* História do Rio Grande do Norte (Parte 1 de 5)



ágape Estudos Acadêmicos E Bíblicos
História do Rio Grande do Norte:
das Origens do Homem Americano à Síntese Histórica da Cidade do Natal
Compilação: Janildo da Silva Arante
12/7/2009


O Homem, quando chegou ao continente americano, já havia passado por uma longa evolução, desde o aparecimento do Homo Erectus, que viveu há 1,7 milhões de anos até 200 mil anos atrás


HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE – Observação: Tópicos explorados no concurso do CFO/PMRN:
HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE:
l) A Conquista Territorial Portuguesa e a Resistência Potiguar;
2) Nordeste Holandês: Economia Açucareira e Pecuária Norte-Riograndense;
3) Interiorização da Colonização Portuguesa e a Guerra dos Bárbaros:
4) Repercussões dos Movimentos Emancipatórios do Século XIX no Rio Grande do Norte;
5) Formação das Oligarquias: A agroindústria Açucareira e a Cotonicultura;
6) Participação do Rio Grande do Norte no Movimento Republicano;
7) A Revolução de 1930 e o Reordenamento da Política Oligárquica:
8) Demandas Sociais e a Intentona Comunista de 1935;
9) Segunda Guerra Mundial: Presença Norte-Americana e Repercussões Sócio-Culturais;
10) O Populismo e o Surgimento das"Novas Oligarquias";
11) Rio Grande do Norte Atual: Questões Políticas. Sociais e Econômicas.

O ALVORECER

Antes dos Europeus
Antes dos Europeus As Origens do Homem Americano
O Homem, quando chegou ao continente americano, já havia passado por uma longa evolução, desde o aparecimento do Homo Erectus, que viveu há 1,7 milhões de anos até 200 mil anos atrás. Pertencia ao grupo do Homo Sapiens. Não há, até o presente momento, unanimidade sobre a origem dos primeiros povos que colonizaram a América, mostrando ser assim um problema complexo. Diversas teorias abordam a questão, sendo a mais aceita aquela que defende terem os primeiros homens vindos da Ásia, através do Estreito de Bering, atingindo a América do N
orte durante a última Era Glacial. Um grande volume de águas retidas nas geleiras provocou o abaixamento do nível das águas do mar, fazendo surgir uma ligação terrestre entre a Ásia e América. Segundo a pesquisadora Betty J. Meggers, "a mais antiga ponte terrestre existiu entre cerca de 50.000 e 40.000 anos atrás e foi usada por várias espécies de mamíferos do Velho Mundo (...) Após um intervalo de submergência que durou uns 12.000 anos, a ponte reapareceu entre cerca de 28.000 e 10.000 anos atrás". Nesse período, contudo, uma camada de gelo surgiu como obstáculo à passagem humana durante alguns milhares de anos. Acontece que, como esclareceu Meggers, "no decorrer de alguns milênios, antes que os segmentos de Leste e Oeste se fundissem e um corredor se abrisse novamente a ponte terrestre foi transitável." Permitindo, assim, a caminhada humana. Foi aproveitando essa oportunidade que os asiáticos teriam penetrado no continente americano.

Existem provas de caráter antropológico, etnográfico e lingüístico a favor da teoria asiática, mas Paul Rivet acreditou que essa não foi a única via de acesso do homem ao continente americano. Essas provas se restringiram a uma região, a parte setentrional da América do Norte, segundo Rivet. É justamente por essa razão que ele defende uma origem múltipla: os australianos teriam invadido a região mais meridional da América do Sul. Para Rivet, portanto, uma das influências étnicas que podem destacar-se na América é de origem australiana. Sua ação, por discreta e limitada que tenha sido, loga impor-se pela antropologia, pela lingüística e pela etnografia". Acredita ainda esse cientista que uma parte da América foi povoada pelos polinésios, apresentado provas lingüísticas, culturais e tradicionais.
Paul Rivet é de opinião que o Atlântico funcionou como uma barreira intransponível para que o homem chegasse até ao continente americano e que, "ao contrário, o litoral do ocidente da América foi permeável a migrações múltiplas, em toda a sua extensão. O Pacífico não se tornou de forma alguma um obstáculo. Foi, sim, um traço de união entre o mundo asiático, a Oceania e o Novo Mundo".
