* História do Rio Grande do Norte (Parte 2 de 5)

INDEPENDÊNCIA DO BRASIL
Insucesso da Revolução
Monarquistas Vencem André de Albuquerque
Nada foi feito pelo governo revolucionário. A promessa de aumento de soldo aos soldados não é cumprida. A ação se limitou a arrancar a Coroa Real da Câmara em Extremoz, o que foi feito por Rego Barros.
"Uma fase triste e cinzenta. No Palácio da Rua Grande que teria seu nome, André trabalha ou vive junto do Padre João Damasceno. Nenhuma irradiação; nenhuma popularidade; nenhuma conquista; nenhuma vibração...", narra Câmara Cascudo.
A reação monarquista, no Rio Grande do Norte, parte da residência do alfaiate Manuel da Costa Bandeira. É de lá que surgem os contra-revolucionários, depois das noves badaladas do sino da Igreja, o sinal pré-determinado para o ataque. Chegando ao Palácio, encontraram o chefe revolucionário só, sem guarda, sem defesa. Após um breve tumulto, André de Albuquerque tem a virilha atravessada por uma espada. Ferido mortalmente, é conduzido prisioneiro para a fortaleza onde, na madrugada de 26 de abril de 1817, falece, sem socorros médicos ou qualquer tipo de assistência. Seu corpo foi arrastado pelas ruas da cidade , como se fosse um mendigo: "Amarram-no a um pau, com cordas e oito soldados carregam o corpo para a cidade", descreve Cascudo. Morte inglória para um homem da estatura de André de Albuquerque. Quando o corpo passava pela Ribeira, foi envolvido por uma esteira dada por Ritinha Coelho. Albuquerque foi encarado como um traidor da monarquia, por essa razão, o povo gritava:
- Morreu Pai André!
- Viva dom João!
André de Albuquerque foi sepultado na única igreja existente na cidade.
É importante salientar que, em recente restauração realizada na Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, foram encontrados os restos mortais identificados como sendo os do chefe revolucionário de 1817.
No mesmo dia do sepultamento de André de Albuquerque, foi organizado um governo interino, que permaneceu no comando do Rio Grande do Norte até o regresso de José Inácio Borges. Estava encerrada, de maneira melancólica, a participação do Rio Grande no movimento revolucionário de 1817.
Os Atos de Inácio Borges
Em 1816, o sargento-mor de Infantaria José Inácio Borges foi nomeado governador do Rio Grande do Norte. Não fazia quatro anos que exercia o poder quando, em Recife, explodiu a Revolução Pernambucana de 1817. Procurou tomar todas as providências necessárias para evitar que as tropas revolucionárias invadissem o Rio Grande do Norte pelas fronteiras com a Paraíba. Foi pessoalmente falar com André de Albuquerque, coronel das Ordenanças do Distrito Sul. Aconteceu, então, o inesperado: André de Albuquerque se uniu às tropas invasoras e prendeu o governador no Engenho Belém.
Algumas pessoas criticaram José Inácio Borges por ter abandonado a capital. O mesmo aconteceu com alguns historiadores, como, por exemplo, Tavares de Lyra que, depois de lembrar que Borges desfrutava da amizade de André de Albuquerque Maranhão, visitando seus engenhos, onde era por sinal bem recebido, disse o seguinte "acoimadó" de vacilante e dúbio, sendo certo que, num momento dado, ele se tornou realmente inexplicável. A sua ida ao Engenho Belém não tem justificativa: foi um ato, senão criminoso, pelo menos imprudente e leviano, ante a iminência de uma sublevação. Ela importou no abandono da capital quando mais necessária se fazia a presença do supremo representante do poder público, a fim de organizar a resistência e dar coesão aos elementos de defesa de sua autoridade, vigiando pela manutenção da ordem e da segurança que, ainda mesmo que não estivessem ameaçadas internamente, corriam sério perigo nas fronteiras".
Ao contrário da interpretação de Tavares de Lyra, a ida do governante ao interior, dar ordens ao responsável pela defesa das fronteiras, pessoalmente, é perfeitamente compreensível. Natal não apresentava sinais de que iria explodir num movimento revolucionário... A ameaça se encontrava justamente numa invasão vinda da Paraíba! A sua atitude foi, portanto, correta. Jamais poderia imaginar que seria preso pelo seu amigo! Deve ter ficado profundamente decepcionado, porque, na justificativa em que explica sua atitude, chamou André de Albuquerque Maranhão de "infame e traidor". O próprio Tavares de Lyra reconhece que José Borges condenou de pronto a revolução e tomou todas as medidas necessárias para combater o levante realizado em Pernambuco. Mesmo assim, o historiador potiguar vai mais longe, insinuando uma provável cumplicidade por parte do governador em relação ao movimento... Reconhece, entretanto, que não existem documentos que comprovem tal dubiedade de comportamento.
O fato é que José Borges foi um grande administrador. Vencida a Revolução Pernambucana de 1817, reassumiu o governo e não aproveitou da situação para praticar qualquer ato de vingança. Ao contrário, agiu com prudência, procurando diminuir o grau de envolvimento dos participantes no levante. Tavares de Lyra reconhece tal fato.
As propriedades dos Albuquerque foram depredadas, porém, João Borges não teve nenhuma participação nesses atos que, segundo Câmara Cascudo, são "exibições eternas de partidarismo interesseiros e desonesto". E mais: conseguiu tornar a Capitania do Rio Grande do Norte autônoma administrativamente, deixando de ser dependente de Pernambuco. Ao criar a Ouvidoria da Comarca, libertou-a da tutela da Paraíba e, como disse Tarcísio Medeiros, conseguiu "formar o primeiro Corpo de Tropa de Linha, composto de uma companhia de artilharia e duas infantarias (22/01/1820), bem assim à instalação da cada de Inspeção de Algodão e a Junta da Fazenda, esta em 01 de outubro de 1821".
Ainda quando administrava o Rio Grande do Norte, foi promovido a tenente-coronel e, depois, a coronel de Artilharia.
Deixando o governo, foi senador por Pernambuco. Reformou-se como marechal de campo após a Abdicação de D. Pedro I. Foi, ainda, designado ministro da Fazenda, participando, assim, do primeiro gabinete da Regência Provisória, ensina Tarcísio Medeiros.
José Borges morreu no dia 6 de dezembro de 1838, em Pernambuco.
A Causa da Independência
Considerações Sobre a Emancipação do Brasil
O quadro realmente impressiona. A tarde declinava, eram aproximadamente dezesseis horas. Às margens de um pequeno rio, chamado do "Ipiranga", na província de São Paulo, D. Pedro empunha a espada e gruta: "Independência ou morte!".
