de PI
A descoberta empírica do PI
A descoberta teórica do PI
Por que é difícil calcular o PI?
Por que se quer calcular o PI?
Um número fascinante
PI, o valor da razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu
diâmetro, é a mais antiga constante matemática que se conhece. E' tambem
um dos poucos objetos matematicos que, ao ser mencionado, produz
reconhecimento e ate mesmo interesse em praticamente qualquer pessoa
alfabetizada.
Apesar da antiguidade do nosso conhecimento do PI, ele ainda é fonte de
pesquisas em diversas áreas. Com efeito, dentre os objetos matemáticos
estudados pelos antigos gregos, há mais de 2 000 anos, Pi é um dos
poucos que ainda continua sendo pesquisado: suas propriedades continuam a
ser investigadas e procura-se inventar novos e mais poderosos métodos
para cálcular seu valor, sendo que a divulgação desses resultados
constitui uma das raras ocasiôes em que vemos a Matemática atingindo os
meios de comunicação de massa.
Como uma consequência dessa situação, e como uma outra maneira de
demonstrar o interesse e fascinação despertados pelo PI, os editores
estão sempre a publicar livros dedicados inteiramente ao tema e
dirigidos tanto ao grande público como a professores e pesquisadores.
Entre os mais recentes, podemos destacar:
Lennart Berggren (ed) - Pi: A Source Book
Springer Verlag, 2nd ed., NYork, 2000
( nada menos do que 736 paginas! )
J. P. Delahaye - Le fascinant nombre Pi
Editions Belin / Pour La Science, Paris, 1997.
J. Arndt - PI, unleashed.
Springer Verlag, NYork, 2000.
PI está em todos os lugares
O rolar das ondas numa praia, o trajeto aparente diário das estrelas no
céu terrestre, o espalhamento de uma colônia de cogumelos, o movimento
das engrenagens e rolamentos, a propagação dos campos eletromagnéticos e
um sem número de fenômenos e objetos, do mundo natural e da Matemática,
estão associados às idéias de simetria circular e esférica. Ora, o
estudo e uso de círculos e esferas, de um modo quase que inexorável,
acaba produzindo o PI. Daí a ubiquidade desse número. Ele é uma das
constantes universais da Matemática.
É importante chamarmos a atenção para o fato que também são frequentes
as ocorrências do PI em estudos onde aparentemente, principalmente para
uma pessoa de pouca formação matemática, não estariam envolvidas
simetrias circulares: na normalização da distribuição normal de
probabilidades, na distribuição assintótica dos números primos, na
construção de números primos próximos a inteiros dados ( na chamada
constante de Ramanujan ), e mil e uma outras situações.
EXERCÍCIO
Faça um levantamento das fórmulas de áreas e volumes das figuras da
Geometria Euclidiana e que tenham algum tipo de circularidade ou
esfericidade ( como é o caso de cilindros e cones circulares ). Para
cada uma dessas figuras, procure explicar a plausibilidade da
ocorrência, ou não, do PI em tais fórmulas.
EXERCÍCIO
As funções trigonométricas circulares ( seno, co-seno, etc ) são
definidas em termos de um círculo unitário. Consequentemente, não deve
ser surpreendente a ocorrência do PI em valores dessas funções e nas
relações entre elas.
Pede-se examinar se essa ocorrência também vale para as funções trigonométricas hiperbólicas.
EXERCÍCIO
A área de uma elipse de semi-eixos a e b é dada por PI . a . b
Pede-se defender a plausibilidade da ocorrência de PI nessa expressão.
EXERCÍCIO
Se V. conhecer Calculo Infinitesimal, explique por que é nao é
surpreendente que a área sob o gráfico da função y = 1/(1+x2), ao x
variar de menos a mais infinito, valha PI.
EXERCÍCIO
O estudo dos fenômenos gravitacionais e eletromagnéticos são protótipos
de fenômenos envolvendo ação à distância e, como tal, associados à
propagação esférica. Pede-se dar exemplos de fórmulas gravitacionais e
eletromagnéticas envolvendo PI. V. seria capaz de apontar outros
exemplos de fenômenos de ação à distância?
EXERCÍCIO
Tanto a fórmula que expressa a força gravitacional entre duas massas
como a que dá a força entre duas cargas elétricas resultam de uma ação à
distância, sendo que em ambas a força diminui inversamente ao
quadradado da distância. Procure explicar por que é que uma delas
envolve PI e a outra não.