A teoria da origem múltipla de Paul Rivet foi defendida por alguns, porém combatida pelos seus adversários. A verdade é que, apesar do avanço nessa discussão, a questão ainda não foi totalmente solucionada.
A controvérsia não atinge apenas a via de acesso, mas igualmente a época em que os primeiros colonos povoaram a América. Para Betty Meggers, "as discordâncias surgem das informações esporádicas inconclusivas, da presença do homem do Novo Mundo entre 40.000 e 12.000 anos passados, datação que alguns autoridades aceitam e outras não."
O certo é que o "homem entrou no Novo Mundo enquanto estava ainda subsistindo à base de plantas e animais selvagens", nas palavras da mesma autora. Esse homem, ao migrar para outras regiões, caminhou a pé. Teria ocorrido, desse modo, várias migrações.
As primeiras comunidades agrícolas surgiram no México, na América Central, Equador e Bolívia. Viviam em pequenos bandos. Eram caçadores e coletores. À medida em que avançavam para o sul, segundo os que acreditam na origem única, asiática, as comunidades foram passando por mudanças, com o objetivo de se adaptarem ao novo ambiente. Essas adaptações foram importantes para o desenvolvimento dos diversos grupos.
A agricultura promoveu uma verdadeira revolução. Posteriormente, surgiram grandes civilizações: Astecas, Maias e Incas.
Migração para as terras Brasileiras
Com relação à presença dos primeiros homens no Brasil, existe também uma grande controvérsia. A ocupação de terras brasileiras pelo homem ocorreu entre 9.000 e 11.300 anos, segundo alguns pesquisadores. Outros defendem uma data bem mais remota. Aos poucos é que o quadro vai se delineando. Constataram-se, pelo menos, duas áreas de influência - a Bacia Amazônica e outra compreendendo o Planalto Central do Brasil - que foram ocupadas através de vagas sucessivas, até chegar ao Rio Grande do Norte" por um processo de migração que permitiu culturas estabelecidas em determinadas áreas fossem substituídas por outras, no decorrer de milênios e até séculos", de acordo com Tarcísio Medeiros.
Em síntese, o homem primitivo teria seguido o seguinte roteiro: Andes, Planalto do Brasil, Nordeste e, finalmente, o Rio Grande do Norte.
O centro de dispersão dos tupis, segundo o mesmo autor, aconteceu no "istmo do Panamá. Desse ponto, um ramo alcançou a foz do Amazonas; do outro rumou para o Nordeste brasileiro; e um terceiro desceu o Tapajós, o Madeira e iniciou uma migração pelo Xingu acima".
Os Primitivos habitantes do RN
O Rio Grande do Norte foi habitado pelos animais da megafuna na era Cenozóica e, dos estudos realizados sobre o assunto, é possível chegar a duas conclusões, como disse Tarcísio Medeiros:
"a) A extinção dos grandes mamíferos processou-se mais recentemente do que se supõe em partes dessa região."
"b) Que a presença do homem, em comum com esses animais da megafauna no mesmo território, é mais antiga do que se considera habitualmente".
Exemplo dessa presença humana no Nordeste: Chá do Caboclo (Pernambuco).
Os primitivos habitantes eram formados pelos grupos de caçadores e coletores. Os homens contemporâneos da megafauna deixaram vestígios que se encontram nos sítios Angicos e Mutamba II. Diversos estudos arqueológicos foram feitos pelo Museu Câmara Cascudo, tendo à frente o pesquisador A. F. G. Laroche que, com suas investigações, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, forneceu importantes subsídios para a pré-história nordestina. Nássaro Souza Nasser e Elizabeth Mafra Cabral analisaram as inscrições rupestres do Estado, publicando posteriormente um estudo sobre o assunto. A arqueóloga Gabriela Martín, da Universidade Federal de Pernambuco, pesquisou intensamente as inscrições rupestres do Rio Grande do Norte, resultando em estudos como o intitulado "Amor, Violência e Solidariedade no Testemunho da Arte Rupestre Brasileira". Participou também do "Projeto Vila Flor", financiado pelo SPAN/Pró-Memória, cujo objetivo era o "estudo arqueológico e levantamento da documentação histórica da Antiga Missão Carmelita de Gramació". A mesma pesquisadora recentemente publicou um livro sobre a pré-história do Nordeste.