O gesto do príncipe, para alguns estudiosos, sintetiza todo o processo da emancipação política do Brasil. Marcaria o momento em que D. Pedro decidiu lutar para livrar o Brasil da tutela portuguesa. Naquela data, no entanto, o Brasil já se encontrava independente. Existem dois documentos que comprovam esse fato. O primeiro, tem a data de 4 de agosto de 1822. É um "Manifesto às Nações Amigas", escrito por José Bonifácio e diz o seguinte: "proclama à face do universo a sua independência política". Apesar dessa afirmação, o que se pretendia deixar claro perante os outros países é que o Brasil não se deixaria recolonizar por Portugal. Por essa razão, o mesmo documento afirma que "o Brasil continuava integrando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algaves".
Era um prenúncio do que estava para acontecer. A verdadeira Declaração da Independência do Brasil pode ser considerada a circular dirigida às nações amigas, com a data de 14 de agosto de 1822, que dizia, de maneira clara, o seguinte: "tendo o Brasil que se considera tão livre como o Reino de Portugal, sacudido o jogo da sujeição e inferioridade com que o Reino irmão o pretendia escravizar e PASSANDO A PROCLAMAR SOLENEMENTE A SUA INDEPENDÊNCIA". A afirmação dispensa qualquer comentário. O país assumia, naquele instante, sua autonomia política. Outra parte do texto diz o seguinte: "O Brasil não reconhece mais o Congresso de Lisboa, nem as ordens do seu executivo". Ou seja, não reconhecendo o poder executivo e, igualmente, o legislativo de Portugal, o Brasil se considerava, de fato e de direito, uma nação independente!
Gesto Simbólico e Contexto Especial
O movimento da separação política no Brasil assume características próprias, principalmente quando comparado às demais nações sul-americanas. Enquanto países como a Argentina, Colômbia ou Bolívia celebram heróis populares, no Brasil é o representante da dinastia reinante que, por circunstâncias especiais, vai participar do processo de emancipação. O Brasil se torna, após a independência, um império monárquico, diferentemente de seus vizinhos que se transformaram em repúblicas.
Na história dessa separação, há ainda uma forte tendência para valorizar os acontecimentos do dia 7 de setembro de 1822 como sendo os mais significativos. Entretanto, uma moderna abordagem mostra que a independência do Brasil foi um longo processo, elaborado desde os abusos do sistema colonial, que originou rebeliões, e continuou com a chegada da Corte Portuguesa ao País, fortificando-se com a resolução do Príncipe regente de permanecer em terras brasileiras.
Sabe-se, hoje, que a independência do Brasil resultou da disputa entre comerciantes portugueses, que vinham perdendo os seus privilégios fiscais, e brasileiros, que pretendiam para si esses mesmos privilégios. Nesse contexto, o 7 de setembro deve ser visto como um gesto simbólico.
Repercussões no Rio Grande do Norte
O Rio Grande do Norte, por Alvará Régio de 18 de março de 1818, se libertara legalmente da dependência da Paraíba.
Reassumindo o governo do Rio Grande do Norte, depois dos acontecimentos de 1817, José Inácio Borges era considerado simpatizante da causa da independência. Foi nessa época que o conflito entre separatistas e recolonizadores começou a ganhar vulto. É bem verdade que essas divergências eram mais dirigidas aos indivíduos do que às duas ideologias.
Com o afastamento de José Inácio Borges do governo, foi formada uma Junta Constitucional Provisória, composta por sete membros, e eleita no dia 3 de dezembro de 1821.
A citada junta era presidida pelo coronel Joaquim José do Rego Barros, ligado ao movimento de 1817, ainda sendo os demais membros da lista simpatizantes da causa separatista.
A junta teve que enfrentar todo tipo de dificuldades, inclusive a falta de material para expediente e cadeiras. Os pedidos de ajuda eram sistematicamente negados, sob a alegação de que a junta deveria ser composta por cinco membros e não por sete. Sem outra alternativa, os dois menos votados foram afastados do governo.
Um baixo-assinado com cerca de 50 assinaturas, tendo à frente o capitão Joaquim Torquato Soares Raposo da Câmara, solicitava a criação de uma nova junta, afirmando que a então governante era ilegal e insustentável.
A reação da junta não se fez esperar, determinou a prisão não só do primeiro signatário da lista, mas também do ouvidor. Temendo mais agitação, o presidente da Câmara convocou novas eleições.
Foi escolhido um governo temporário, eleito e empossado no mesmo dia. Finalmente no dia 18 de março, tomou posse a Junta de Governo Provisório, que permaneceu no poder até 24 de janeiro de 1824. No dia de 2 de dezembro de 1822, chega ao Rio Grande do Norte a notícia da separação política. A 22 de janeiro de 1823, a junta promove , com grande pompa, as comemorações que o fato merecia. No entanto, a coroação do primeiro imperador brasileiro, no dia 01 de dezembro de 1822, não foi comemorada, permaneceu ignorada pela população local, que passou a integrar o império brasileiro.
Os Rebeldes do Equador
A Insubordinação de Pernambuco
D. Pedro I dissolveu, em 1823, a Assembléia Constituinte, que tinha como objetivo elaborar a primeira Constituição do nascente império brasileiro.
A medida provocou descontentamento em todo o País. Como disse Rocha Pompo, "em Pernambuco, onde eram vivas as tradições de protesto contra o despotismo, assumiu atitudes de resistência formal pelas armas".
O que fez explodir o movimento em Pernambuco foi, sobretudo, uma questão interna. A junta que governava, renunciou, sendo eleito um novo governo cujo chefe era Manuel de Carvalho Pais de Andrade. Mas havia um governante nomeado pelo imperador: o morgado do cabo Francisco Pais Barreto, futuro marquês do Recife. Houve, então, o impasse. Carvalho Pais de Andrade não entregou o cargo ao seu sucessor indicado por D. Pedro I. Representante de algumas municipalidades, reunidos em Recife, apoiaram Carvalho Pais de Andrade. A guarnição de Recife ficou dividida: uma parte ficou com País de Andrade e a outra, com Pais Barreto. A facção que defendia o morgado do cabo prendeu Manuel de Carvalho e se retirou para o sul, com a finalidade de unir-se a um grupo de correligionários. Aproveitando o clima de antagonismo entre os dois grupos, frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, através das páginas do "Tifis Pernambucano", defendeu o separatismo.
Uma divisão naval, comandada por John Taylor, bloqueou Recife, impedindo um conflito armado. Mal Raylor saiu, Manuel Pais de Andrade, no dia 2 de julho de 1824, lançou uma proclamação rompendo com o governo imperial. O movimento marchava para a formação de uma nação independente. São mantidos contatos com outras províncias: Piauí, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Norte. Era o Nordeste que se levantava contra o absolutismo de D. Pedro I e alguns líderes iam mais adiante, desejando a proclamação de uma república!