EXERCÍCIO
A propagação do som ocorre através de esferas. V. seria capaz de
explicar por que é que, apesar disso, a fórmula que expressa a percepção
humana ( em decibéis ) da intensidade de uma fonte sonora NAO envolve
PI?
DICA: parta do fato que essa fórmula envolve logaritmo e não podemos calcular logaritmo de metros ou outra grandeza física.
Os vários tipos de PI
Em verdade, na Geometria Euclidiana, temos quatro constantes que poderiam ser chamadas de PI:
o PI de circunferências: a constante de proporcionalidade na relação entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro
o PI de áreas de círculos: a constante de proporcionalidade na relação entre a área de um círculo e o quadrado de seu diâmetro
o PI de áreas de esferas: a constante de proporcionalidade na relação entre a área de uma esfera e o quadrado de seu diâmetro
o PI de volumes de esferas: a constante de proporcionalidade na relação
entre o volume de uma esfera e o cubo de seu diâmetroUsando as fórmulas
clássicas da Geometria, fica muito fácil expressarmos qualquer uma
dessas constantes de proporcionalidade em termos das demais. Por questão
de tradição, prefere-se trabalhar exclusivamente com o PI da
circunferência de círculos, o qual é denotado internacionalmente pela
letra pi minúsculo, a letra inicial da palavra grega peripheria que
significa perímetro ou circunferência ( essa notação surgiu no início do
sec. 1700 e foi adotada e popularizada pelo importante livro Análise
Infinitesimal, escrito por Euler c. 1750 ).
EXERCÍCIO
Pede-se expressar o PI de áreas de círculo, o PI de áreas de esferas e o
PI de volumes em termos do PI de circunferências ( o PI classico ) e
procure mostrar o verdadeiro porquê de tais relações. Por exemplo:
podemos "decompor" um disco em infinitos triângulos retângulos de base
infinitesimal e altura igual ao raio do disco; consequentemente, podemos
ver a área do círculo ( ou do disco ) como a soma das desses
triângulos:
area do circulo = d/2 . C/2 = d/2 . PI.d/2 = PI/4 . d 2
Voce seria capaz de pensar em algo análogo para a área e o volume da esfera?
A descoberta do PI
Muitas pessoas acham que precisamos ter o valor do PI para calcular
circunferência de círculos. Um exemplo clássico mostrando que isso NAO
e' verdade e' o cálculo da circunferência da Terra por Erathostenes c.
250 AC. Ele mediu um arco de meridiano terrestre de 5000 estádios e,
usando um instrumento de forma semi-esférica ( chamado skaphe ),
verificou que esse arco de meridiano era proporcional a um arco de
meridiano da skaphe, o qual media 1/50 do meridiano da esfera desse
instrumento. Consequentemente, concluiu que o meridiano terrestre e'
50*5000 = 250000 estádios. Ou seja, em lugar nenhum precisou saber o
valor do PI!
Esse exemplo, e outros que poderiamos mencionar, mostram que é bastante
surpreendente que a quase totalidade das pessoas ache que PI foi
descoberto ao se relacionar circunferências com diâmetros dos
respectivos círculos. Embora a definição usual do PI baseie-se na
constância da razão circunferência : diâmetro, muito provavelmente não
foi essa a origem do PI. Com efeito, é difícil imaginarmos situações
práticas reais onde, numa civilização incipiente, alguém tenha precisado
calcular a circunferência de um círculo de diâmetro conhecido, ou
vice-versa. Muito mais naturais sao problemas requerendo achar a área de
um campo circular em termos do diâmetro ou mesmo em termos da
circunferência. Em verdade, devia-se até questionar se a descoberta do
PI realmente ocorreu no contexto de círculos, e não no de esferas.