Na fase Megalítica, os homens se tornaram sedentários. O pesquisador Nássaro Nasser descobriu as "Tradições Cerâmicas", chamadas de Papeba e Curimataú. O professor Laroche, por sua vez, encontrou vestígios de diversas culturas pré-históricas, sendo a mais antiga do sítio "Mangueira", em Macaíba.
O professor Paulo Tadeu de Souza Albuquerque, coordenador do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Larq/UFRN), realizou uma série de pesquisas, trazendo novas luzes sobre o longínquo passado potiguar. Participou de escavações realizadas na Fortaleza dos Reis Magos e na antiga catedral, onde encontrou o túmulo de André de Albuquerque Maranhão.
Alberto Pinheiro de Medeiros, coordenando investigações de alunos da UFRN, enveredou por outras vertente sobre o tema pesquisado, chegando a sistematizar uma alternativa - descrita no item sobre as inscrições rupestres, mostrado a seguir que poderia ser acrescida às conclusões já apresentadas sobre os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte.
Os Significados das Inscrições Rupestres
Os primeiros habitantes do Rio Grande do Norte deixaram nas rochas e nas paredes das cavernas sinais incisos ou pintados. Em alguns sítios, existem apenas inscrições rupestres incisas (Fazenda Umburana, região do Abernal, município de Serra Negra-RN) e em outros locais encontram-se, no mesmo painel, inscrições incisas e pinturas (Fazenda Soledade, Apodi-RN).
Na atualidade é praticamente impossível saber quais foram os autores de tais legados. Mesmo assim, diante desse contexto, ainda se pode tirar algumas conclusões. Em primeiro lugar, é provável que tenham ocorrido dois estágios culturais. O mais primitivo estaria representado, pelos desenhos incisos. O outro estágio, mais desenvolvido, estaria caracterizado pelas pinturas que requeriam uma técnica mais complexa a elaboração de tintas. Para comprovar tal afirmação é suficiente apontar como exemplo o sítio que existe na Fazenda Flores, no município de Apodi-RN), onde os traços incisos eram feitos no chão e numa rocha, larga na base e que vai se estreitando à medida que sobe. Na rocha também há pinturas representando pares de mãos. Outro detalhe: os incisos estão quase apagados e grosseiramente desenhados. As mãos pintadas, porém, são muito bem feitas e apresentam grande nitidez Esse sítio poderia ser o testemunho de uma evolução cultural.
Outra questão que se discute - e esta é universal - seria o significado, ou seja, o que representariam ser de fato as inscrições rupestres: arte, escrita ou símbolos religiosos.
Existe, em princípio, uma dificuldade: como interpretar o pensamento do homem primitivo pelas pessoas que vivem no século XX? É possível ao homem contemporâneo penetrar na mentalidade de um ser nascidos séculos e séculos atrás? Por essa razão torna-se necessário fazer um esforço para recuar no tempo e se despir da cultura na qual o pesquisador nasceu e vive. Seria isso possível?
Esse é um problema de difícil solução, que exige muita competência e humildade por parte do pesquisador. Uma saída, provavelmente, é pesquisar os caracteres daqueles povos que tiveram sua escrita decifrada. Estudar, por exemplo, os Astecas (México) que possuíam uma escrita "pintada" e uma fonética. A escrita estava ligada aos sacerdotes, como na Suméria. O significado, no dizer de Córdova Ituburu, era determinado pela deformação de certas partes e das cores. Os sacerdotes daquele povo lidavam com caracteres simbólicos secretos. O conteúdo religioso de determinados símbolos não invadia a tese da escrita Richard E. Leakey estava certo quando disse que "as amostras de ocre que parecem em diversos sítios da Europa de 200 mil anos ou mais de idade, certamente, sugerem ornamentação ritual das pessoas e dos artefatos. Ritual e simbolismo aludem francamente à competência lingüística".