A bandeira desenhada pelos rebeldes, que por sinal nunca foi utilizada em combate, trazia quatro palavras que sintetizavam o pensamento dos: revoltosos religião, independência, união, liberdade e confederação. A primeira se justifica pela presença dos sacerdotes frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, padre João Batista da Fonseca etc. A segunda, independência, dizia respeito ao governo imperial, portanto, brasileiro. O termo união se referia aos estados nordestinos e nortistas, que deveriam estar juntos para vencer as tropas imperiais. Mais do que nunca a coesão era necessária e, uma vez criada a confederação, a liberdade seria estabelecida em seu território. A última palavra, confederação, significava que seus membros manteriam autonomia!
A Confederação do Equador, contudo, não deu certo. As tropas imperiais dominaram o movimento. A 01 de dezembro de 1824, jurava-se a Constituição outorgada de 1824. O levante estava totalmente vencido. E a ordem imperial restabelecida em todo o Nordeste e Norte do Brasil.
Sem Choque de Armas no RN
Manuel Teixeira Barbosa assumiu o governo no Rio Grande do Norte numa hora difícil. Inquietação em todo o País. Conta Câmara Cascudo que "Pais de Andrade apoiava-se na Tradição de 1817, esta polarizava simpatias por todo o Nordeste".
"No Rio Grande do Norte, os homens de 1817 eram queridos e admirados. Mas estavam divididos, uns para o lado do imperador e outros para a aceitação de um governo popular".
Pais de Andrade enviou Januário Alexandrino para manter contatos na escuna "Maria Zeferina", em março de 1824. Ele vinha oficialmente, como médico, para divulgar um tipo de vacina. Porém, sua missão real era divulgar o movimento revolucionário pernambucano. Levava, inclusive, oficiais para o Ceará e Pará.
O clima hostil que havia entre os dois grupos, a favor ou contra o imperador, crescia num prenúncio de violência.
Teixeira Barbosa, inseguro, passou a dar expediente no Quartel da Tropa de Linha, esperando, ansioso, pelo seu substituto. Tomás de Araújo que, segundo se dizia, simpatizava com a causa pernambucana, retardava, ao máximo, assumir o governo. Ambos tinham consciência da tempestade que se aproximava. Tomás de Araújo foi nomeado presidente da província em 25 de novembro de 1823 e assumiu o governo em 5 de maio de 1824.
Na Paraíba, o presidente Felipe Neri Ferreira encontrou uma série de resistência ao seu nome, sendo Félix Antônio Ferreira de Albuquerque aclamado presidente. Era o retrato da crise política que reinava no Nordeste.
As facções em luta, na Paraíba e em Pernambuco, procuravam o apoio do Rio Grande do Norte. Pais de Andrade enviou, inclusive, correspondência para o governante potiguar. Tomás de Araújo agiu com cautela, preocupado em evitar uma guerra civil em sua província, atitude que não foi compreendida por alguns historiadores. Enviou, entretanto, uma delegação (padre Francisco da Costa Seixas, José Joaquim Germiniano de Morais Navarro e José Joaquim Bezerra Carnaúba) que fez algumas exigências ao vice-presidente da Paraíba, Alexandre de Seixas Machado: "intimar-lhe a eleição de novos conselhos de governo, posse ao mais votado, anistia e volta aos seus empregos de todos comprometidos, além das garantias naturais de segurança pessoal e propriedade", sintetizou Câmara Cascudo.
Alexandre de Seixas Machado, como resposta, mandou tropas para as fronteiras que se limitavam com o Rio Grande do Norte.
A delegação potiguar, depois de visitar a Paraíba, foi para Pernambuco, sendo que José Joaquim Bezerra Caranúba foi substituído por José Joaquim Fernando Barros. Essa delegação assinou, com o governo Pernambuco, uma concordata,. Em 3 de agosto de 1824, pela qual as duas províncias se uniram "numa liga fraternal ofensiva e defensiva", devendo entrar em vigor quando fosse assinada pelos governantes das duas províncias. Tomás de Araújo, ao que parece, não assinou o referido documento. Mais uma atitude do presidente entendida como dúbia... Pode ser compreendida, contudo, como uma prova de que não apoiava o movimento.
Tomás de Araújo enviou tropas para a região sul, sob o comando de Miguel Ferreira Cabral que, pouco depois, recebeu ordem para regressar. Havia a notícia de que uma força paraibana iria combater os norte-rio-grandenses. A situação ficou muito confusa. Tomás de Araújo mandou o tenente José Domingues Bezerra de Sá para observar o que estava acontecendo. Na volta, Bezerra de Sá informou que a tropa de Cabral estava reforçada com voluntários, oriundos de S. José de Mipibu, que eram grandes entusiastas da Confederação do Equador. Segundo Bezerra de Sá, o objetivo era "levantar a bandeira republicana em Natal". Os expedicionários, vindo do sul, portanto, eram rebeldes, adeptos da Confederação do Equador... Diante de um possível confronto, Vicente Ferreira Nobre e Joaquim José da Costa são designados para defender a cidade do Natal.
Câmara Cascudo narrou os acontecimentos seguintes: "Ferreira Nobte e Costa ocupam os arredores da cidade e não permitem que o emissário do presidente leve carta sua ao alferes. Cabral na tarde de 5 de setembro. O presidente foi em pessoa suplicar os dois que permitissem a entrada da força de Cabral. Permitiram, depois de muito rogados, com a condição dos voluntários acamparem fora da cidade". Uma situação crítica. Ferreira Nobre e Costa, praticamente, assumem o poder ou, pelo menos, ignoram a autoridade de Tomás de Araújo. Ao que parece, eles acreditavam que o presidente estava do lado dos rebeldes ou, no mínimo, simpatizava com a causa da Confederação do Equador...
Apesar dessa circunstância, o esforço de Tomás de Araújo para evitar um conflito armado, nos arredores de Natal, foi imenso e mesmo sem conseguir que suas determinações fossem aceitas pelos chefes militares, conseguiu que o pior não acontecesse, como demonstrou Jayme da Nóbrega: "Tomás de Araújo evitou o choque de armas, às portas de Natal, entre as tropas da guarnição, de 1 e 2 linhas, comandadas respectivamente pelo Capitão Vicente Ferreira Nobre e Sargento-mor Joaquim José da Costa, de um lado, e uma força de 50 soldados da mesma guarnição que fora enviada ao litoral sul e voltava engrossada com voluntários rebeldes de São José de Mipibu (...) sob o comando do Alferes Miguel Ferreira Cabral, de outro lado".
"Conseguiu Tomás de Araújo em pessoa convencer os indisciplinados comandantes Nobre e Costa de que pacificamente deveria passar pelo posto militar a tropa de Cabral e acampar fora o grupo de moços voluntários revoltosos. Estes depois fugiram".