Essa inquietação nao é só nossa. O famoso historiador matemático Abraham
Seidenberg gastou muitos anos de sua vida vasculhando museus e lendo
trabalhos de antropologia, em busca dos mais antigos indícios de
envolvimento humano com círculos, esferas e o PI. O resultado desses
estudos foi resumido nos seus artigosThe ritual origin of the circle and
square, Archiv. Hist. Exact Sc. 25, (1981), e principalmente em On the
volume of a sphere, Archiv. Hist. Exact Sc. 39, (1988). Sua conclusão
foi que o cálculo do volume da esfera em termos de seu diâmetro
remontaria a antes de 2 000AC, sendo anterior a matemática das grandes
antigas civilizações mesopotâmica, indiana, chinesa e egípcia. O
historiador matemático B. van der Waerden identifica essa origem com o
que chamo de Tradição Origem da Matemática e a localiza no Vale do
Danúbio c. 4 000 AC. Segundo Seidenberg, nessa tradição também se teria
reconhecido a igualdade da constante de proporcionalidade relacionando
circunferência com diâmetro e área de círculo com quadrado do raio; ou
seja, já nessa tradição, possivelmente lá por 3000 a 4000AC, se teria
reconhecido que o "PI da circunferência" é igual ao "PI da área do
círculo". Também é interessante observar que Seidenberg concluiu que a
descoberta dessa igualdade usou métodos infinitesimais, ao estilo de
Cavalieri.
E'
preciso que fique bem claro que o que o trabalho de Seidenberg achou na
noite dos tempos, em bem remota antiguidade, foram apenas indícios
indiretos de envolvimento com PI. Os mais antigos documentos concretos
que temos e que tratam explícitamente de PI são tabletas mesopotâmicas
de c. 2 000 AC, como a mostrada ao lado. Examinando a figura desenhada,
fica fácil ver que a mesma corresponde a adotar a aproximação grosseira
PI = 3, que é a mais comum das aproximações para PI que encontramos nos
documentos mesopotâmicos.
EXERCÍCIO
Neugebauer, em seu livro Mathematical Cuneiform Texts, traduziu vários
problemas de tabletas mesopotâmicas envolvendo aproximação do PI. Esses
problemas pedem para obter a área A de um círculo a partir do
conhecimento da circunferência do mesmo, usando-se a regra:
A = 5/60 C2Pede-se mostrar que isso equivale a usar PI = 3.
EXERCÍCIO
Por muito tempo, achava-se que a única aproximação do PI usada pelos
mesopotâmicos era a PI = 3. Essa visão foi destruída, em 1 950, quando o
historiador matemático E. M. Bruins traduziu várias tabletas
encontradas em Suse e datadas de c. 2 000AC. Os problemas dessas
tabletas pediam para calcular a área de um campo circular de diâmetro
dado, e para tal usavam a aproximação ( em base sexagesimal ): PI = 3;
7, 30 = 3 + 7/60 + 30/602, o que equivale ( verifique ) a dizer PI = 3
15/120 = 3 1/8 = 3.125.
EXERCÍCIO
A aproximação mesopotâmica acima também aparece nos documentos da
Tradição dos Altares ( matemática da India védica ). Com efeito, os
Sulvasutras c. 400 AC fazem a quadratura do círculo tomando como
quadrado de área equivalente a um círculo dado ao quadrado cuja diagonal
e' 10/8 do diâmetro do círculo.
Pede-se mostrar que essa regra ( sutra ) indiana corresponde a usar a
aproximação de PI encontrada nas tabletas mesopotâmicas de Suse.
EXERCÍCIO
Para fazer a quadratura ( = achar um quadrado de mesma área ) de um
círculo dado, os egípcios usavam a seguinte regra prática: construa o
quadrado cujo lado é o segmento que resulta ao cortarmos fora a nona
parte do diâmetro do círculo dado. Obviamente, essa regra faz uma
quadratura aproximada e equivale a tomar PI = 4 ( 8 / 9 )2 = 3.16.
Essa aproximação é muito difundida na literatura do ensino secundário e
primário e tipicamente ela é citada ( erroneâmente ) como a mais antiga
aproximação conhecida para o PI. Existem duas razões para a divulgação
desse erro: o grosso da literatura histórica acessível aos professores
do ensino primário e secundário é obsoleta, nem ao mesmo tomando
conhecimento das pesquisas fundamentais de Neugebauer c. 1 930 sobre a
matematica mesopotâmica; a outra razão é a perniciosa influência que as
fantasias e deturpações da Etnomatemática tem tido no ensino elementar.
Embora essa aproximação egípcia para o PI não seja a mais antiga e nem a
mais exata entre as conhecidas na Antiguidade, ela corresponde a uma
regra muito simples, prática e razoavelmente precisa. Mais importante e
interessante é perguntar como os egípcios descobriram tal regra.
Inúmeros historiadores investigaram essa questão e, talvez, quem mais
detalhadamente a estudou foi Paulus Gerdes, no trabalho: Three alternate
methods of obtaining the ancient Egyptian formula for the area of a
circle, in Historia Math. 12 ( 1 985 ), n.3.
Nesse trabalho, o Prof. Gerdes apresenta três tentativas de reconstrução
do método de descoberta pelos egípcios, sendo que passaremos a explicar
a mais plausível delas, a que envolve um procedimento comum entre os
construtores egípcios: o método dos discos metálicos.
Usando os discos metálicos, fica fácil ver como eles chegaram a tal valor observando as figuras abaixo:
Obviamente, o quadrado acima faz a quadratura ( aproximada ) do círculo,
pois essas duas figuras são formadas de 64 discos. Para V. obter a
aproximação egípcia do PI, resta V. conseguir explorar a igualdade
dessas áreas levando em conta o valor do diâmetro do círculo e o do lado
do quadrado expressos em termos do tamanho dos discos.
EXERCÍCIO
Um dos mais antigos livros de matemática chineses é o Nove Capítulos da
Arte Matemática ( Jiu Zhang Suanshu ), de c. 200AC. O mesmo usa a
aproximação PI = 3, mas pouco tempo depois disso encontramos matemáticos
chineses usando melhores aproximações. E' o caso do famoso Liu Hui o
qual, ao resolver o problema 31 do Nove Capítulos:
Um campo circular tem circunferência de 30 pu e diâmetro de 10 pu. Qual a área do campo?
diz que a resposta deste problema é 71 103/157.
Pede-se, a partir da relação entre a área e a circunferência do círculo,
mostrar que a resposta acima implica que Liu Hui deve ter usado PI =
157 / 50, o que equivale a PI = 3.14.
EXERCÍCIO
Resuma o que foi dito acima, acerca do PI, usando o seguinte esquema:
ocorrência do PI na Tradição Origem da Matemática
ocorrência do PI na Tradição dos Problemas ( matemática mesopotâmica, chinesa e egípcia )
ocorrência do PI na Tradição dos Altares ( matemática da India védica )
ocorrência do PI na Tradição dos Megálitos
A descoberta teórica do PI
Quem pela primeira vez provou rigorosamente a existência do PI?
Bem, essa pergunta talvez nunca possa ser respondida. Que eu saiba, a
mais antiga referência que temos de uma demonstração da existência do PI
fala de Hippokrates de Chios, c. 430 AC. Trata-se de uma nota de
Simplicius, filósofo grego que viveu quase mil anos depois de
Hippokrates. Simplicius, no seu Comentário sobre o livro Physis, de
Aristóteles, menciona que Eudemos na sua História da Geometria ( escrita
c. 330 AC e, hoje, há muitos séculos totalmente perdida ) diz que
Hippokrates demonstrou que a razão entre as áreas de círculos é igual à
razão entre os quadrados dos respectivos diâmetros.
Por outro lado, o mais antigo documento ainda existente e que traz
demonstração da existência do PI é o livro Elementos de Euclides,
escrito em c. 300 AC. Na proposição 2 do Livro XII dos Elementos,
Euclides enuncia e prova que círculos estão um para o outro assim como
os quadrados de seus diâmetros, que é o resultado atribuído acima a
Hippokrates. Ademais, na proposição 18 desse Livro XII, Euclides enuncia
e prova que esferas estão uma para a outra assim como a razão tríplice
de seus diâmetros.
Euclides encerrou o Livro XII de seus Elementos sem tratar da questão da
área da esfera. ( Coube a Archimedes c. 250 AC mostrar que a razão
entre as áreas de esferas é igual à razão entre os quadrados de seus
diâmetros ). Mas o mais curioso é que em nenhum dos treze livros dos
Elementos Euclides fala no PI da circunferência.
Coube a Archimedes a tarefa de ir mais longe do que Euclides
demonstrando a existência dos PI's que esse não abordou e estabelecendo
resultados que permitem facilmente relacionar os quatro tipos de PI: o
PI das circunferências, o PI de áreas de círculos, o PI de áreas de
esferas e o PI de volumes de esferas.