Os historiadores viram em Tomás de Araújo um velho fraco, que não estava à altura dos acontecimentos. A verdade, porém, é que caso Tomás de Araújo tentasse se impor aos militares pela força, teria sido preso ou, então, morto. E a conseqüência teria sido a guerra civil! Tomás de Araújo, para evitar o derramamento de sangue, através de um gesto heróico, preferiu se sacrificar, suportando humilhações para obter um bem maior: poupar o povo e a cidade das vicissitudes de um conflito armado. Seu intento se realizou. Esse fato tem que ser reconhecido pela historiografia potiguar.
Tomás de Araújo, pedindo demissão, entregou o governo ao presidente da Câmara, Lourenço José de Moraes Navarro, que dirigiu os destinos da província até 20 de janeiro de 1825. Navarro, por sua vez, passou o governo ao seu substituto legal, Manuel Teixeira Barbosa.
A conclusão à qual se pode chegar é que, na realidade, o Rio Grande do Norte foi envolvido pelo movimento revolucionário pernambucano sem sofrer, contudo, maiores conseqüências.
O Patriarca Seridoense Tomás de A. Pereira
Nasceu em Acari, no ano de 1765. Era um homem alto e, segundo Jayme da Nóbrega Santa Rosa, "de olhos azuis, madrugador ativo, generoso, humano, isto é, compreensivo, fazendeiro de amplas propriedades".
Sobre sua figura foi projetada uma imagem de homem bom, porém, sem cultura. Jayme da Nóbrega combate, com fundamento, tal versão, afirmando que possuía "regular instrução" e que mantinha "assídua correspondência com seus amigos. As suas cartas eram ditadas a secretários, um dos quais era o seu neto Manuel Lopes de Araújo Cananéia. Registra a tradição oral que, ao mesmo tempo, às vezes, ditava quatro, cinco cartas. Deduz-se da leitura de algumas dessas missivas que foram conhecidas, e de documentos políticos impressos, que Tomás de Araújo se dedicava, nas ocasiões próprias, à leitura de livros". Jayme da Nóbrega vai mais além, chegando, inclusive, a fazer uma análise dos termos empregados por Tomás de Araújo.
O patriarca seridoense também conhecia a doutrina cristã a ponto de fazer preleções. Jayme da Nóbrega acrescenta outros traços da sua personalidade: "astúcia, habilidade, bom senso, memória, espírito de discernimento e capacidade de decisão. E ainda desmente a versão de que Tomás de Araújo simpatizasse com os ideais da Confederação do Equador.
Câmara Cascudo afirmou que não podia compreender como o imperador escolhera um homem idoso para administrar uma província que vivia uma situação dramática, caótica. Mais uma vez Jayme da Nóbrega desmente, de maneira firme, a lenda: "Em 1824 começava devagar um processo de glaucoma. Quando à idade, estava então com 59 anos, de excelente saúde e boa disposição (...). Depois que Tomás de Araújo deixou a presidência, viveu com boa saúde 23 anos".
A imagem que os autores construíram, tendo por base as declaração do próprio Tomás de Araújo, no Auto de Vereação, teria como objetivo apenas justificar o seu pedido de demissão do cargo de presidente da província. Os historiadores não compreenderam essa verdade. A velhice começa, na realidade, aos 65 anos e não aos 50... Confundiram paciência, capacidade de esperar para poder agir corretamente, com inabilidade. É bom repetir: Tomás de Araújo, impediu que os combates se desenrolassem na terra potiguar, sim. Os ânimos estavam muito exaltados. Evitar o derramamento de sangue entre irmãos é tarefa muito mais relevante do que solucionar um conflito entre facções adversárias, através do sacrifício de muitas vidas! Tomás de Araújo agiu nesse sentido de maneira consciente: "temendo que se alçasse a guerra civil e caísse nesta Província a indelével nódoa de sangue brasileiro de que até hoje isenta, propus e afiancei em nome de todos os feitos praticados de parte a parte, tornado réu de culpa ao que traísse essa proposição, e sendo por todos aceita e aplaudida em alta voz, mandei que entrasse só a Tropa de I linha, abarracando-se a outra força, ao que obedeceram".
Tomás de Araújo foi criticado, acusado de estar na "corda bamba", procurando agradar os dois grupos em luta. Outro engano. Ele era monarquista. Disse isso claramente: "Jamais se deixaria levar da impetuosa corrente de opiniões republicanas, anárquica e subversivas da obediência e boa ordem". Palavras que retratam perfeitamente o pensamento de um monarquista. Não ficou indeciso, ao contrário, procurou combater a violência com a astúcia de um sertanejo experiente no comando de pessoas...
Governou como se estivesse administrando uma de suas fazendas, determinando tarefas, por sinal, pouco comuns, para seus subordinados. Mandou, por exemplo, que os soldados trabalhassem na agricultura, para abastecer o quartel de alimentos... Combateu a prostituição, fazendo com que as mulheres tivessem uma missão diária: fiar algodão.
Honeste, "fiscalizou pessoalmente o Erário, impedindo que houvesse abusos", disse Jayme da Nóbrega Santa Rosa.

ESCRAVISMO E REPÚBLICA
Confederação do Equador
A Penitência de Tomás de Araújo Pereira
Era rigoroso no castigo aos seus familiares, usando a palmatória e uma pequena prisão, a "cafua". Manoel Dantas conta algo curioso, que pode ser até uma anedota, contudo, diz muito da personalidade de Tomás de Araújo: estava velho, quase cego. Pediu a seu neto padre, que se chamava também Tomás, que o ouvisse em confissão. O jovem sacerdote relutou, porém, o velho patriarca não admitiu a recusa e tanto fez que terminou se confessando ao seu neto. Após a confissão, como penitência, o padre Tomás determinou que o avô ficasse preso meia hora na "cafua". Cumpriu a penitência. Depois, chamou um pedreiro e mandou demolir o cubículo... Outros "casos" são contados sem que se possa distinguir os que são verdadeiros daqueles que fazem parte do folclore do sertão seridoense...
Ao deixar o governo, a situação política continuava difícil. Mesmo assim, não recebeu nenhuma garantia de vida. Saiu de Natal rumo a Acari e, numa determinada região onde corria o risco de vida, viajou escondido dentro de um barril, que foi levado na cabeça de seu fiel escravo, "Pai Benguela".
Em Acari, na Fazenda Mulungu, elaborou sua defesa, com o objetivo de excluir qualquer dúvida sobre sua participação nos episódios relacionados com a Confederação do Equador.
Tomás de Araújo passou o governo à Câmara no dia 8 de setembro de 1824, sendo o novo administrador o presidente da Câmara, Lourenço José de Moraes Navarro, que dirigiu os destinos da província até 20 de janeiro de 1825, quando o sonho da Confederação do Equador estava totalmente destruído.