Para levar a cabo esse Projeto PI, Archimedes precisou completar o
conhecimento exposto nos Elementos de Euclides, descobrindo e
demonstrando os seguintes três teoremas:
a área de cada círculo é igual a de um triângulo reto cujos catetos valem o raio e a circunferência do círculo
( Archimedes: Sobre a Medida do Círculo, proposição 1 )
a área de cada esfera é igual a quatro vezes a área de seu círculo máximo
( Archimedes: Sobre a Esfera e o Cilindro, Livro I, proposição 33 )
a razão entre o volume da esfera e o do cilindro que a circunscreve é 2:3
( em verdade, Archimedes in Sobre a Esfera e o Cilindro, Livro I,
proposição 35, trabalha com um cilindro maior, de mesma altura e mesmo
eixo que o cilindro circunscrevendo a esfera, MAS com o dobro do
diâmetro; essa proposição 35 relaciona o volume da esfera, o volume do
tal cilindro maior e o volume do cone inscrito no cilindro maior:
VOL ( esfera ) + VOL ( cone ) = 1/2 VOL ( cil maior )
Ora, no Livro XII, prop. 10, Euclides provou que VOL ( cone ) = 1/3 VOL ( cil maior ), de modo que a relação acima mostra que:
VOL ( esfera ) = 1/2 VOL ( cil maior ) - 1/3 VOL ( cil maior ) = 1/6 VOL ( cil maior ) = 2/3 VOL ( cil circunscrito );
Archimedes acabou realmente usando a razão 2:3 e, aliás, sentia-se tão
orgulhoso desse resultado que pediu que fosse gravada uma figura do
mesmo em sua lápide )
Bem, mas voltemos a um pouco antes do Projeto PI de Archimedes. E'
bastante conhecido que Euclides foi matemático pouco original e que seu
livro Elementos corresponde mais a uma compilação de resultados já
conhecidos e a uma terceira geração de stoicheia ( = elementos ), ie de
uma terceira geração de organizações axiomáticas dos conhecimentos
básicos da geometria elementar grega. Isso nos leva a indagar quem
teriam sido os reais autores das proposições 2 e 18 de seu livro XII.
Partindo do fato que Euclides baseou a demonstração dessas duas
proposições no Método da Exaustão, T. L. Heath ( in The Thirteen Books
of Euclid's Elements ) concluiu que as mesmas remontam, no mínimo, a
Eudoxos c. 370 AC, o qual é tido como o primeiro grande matemático a
desenvolver o Método da Exaustão. E' importante, contudo, que não
esqueçamos que essas demonstrações podem ser anteriores a Eudoxos, pois
esse método foi criado duas gerações antes dele, por Antiphon e Bryson
em c. 430 AC.
EXERCÍCIO
No que toca à demonstração do pi das circunferências, do pi das áreas de
círculo, do pi das áreas de esferas e do pi do volume de esferas:
quais aparecem nos Elementos de Euclides?
quais aparecem nas obras de Archimedes?
EXERCÍCIO
Cite documentos e teoremas permitindo provar a existência de cada um dos quatro tipos de PI.
EXERCÍCIO
Usando os três teoremas do que chamamos, acima, Projeto Pi de
Archimedes, prove a existência dos dois PI's NAO tratados nos Elementos
de Euclides.
EXERCÍCIO
Partindo dos resultados do Projeto PI de Archimedes, relacione o PI da
circunferência com o PI da área de círculos, com o PI da área de esferas
e com o PI do volume de esferas.
EXERCÍCIO
Grande parte da literatura menciona um único trabalho de Archimedes
associado ao número PI: o Sobre a medida do círculo. Pergunta-se se V.
acha isso justo?
Por que é tão difícil calcular o PI?
A principal razão é que PI não é uma fração. Com efeito, se PI pudesse ser escrito como uma fração m / n, seu cálculo poderia
ou se resumir em buscar o valor de tais numeros inteiros m e n
ou explorar a periodicidade de sua representação decimal
( por exemplo, se fosse verdade que PI = 22 / 7 = 3.142857 142857 142857
..., então nos bastaria achar o valor da parte inteira, 3, e o bloco
142857 que se repete indefinidamente )O fato de que, por mais de 2000
anos, ninguém tivesse conseguido explorar nenhuma das duas
possibilidades acima é exatamente o que sugeriu que PI não deva ser uma
fração. A verificação rigorosa desse fato, ou seja a demonstração da
irracionalidade de PI, veio só com Lambert, em 1 761.