ESCRAVISMO E ABOLICIONISMO
O Inescrupuloso Comércio Humano
O negro foi trazido da África para o Brasil porque, segundo Thales de Azevedo, "os portugueses necessitavam de divisas para o seu comércio internacional e não havendo encontrado ouro no Brasil, levavam ferro produzido para Portugal, por escravos no Congo e na Costa do Ouro para trocar esses escravos pelo precioso metal que ali existia. Os comerciantes europeus, por sua vez, estabeleciam-se em feitorias na África, protegidos por seus governos e de comum acordo com os potentados negros, para negociar suas manufaturas pelos produtos regionais. Assim, provocaram ou estimulavam as lutas tribais que, desorganizando a ordem social e a economia, lhes permitiam apoderar-se do comércio regional, ao mesmo tempo em que obtinham escravos para vender. Por esse jogo complexo e inescrupuloso, diretamente encorajava-se o ganancioso comércio humano, o qual também enriquecia os traficantes no Brasil".
As regiões africanas que mais forneceram escravos para o Brasil foram o litoral e o Golfo da Guiné. No século XVI, vinham da Guiné; no século XVII, DE Angola, e no século seguinte, da Costa da Mina.
Do outro lado do Atlântico, no Brasil, os três maiores centros que receberam os pretos oriundos da África eram Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Escravatura Modela Perfil Brasileiro
Os negros, maltratados, se submetiam ou se rebelavam, fugindo para o mato, formando quilombos. Às vezes, se refugiavam em comunidades "fechadas", não permitindo pessoas brancas no seu convívio.
A grande lavoura exigia um grande número de braços. Foi preciso, portanto, buscar o negro na sua terra. Segundo Jaime Pinsky, houve "uma grande multiplicidade de grupos negros trazidos ao Brasil pelos traficantes portuguesas ou ingleses, que se tornaram os mais expressivos já no século XVII".
Para Décio Freitas, "vicejou no Brasil a formação mais importante do mundo. Nenhum outro país teve sua história tão modelada e condicionada pelo escravismo em todos os aspectos, econômico, social, cultural. Pode-se dizer que a escravutura delineou o perfil histórico do Brasil e produziu a matriz da sua configuração social".
Lei Áurea: Apenas uma Etapa Vencida
O movimento abolicionista no Brasil representou um sentimento, defendido por aqueles que desejavam mudanças ou, então, por pessoas que agiam impulsionadas pelo cristianismo.
Pode ser analisado sob dois aspectos: o seu significado na época da libertação dos escravos (1888) e como é visto na atualidade.
A assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, foi aclamada pela multidão, numa verdadeira apoteose. Discursos. Aplausos. O dia 13 de maio foi apontado como sendo o ponto culminante de um movimento liderado por jovens idealistas que pensavam que, libertando o negro, a obra estava completa. Os abolicionistas esqueceram que tinham apenas vencido uma etapa. O passo mais importante estaria por vir, aquele em que o negro deixaria de ser "peça", para transformar-se em cidadão, podendo lutar pelos seus direitos e, inclusive, participar do processo político. Era preciso que o negro, antes de alcançar a sua liberdade, tivesse sido preparado para agir como cidadão, Mas nada foi feito nesse sentido, quer pelo governo, que por qualquer grupo de abolicionista. A falha foi exatamente essa. O movimento abolicionista, portanto, não foi uma farsa e, sim, errou por não compreender o que deveria ser feito após a destruição do sistema escravista.
O fato é que não foi tomada nenhuma providência para que o negro, uma vez livre, pudesse inserir-se na sociedade, com os mesmos direitos dos brancos... Resultado: nos primeiros momentos após a Lei Áurea, os africanos e seus descendentes no Brasil viveram momentos de grandes dificuldades. Por essa razão, alguns estudiosos, hoje, afirmam que a abolição da escravidão no Brasil foi uma verdadeira farsa. Sem nenhuma repercussão histórica. Mais uma vez, estão enganados. Em primeiro lugar, foram liberados mais de 700 mil escravos. E como mostrou Caio Prado Júnior, esse número de pretos representava, para a população branca, "uma ameaça tremenda; ainda mais porque eles se concentravam em maioria nos agrupamentos numerosos das fazendas e grandes propriedades isoladas no interior e desprovidos de qualquer defesa eficaz".
Com a abolição, o negro deixou de ser "peça" e passou a ser gente, pessoa humana. Ainda discriminado, perseguido, rejeitado. A grande maioria, levando uma vida realmente miserável. Sem perceber ainda o que representava a libertação de um povo. Teria que ser assim, considerando que o africano era discriminado, apontado como ser inferior, incapaz de qualquer ascensão social. É necessário ainda que pensemos no seguinte: não se muda a mentalidade de um indivíduo ou de uma sociedade, independente de cor ou ideologia, através de decretos. Rodos processo de mudança é lento e o novo é, quase sempre, rejeitado pela maioria. Naquela época, qualquer tipo de transformação ocorria muito devagar, a não ser quando imposta por uma revolução. O negro foi libertado, porém, continua sendo odiado ou, pelo menos, desprezado pela elite.
A abolição, contudo, foi o primeiro passo dado pelo negro no Brasil para ascender socialmente como povo.
A abolição acabou, no mesmo instante, com duas classes sociais: a do senhor de escravos e a dos escravos. De acordo com Décio Freitas, "a substituição de um modo de produção por outro configura uma revolução social. Todos admitem que esta foi a mudança social mais importante ocorrida desde a colonização".
Mão-de-obra Escrava e Comunidades Negras
O Rio Grande do Norte se abastecia de escravos em dois centros: Pernambuco e Maranhão. De Pernambuco os negros eram enviados para a região açucareira potiguar, sobretudo a partir de 1845, quando a indústria do açúcar foi ativada nos municípios de São Gonçalo, Ceará-Mirim, São José de Mipibu, Papari, Goianinha e Canguaretama.
Os negros comprados no Maranhão chegavam ao Rio Grande do Norte via Ceará, sendo desembarcados em Areia Branca, atendendo às necessidades da indústria salineira de Açu, Mossoró, Macau e Areia Branca.
O negro, portanto, atuava principalmente em dois tipos de trabalho: nas indústrias açucareira e salineira, e em menor quantidade nas fazendas de gado.
Alguns negros, contudo, não suportavam a vida miserável que levavam. Fugiam, penetrando no interior, e formando comunidades "fechadas", que se isolavam da sociedade dos brancos, mantendo somente um contato estritamente necessário, como aconteceu em Coqueiros, Sibaúma, Zumbi, Negros do Riacho, Capoeira dos Negros etc.
Essas comunidades, provavelmente, não se originaram de quilombos.
Exemplo: Capoeira dos Negros. Os habitantes desse local, conta o Sr. Severino Paulino da Silva, um de seus descendentes, vieram de Açu, talvez por causa de uma grande seca. Faziam parte de uma família formada pelo casal Joaquim e sua senhora, Caiada, e seus filhos, todos negros. O casal vendeu doze cavalos não adultyos para comprar a propriedade. O Sr. Carrias, antigo dono da Capoeira, enganou seu Joaquim entregando uma procuração em lugar do documento de venda. Quando o Sr. Joaquim morreu, o Sr. Carrias reuniu os filhos do falecido e disse a verdade, exigindo mais cem mil réis para passar o documento legal da venda do sítio. Os filhos do Sr. Joaquim pagaram a quantia exigida, assegurando a posse definitiva da terra.
Os bisavós do Sr. Severino Paulino da Silva foram, portanto, o núcleo original da população de Capoeira dos Negros.
A área inicial da comunidade era de 36 quilômetros, conforme informa o Sr. Nobre. Nos dias atuais, a área de Capoeira dos Negros diminuiu muito, porque alguns de seus moradores venderam suas partes. Em Capoeira, nos dias de hoje, há dois grupos distintos, um de pessoas com cor de pele mais escura e outro com a pele mais clara, fruto de uma miscigenação. Por essa razão, o antropólogo Raimundo Teixeira, do Museu Câmara Cascudo, já falecido, dividiu Capoeira em duas partes: uma que ele chamou de "Capoeira Branca", e outra que ele denominou de "Capoeira Negra".
A comunidade costuma se reunir na sede do Bangu Futebol Clube. Nesse local se realizam também reuniões do Sindicato e da Emater que, segundo informações obtidas in loco, financia a compra de instrumentos agrícolas (enxada, foice, máquinas etc.).
Os agricultores compram as sementes através de um intermediário, geralmente uma pessoa fora do grupo, para posteriormente vender sua produção a esse mesmo intermediário. Produzem mandioca, feijão e milho. Vendem seus produtores nas feiras de Macaíba, no sábado, e na de Bom Jesus, no domingo.
A religião predominante é a católica, ocorrendo, entretanto, um sincretismo com crendices populares, oriundas de cultos africanos e nativos, conforme afirma Josenira F. Holanda.
Uma tradição muito antiga da comunidade é a "Dança do Pau Furado", hoje sem continuadores, lembrada pelos mais velhos, mas com tendência ao desaparecimento.
O Pioneirismo da Abolição Mossoroense
Disse Câmara Cascudo: "a idéia da abolição encontrou adeptos entusiastas e adversários com antipatia pessoal aos propagandistas e não ao pensamento de restituir ao negro o estado de liberdade". Esse clima de hostilidade entre os grupos antagônicos, a favor ou contra, foi provocado, certamente, pelo entusiasmo dos jovens, com ativa participação em comícios públicos. Havia também um clima de aventura.
O macauense Joaquim Honório da Silveira viajou para o Ceará, numa jangada, para levar "uma petição de Habeas Corpus em favor dos escravos que estavam prisioneiros na Fortaleza, sendo condecorado com uma medalha de prata pelo "Clube do Cupim", narrou Pedro Moura.
Uma das características do movimento foi a participação entusiástica dos padres na campanha: "Pe. Pedro Soares de Freitas, Pe. João Cavalcanti de Brito (Natal), Pe. Antônio Joaquim (Mossoró), Pe. Amaro Theat Castor Brasil (Caicó), entre outros.
Macaíba contava, em 1869, com uma sociedade que lutava pela libertação dos escravos. Mas foi em Mossoró que se iniciou uma campanha sistemática, com forte influência cearense. A "Libertadora Mossoroense" foi fundada em 6 de janeiro de 1883, libertando seus escravos no dia 30 de setembro de 1883.
Damasceno de Menezes mostra a ascendência cearense no acontecimento: "Do Estado vizinho, Mossoró recebera relevante contingente de homens de alta formação cívica, e cedo a sociedade local participara do espírito libertador pelas influências de intercâmbio cultural e comercial que desde os seus primórdios se entrelaçaram à vida das comunidades do Oeste Potiguar".
O mesmo autor mostra que não houve, naquele trinta de setembro, um ato subversivo, porque não feriu nenhum dispositivo legal. Os escravos foram libertados através da entrega das Cartas de Liberdade. Isso acontecia de várias maneiras. A diferença é que, em Mossoró, no dia trinta de setembro de 1883, as cartas foram entregues na mesma data, em solenidade pública, libertando todos os escravos que ainda existiam no município. Segundo Damasceno de Menezes, "juridicamente houve abolicionismo em Mossoró. Sim, comemorou-se o civismo de um povo. O cristianismo houve por bem abalar os corações magnânimos do grande povo potiguar, o dar-se a extinção antecipada do elemento servil em a terra de Santa Luzia, para exemplo, memória e prova de altruísmo de uma geração que diante da justiça e pelo amor, pela prova de alto espírito compreensivo se tornou imortal".
Mas após o trinta de setembro, foi fundado o "Clube dos Spartacus", cujo primeiro presidente foi um ex-escravo, de nome Rafael. O objetivo dessa associação era promover a fuga de escravos de outros municípios para Mossoró... Essa concepção, na realidade, era subversiva, porque contrariava a legislação vigente no País. Mossoró era, assim, na prática, um município livre. Libertou seus escravos de maneira legal, porém acabou com a instituição da escravidão em suas terras. Dentro dessa perspectiva, houve abolicionismo em Mossoró.
O exemplo dessa cidade passou a ser seguido por outras comunidades do interior. Açu libertou seus escravos em 24 de junho de 1885. Depois foi a vez de Carnaúba (30/03/1887) e, logo a seguir, Triunfo ( 25/05/1887). Natal não possuía mais escravos em fevereiro de 1888.
Natal teve sua Guarda Negra, criação do Partido Conservador e instrumento de combate às idéias republicanas. Segundo os conservadores, os negros, por gratidão deveriam defender a monarquia... Em Natal, a Guarda Negra recebeu o nome de Clube da Guarda Negra. O seu presidente foi Malaquias Maciel Pinheiro. Instalada a 10 de fevereiro de 1889, com muita festa, essa organização, na apuração de Câmara Cascudo, nada fez de bom ou mal...
O Combate do Poeta Segundo Wanderley
Manoel Segundo Wanderley nasceu em Natal, em 6 de abril de 1860. Filho de Dr. Luiz Lins Wanderley e D. Francisca Carolina Lins Wanderley.
Estudou em Natal e em Recife e, em 1880, partiu para Salvador, onde se formou em Medicina, no ano de 1886. Nesse mesmo ano, ele se casou com Raimunda Amália da Motta Bittencourt.
Na concepção de Cláudio Augusto Pinto Galvão, "por influência de Castro Alves, abraçou o "condoreirismo", a terceira geração do romantismo brasileiro, sentiu a indicação dos caminhos da forma, que não eram outros, senão a forma e a temática do próprio estilo, tão populares ainda, àquele momento".
O livro "Poesias", de Segundo Wanderley, teve três edições, dias editadas em Fortaleza (1910 e 1928) e a última, pela tipografia Galhardo, em Natal, no ano de 1915. A primeira edição traz um estudo de Gotardo Neto que analisa os dois poetas, o baiano Castro Alves e o potiguar Segundo Wanderley, chegando a dizer que "no gênero patriótico, as duas individualidades se completam admiravelmente".