Em verdade, por si só, a irracionalidade de PI não seria suficiente para
determinar a dificuldade de seu cálculo; com efeito, existem
irracionais de representação decimal previsível, e então fáceis de
calcular, como é o caso de 3.10110111011110... . PI é difícil de
calcular porque é um irracional imprevisível: sua representação decimal
não mostra nenhuma previsibilidade, sendo que acredita-se que seus
algarismos se distribuam aleatoriamente.
O cálculo de aproximações práticas do PI?
Dada a ubiqüidade do PI, já comentada acima, é mais do que natural e
importante que desejemos calcular seu valor. Contudo, dada sua
irracionalidade imprevisível, jamais saberemos seu valor exato e isso
nos leva a indagar: por que não nos contentarmos com aproximações
PRATICAS do PI?
Nas lides diárias, dificilmente precisaremos conhecer uma aproximação
melhor do que 3.14, enquanto que a vasta maioria dos calculos
científicos não precisa saber mais do que 3.1416 e somente cálculos
matemáticos muito exigentes, como o da obtenção de valores muito exatos
das funções trigonométricas, precisaria saber mais de 10 dígitos do PI.
O mais antigo matemático que se preocupou com a obtenção de aproximações
PRATICAS do PI foi Archimedes c. 200AC, em seu trabalho Sobre a medida
do círculo. Usando o método dos polígonos, que descreveremos adiante, na
proposição 3 desse trabalho ele mostra que:
a circunferência de qualquer círculo é maior do que três vezes seu
diâmetro, e o excesso e' menor do que a sétima parte do diâmetro mas
maior do que dez vezes sua septuagésima primeira parteou seja: 3 10/71
< PI < 3 1/7, o equivale a dizer, em frações decimais: 3.1408 <
Pi < 3.1428.
O método dos polígonos envolve a obtenção de sucessivas delimitações da
circunferência do círculo através do cálculo do perímetro de polígonos
regulares inscritos e circunscritos, cujo número de lados vai
sucessivamente dobrando. Consequentemente, o método é capaz, ao menos em
princípio, de obter aproximações do valor do PI tão grandes quanto
desejarmos. E' importante não esquecermos desse "em princípio" pois que
Archimedes calculava com frações ordinárias e isso tornava seus cálculos
extremamente penosos.
Archimedes partiu de quadrados e chegou até aos hexacontatetrágonos ( =
polígonos regulares de 64 lados ) e aí parou pois que achou que esses
produziam um aproximação PRATICA do PI.
Insistimos: ele parou aí porque considerava ter obtido uma aproximação
prática e não porque não tinha condições de enfrentar o crescente volume
de cálculos. Com efeito, Heron de Alexandria, in Metrika I, diz que
Archimedes, em seu livro Plinthides kai kylindroi ( hoje, completamente
perdido ), mostrou que:
211 875 / 67 441 < PI < 197 888 / 62 351
( em frações decimais, corresponde a: 3.1416349 < PI < 3.1737742
)e, certamente, teria condições de fazer ainda melhor se assim
desejasse.
Em verdade, o costume de preferir usar aproximações cómodas do PI, em
lugar de aproximações mais exatas, não iniciou com Archimedes. Os
mesopotâmicos e os romanos conheciam várias aproximações para o PI,
embora preferissem usar PI = 3 ( é o que fazia, por exemplo, o famoso
arquiteto romano Vitruvius ).
Logo após Archimedes, Apollonios, num outro trabalho lamentavelmente
perdido e entitulado Okytokion, obteve a hoje clássica e universal
aproximação PI = 3.1416 ( que provavelmente ele escreveu como 3927 /
1250 ), mas reconhecia que a mesma não tinha a praticidade da 22/7 ( ou
seja 3 + 1/7 ) de Archimedes.
B. van der Waerden argumenta que o trabalho de Apollonios foi lentamente
divulgado entre os matemáticos e astronomos indianos e chegou até a
China onde Zu Chongzhi c. 450dC o teria aperfeiçoado para obter a
estimativa 3.1415 926 < PI < 3.1415 927, que corresponde a
calcular PI com sete dígitos corretos e que foi durante muitos séculos a
mais exata aproximação conhecida para PI ( os livros de Zu Chongzhi
foram perdidos, mas sabe-se que sua estimativa acima aparece no livro de
Cálculo Infinitesimal, entitulado Zhui shu, que foi escrito por ele ou
por seu filho, Zu Gengzhi, o qual foi um matemático ainda mais
talentoso; o mais antigo relato que temos do cálculo do Pi por Zu
Chongzhi aparece no comentário de Li Chunfeng do Jiu zhang suanshu,
capítulo 1, problema 32 ).