Segundo Wanderley foi considerado o maior poeta do Rio Grande do Norte de sua época.
Não foi apenas um grande poeta. Exerceu ainda diversas atividades: médico, foi também professor de Atheneu Norte-Rio-Grandense e dramaturgo. Mas seu maior destaque foi, sem dúvida, como poeta. Gotardo Neto, falando sobre a poesia de Segundo Wanderley, afirmou: "Falar do espólio intelectual de Segundo Wanderley é lançar uma vista sobre a poesia legítima de minha terra".
"Ele dominou e comoveu tanto o coração patrício que, mesmo o eclipse da morte não ensombrou sequer a grandiosidade das suas conquistas".
"Elas perduram e perdurarão, alacres e soberanas, como o espírito altaneiro do poeta desaparecido".
Na época em que morou em Salvador, predominou na mente de Segundo Wanderley a preocupação pelo destino do negro, combatendo a escravidão. E é justamente esse aspecto que Cláudio Augusto Pinto Galvão salienta em seu estudo, publicado na revista "História UFRN". Em um dos versos citados, segundo Wanderley chega a dizer:
"Uma idéia – Abolição
Seu verbo - é mais que espada
Seu braço forte é a enxada
Do túmulo da escravidão".
Uma de suas poesias mais conhecidas entretanto, é provavelmente "O Naufrágio do Solimões", que começa assim:
"Tristeza! Funda tristeza
Nos enluta os corações;
Já nada resta das águias,
Dos bravos do ‘Solimões’
O mar, esse negro abismo,
Que não respeita o heroísmo,
Nem sabe o que seja o lar,
Rolando, sobre as glaucas entranhas
Para os heróis sepultar".
Rômulo C. Wanderley cita suas peças teatrais: "Amar e Ciúme", 1901; "A Providência", 1904, "Brasileiros e portugueses", 1905. Escreveu ainda a fantasia "Entre o céu e a Terra", em homenagem à memória do aeronauta Augusto Severo.
Apesar do seu talento, Segundo Wanderley foi duramente criticado, sobretudo por causa da forte influência que recebeu do poeta baiano Castro Alves. Na defesa do poeta, argumenta Cláudio Galvão: "Muito se comentou no princípio do século, sobre a influência de Castro Alves na poesia de Segundo Wanderley, como se consistisse em demérito ao discípulo, guardar as marcas do mestre".
Cláudio Galvão destaca também um aspecto muito importante: "Segundo Wanderley foi o único poeta norte-rio-grandense a ter participação ativa no movimento abolicionista".
Segundo Wanderley morreu em Natal, no dia 14 de janeiro de 1909.
Proclamação da República
Palavras Iniciais Sobre o Contexto da Época
O Brasil vivenciou a sua primeira experiência republicana quando D. Pedro I abdicou o trono do Brasil, em favor do seu filho, a 7 de abril de 1831. Sendo o herdeiro ainda de menor idade, a solução constitucional encontrada foi a escolha de uma regência exercida por três membros, sob a presidência do mais velho. Dessa forma, iniciou-se no País o Período Regencial, composto por muitas características republicanas, como o aparecimento dos primeiros políticos, eleições para a escolha dos regentes e, principalmente, a suspensão do poder moderador do imperador, que era o grande entrave ao exercício da democracia. A 23 de julho de 1840, com a vitória da campanha pela antecipação da maioridade do imperador, é encerrado o Período Regencial que, apesar de conturbado por uma série de revoluções internas, foi exatamente rico para a História Política.
A propaganda republicana vai aparecer no Brasil, de maneira sistemática, a partir de 1880. Os jornais, os clubes e o P.R. (Partido Republicano) vão ser os responsáveis pela divulgação das idéias que determinaram a queda da monarquia no Brasil..
Foi praticamente nula a participação do povo, principalmente das classes mais desfavorecidas e da classe média. Os republicanos aproveitaram a insatisfação popular, pelas péssimas condições em que viviam os menos afortunados, para atrair o povo, engrossando assim as fileiras do movimento republicano.
Instala-se, nesse contexto, no dia 15 de novembro de 1889, um regime que poderia ter acontecido em 1822, com a separação política de Portugal, ou com a abdicação em 1831. Entretanto, os partidários da república sustentaram, sempre a idéia de que foi o longo período monarquista que deu condições para que o Brasil conservasse a sua integridade territorial, não se fragmentando em vários países, a exemplo da parte espanhola da América.
Campanha Republicana No Rio Grande do Norte
No Rio Grande do Norte é através de um documento, enviado ao Clube Republicano do Rio de Janeiro, em 30 de novembro de 1817, que aconteceu a primeira adesão coletiva às idéias republicanas. Os signatários desse documento eram fazendeiros, comerciantes, senhores de engenho, além de três vice-presidentes da província. Foram eles: Antônio Basílio, Ribeiro Dantas, Manuel Januário Bezerra Montenegro E Estevão José Barbosa de Moura.
A reação ao movimento republicano no Rio Grande do Norte era representada pelos partidos Liberal e Conservador. Não havia, entretanto, unidade ideológica entre esses dois partidos. Ao contrário as divergências internas eram muito acentuadas o que, de certa maneira, iria facilitar o desenvolvimento da campanha pela substituição do regime monárquico no Brasil. O jornal "A Gazeta de Natal" faria a contrapropaganda pelo partido Conservador, enquanto que a dos liberais era mantida pelo "Correio de Natal".
A reunião que marcou a fundação do Partido Republicano aconteceu na residência de João Avelino, situada na Praça Bom Jesus, no bairro da Ribeira, Natal, em 27 de janeiro de 1889, com a participação de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que passou a liderar a campanha.
A ata do nascimento do Partido Republicano registra a primeira diretoria, composta por Pedro Velho, presidente; Hermógenes Tinoco, vice-presidente; João Avelino, primeiro secretário; João Ferreira Nobre, segundo secretário; e Manuel Onofre Pinheiro, tesoureiro.
Teria sido em 1851, através do Jornal "Jaguarari", dirigido por Manuel Brandão, o início oficial da propaganda republicana no Rio Grande do Norte. Seguiu-se, em 1873, a revista "Eco Miguelinho", de Joaquim Fagundes José Teófilo. O movimento cresce e adquire uma maior organização no período entre 1857 e 1875, com a participação de Joaquim Teodoro Cisneiro de Albuquerque. Ampliando-se ainda mais o ideário republicano wuando, em 1886, Janúncio Nóbrega e Manuel Sabino da Costa fundam um núcleo republicano em Caicó.
Nasce, em seguida, o jornal "A República", órgão oficial do partido recentemente fundado.
Início do Governo Republicano em Natal
Foi um telegrama assinado por José Leão Ferreira Souto, dirigido ao Partido Republicano, que trouxe a notícia da vitória da campanha republicana pela mudança do regime, para o Rio Grande do Norte. Os monarquistas se inteiraram da novidade também por telegrama, esse assinado por Umbelino Ferreira Gouveia, datado de 16 de novembro de 1889.
A proclamação da República não foi comemorada, nem despertou reações. Supõe-se que o povo norte-rio-grandense, como os demais brasileiros, não teve consciência da mudança que se operava. Aqui, também, o povo foi "arrastado" para a causa republicana.
Os liberais ainda tentaram fazer Antonio Basílio Ribeiro Dantas permanecer à frente do governo da província. Porém a designação de Pedro Velho, chefe do Partido Republicano, que chegou a Natal assinada por Aristides Lobo, acabou com as pretensões liberais. Pedro Velho foi aclamado governador do Estado, mas governou por poucos dias. No dia 30 de novembro, o Dr. Adolfo Afonso da Silva Gordo era nomeado governador, pelo governo provisório do novo regime. Apesar da frustração, o chefe republicano no Rio Grande do Norte aceitou a nova nomeação.
A designação de Adolfo Gordo (paulista de Piracicaba) ensejou passeatas de protestos, muitos telegramas e alguns boatos de conspiração e discursos muito inflamados.
Posteriormente, Pedro Velho foi eleito deputado federal pelo Rio Grande do Norte com expressiva votação. Finalmente, no dia 28 de fevereiro de 1892, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão foi eleito governador, pelo Congresso Estadual, administrando até 25 de março de 1886.
As Especialidades de Pedro Velho
Luís da Câmara Cascudo afirma que Pedro Velho era um "orador esplêndido, claro, empolgador, espalhando uma vibração incontida de movimento e de sedução, jornalista magnífico, cultura literária disciplinada, oportuna, justa e certa na citação inflável, memória de estatística, gesto largo, teatral, majestoso, impressionador, voz quente, plástica, apta a qualquer desejo de queixa ou de estertor, vocabulário rico, luzidio, vestindo de novo a velha idéia aposentada pelo uso, mímica insubstituível, escolhida com requintes de conhecedor, todos os detalhes que a inteligência e a vontade podem dar a um homem, Pedro Velho conseguira ou findara possuindo".
Pedro Velho nasceu em Natal, na rua Chile, no dia 27/11/1856. Filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e de D. Feliciana Maria da Silva e Albuquerque.
Aprendeu as primeiras letras com o professor Antonio Ferreira de Oliveira. Começou seus estudos secundários no Ginásio Pernambucano, de Recife e, depois, na Bahia concluiria os referidos estudos, no Colégio Abílio. Iniciou o curso de Medicina em Salvador, porém, teve que se afastar da faculdade por problemas de saúde. Voltando a estudar obteve grau em bacharel em ciências médicas, defendeu a tese sobre "Condições Patogênicas das Palpitações do Coração e dos Meios de Combatê-los:, no dia 4 de abril de 1881.
Casou-se com D. Petronilha Florinda Pedrosa, em 27 de abril de 1881.
Pedro Velho, então, regressou ao Rio Grande do Norte, fixando residência em São José de Mipubu, onde passou pouco tempo, explorando uma farmácia. Foi, posteriormente, morar em Natal definitivamente, na rua Visconde do Rio Branco, nº 55.
Como médico, destacou-se nas especialidades de cardiologia, ginecologia e obstetrícia.
Professor, fundou o Ginásio Rio-Grandense (1882 a 1884) e ensinou História Geral e do Brasil no Atheneu Norte-Rio-Grandese. Tavares de Lyra ressalta que "foi na última fase do movimento em favor da emancipação dos escravos que iniciou triunfalmente a sua carreira política, tornando-se o chefe intimerato da propaganda, que fazia pela imprensa, em companhia de abnegados correligionários, e pela tribuna, em excursões sucessivas aos lugares do interior, emancipado, às vezes, de chofre, ao efeito de sua palavra inspirada e fulgurante".
Líder político, teve uma grande atuação. Fundou o partido republicano e, para divulgar suas idéias, o jornal "A República". Foi o primeiro governador do Rio Grande do Norte na fase republicana. Quando se pensou em fazer Pedro Velho senador, houve um problema: ele não tinha idade... Foi então eleito deputado para a Constituinte. Perdeu o mandato porque foi eleito, posteriormente, governador, administrando o Estado de 28 de fevereiro de 1892 até 25 de março de 1896. Nesse ano, com a morte de Junqueira Alves, abriu-se uma vaga na Câmara de Deputados, possibilitando que Pedro Velho continuasse na luta política. Foi reconduzido à Câmara de Deputados, comprovando sua extraordinária liderança. Por essa razão, José Augusto de Medeiros, afirmou: "Pedro Velho era um condutor de homens, era um chefe". E mais: "por 18 anos consecutivos, desde a proclamação da República até o dia de sua morte, o chefe invencível das hostes republicanas no Rio Grande do Norte. Nunca houve em qualquer época da história daquele Estado da Federação, um homem que gozasse de tanto prestígio".
Pedro Velho, pouco dias antes de morrer, recebeu um documento, assinado por todos os presidentes das intendência do Rio Grande do Norte, inclusive o capital, cujas palavras iniciais eram as seguintes: "É a voz do povo do Rio Grande do Norte, pelo órgão das suas municipalidades, que vem trazer a V. Excia, nesta modesta mensagem, as mais afetuosas expressões do seu aplauso".
"Numa data que, preciosa para a família, tornou-se pela força natural das coisas, preciosa para o Estado inteiro, partem de todos os extremos do Estado, de Natal a S. Miguel e de Macau a Jardim, os votos de nosso afeto com as homenagens da nossa admiração". A sua liderança se estendeu além-fronteiras do Rio Grande do Norte, com políticos de outras terras vindo até Pedro Velho, para pedir conselhos: Quintino Bocayuva, Manoel Vitorino etc. Rui Barnosa, quando ouviu Pedro Velho fazer uma saudação de improviso, comentou: "admirável orador".
Pedro Velho morreu no dia 9 de dezembro de 1907, quando estava no vapor Brasil, em Recife.
Constituição Federal Fixa Independência
No período compreendido entre a proclamação da República a 15 de novembro de 1888 e a revolução de 3 de outubro de 1930, o Brasil viveu o que os historiadores convencionaram chamar de "Primeira República" ou "República Velha".
As então "Províncias do Império" passaram à condição de Estado da Federação, que na época eram vinte. A Lei Maior do País passou a ser a Constituição federal de 1891, tendo cada Estado a sua Constituição.
Dentre as determinações constitucionais estavam: a independência entre os três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -; presidente eleito pelo voto direto para um mandato de quatro anos, sendo eleitores os maiores de 21 anos, do sexo masculino e alfabetizados. Houve ainda a separação entre a Igreja e o Estado.

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