Por que calcular muitos dígitos do PI ?
Quanto ao porquê de se procurar calcular PI com um número de decimais
cada vez maior se, sabe-se, que tais aproximações não terão valor
prático:
ATE A SEGUNDA GUERRA:
desafio, o prazer que sente todo verdadeiro matemático de enfrentar um problema difícil
fama, o desejo de entrar para a História da Matemática
Por exemplo, um dos mais famosos records no calculo do Pi foi o de
William Shanks o qual, em 1 874, depois de 15 anos de cálculos, obteve
os 707 primeiros dígitos do PI. Seu trabalho foi de força bruta, a base
de lápis e papel, e mesmo com o surgimento de máquinas de calcular e os
primeiros computadores, esse record só foi quebrado em 1 947, por D.
Ferguson usando uma calculadora mecânica, ao obter 808 dígitos. Mas, o
mais importante é observarmos que esse tipo de esforço louco ficou para o
passado com o surgimento dos computadores eletrônicos digitais, durante
a Segunda GuerraATUALMENTE:
alem dos itens acima:
demonstrar a potência de novos métodos de cálculo
os progressos algorítmicos no cálculo do PI foram muito mais
sensacionais do que os das máquinas. Isso foi muito bem colocado por
Neal Carothers:
"O cálculo dos 100 265 primeiros digitos do PI, em 1961, precisou de
aproximadamente 105 000 operações aritméticas, enquanto que o algoritmo
inventado pelos irmãos Borwein em 1984 precisou de apenas 112 operações
aritméticas para obter os mesmos dígitos. Com meras 8 iterações desse
algoritmo ( o que envolveu 56 operações aritméticas ) eles obtiveram em
poucos segundos a aproximação que consumiu 15 anos da vida de Wm.
Shanks".
estudar a estatística da distribuição dos dígitos do PI
conforme já mencionamos acima, um dos interesses em calcularmos grandes
quantidades de dígitos do PI é podermos verificar se é ou não verdadeira
a hipótese da distribuição aleatória de seus dígitos. Os cálculos já
realizados tendem a confirmar essa conjectura. Por exemplo, examinando
os 200 bilhões de dígitos iniciais do PI, Kanada e Takahashi obtiveram a
seguinte distribuiçõo:
DIGITO NUMERO de OCORRENCIAS 0 20000030841 1 19999914711 2 20000136978 3
20000069393 4 19999921691 5 19999917053 6 19999881515 7 19999967594 8
20000291044 9 19999869180
esses números de ocorrência estão bastante próximos dos esperados 20 000
000 000. Mais do que isso: os números de ocorrência tendem aos valores
esperados com uma velocidade que está dentro do previsto pelo cálculo
das probabilidades, conforme detalharemos adiante.
demonstrar a potência de novos computadores:
uma maneira prática de exibirmos a potência de um novo computador é
anunciando que o mesmo possibilitou a quebra do record no número de
algarismos calculados para PI
E' tambem importante observar que essa corrida de super-computadores
tomou o lugar dos esforcos loucos, por anos a fio, de gente como Shanks e
outros: calculistas ano dígitos máquina tempo por dígito Wm. Shanks
1807 707 lápis e papel 1 semana/dig Reitwiesner 1949 2,037 ENIAC 0.25
seg/dig D. Shanks e Wrench 1961 100,265 IBM 7090 0.3 seg/dig Guilloud e
Bouyer 1973 1 milhão CDC 7600 0.1 seg/dig Kanada e Tamura 1983 16
milhões Hitachi M-280H 0.006 seg/dig irmaos Chudnovsky 1991 2 bilhões
m-zero 0.0003 seg/dig Kanada e Takahashi 1999 200 bilhões Hitachi SR8000
0.0000007 seg/dig
EXERCÍCIO
Atualmente,
as embaixadas chinesas estão divulgando um pequeno folheto onde são
resumidos os maiores feitos da cultura chinesa durante os últimos 5 000
anos. Tal folheto menciona, orgulhosamente, o matemático Zu Chongzhi (
fig. ao lado ).
A partir do que V. leu nesta página, como V. poderia justificar a inclusão desse matemático no folheto?
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