Tudo leva a crer que as inscrições rupestres que existem no Rio Grande do Norte constituem de fato uma escrita. Diferente, naturalmente, de que se usa na atualidade. Mas com certeza era um instrumento de comunicação. Os autores das inscrições possivelmente desenhavam ou pintavam para transmitir uma mensagem. O seu significado se perdeu no tempo, mas não pode ser considerado arte, porque tais caracteres não eram produzidos para deleite espiritual, nem para expressar o belo. A razão disso é muito simples: o homem primitivo, pelas dificuldades que enfrentava para sobreviver, era prático e rude. Quando sentia fome procurava resolver de imediato o seu problema. Não tinha condições de praticar uma atividade voltada para o embevecimento espiritual. Havia sim, grande necessidade de se comunicar.
A reprodução de um objeto através de um desenho é uma tentativa de fazer referência a algo que impressiona, de mostrar a outro ou a uma comunidade o valor daquele objeto. Traços em formas de barras ou então círculos ou pontos podem significar elementos de contagem. Mas na mente do homem primitivo poderiam também ter outra significação qualquer. Uma conclusão pode ser considerada como certa: eles desenhavam ou pintavam para transmitir uma mensagem. E naqueles tempos difíceis para a humanidade, a comunicação, certamente, era fundamental para a sobrevivência de um grupo, de todo o gênero humano...
Etnias Mais Recentes e Áreas Ocupadas
O litoral norte-rio-grandense, na época da descoberta do Brasil, era habitado pelos tupis, originários do Paraguai e do Paraná. Falavam o abanheenga que, segundo Varnhagen, era uma língua aglutinativa, porém, com reflexões verbais. Receberam o nome local de potiguares.
Tarcísio Medeiros descreve o tipo físico dos potiguares: "tinham o porte mediano, acima de 1,65 cm, reforçados e bem feitos no físico, olhos pequenos, negros, encavados e erguidos, amendoados (...), eram mais ou menos baços, claros. Pintavam o corpo com desenhos coloridos (...), furavam os beiços".
Os tapuias, que moravam no interior, foram descritos da seguinte maneira, por Olavo de Medeiros Filho: "as mulheres eram, indistintamente, pequenas e mais baixas de estatura que os homens. Possuíam a mesma cor atrigueirada, sendo muito bonitas de cara, obedecendo cegamente aos maridos em tudo que fosse razoável".
E, mais adiante, acrescenta: "os tapuias andavam inteiramente nus. Não usavam barbas e depilavam sistematicamente todos os pêlos surgidos no corpo, inclusive as sobrancelhas (...) Os tapuais pintavam hediondamente o corpo com tinta extraída do fruto de jenipapo, a fim de adquirirem um aspecto terrível nos combates".
Tarcísio Medeiros apresenta a seguinte classificação da população nativa, formada por diversas nações, na época da descoberta do Brasil:
Litoral: potiguares.
Serído: arius, cariris, panatis, curemas, pebas e caicós
Chapada do Apodi: paiacus, cariris, pajéus, pegos, moxoiós e canindés.
Zona Serrana: pacajus, panatis, icós e parins.
Os Europeus
Expansão Européia Pela Via Marítima
A Europa, no final do século XV, se encontrava presa em seus limites, sentindo a necessidade de se expandir. O comércio das especiais, monopolizado pelas cidades italianas e desenvolvidas do Mediterrâneo, prejudicava o restante dos países do continente. A razão era muito simples: os produtos eram vendidos por um preço muito alto. A necessidade de quebrar esse monopólio passou a ser uma questão de sobrevivência para uma economia monetária, como narrou Rolando Mausmier: "o numerário é totalmente insuficiente para as monarquias e para um comércio em plena expansão". Era preciso, com urgência , encontrar ouro. Como diversas lendas colocassem grandes tesouros na África e na Ásia, os europeus sonhavam em se apossar dessas fortunas. Era preciso, também, acabar com os intermediários, e o país que realizasse tal feito obteria lucros fabulosos.
Além da necessidade de conseguir ouro, a Europa se encontrava apertada entre o mar e seus inimigos. Em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos, o caminho para o oriente se fechava para os europeus. A situação ficava crítica. Havia uma solução apenas: atingir o Oriente pela via marítima/
Portugal, por sua posição geográfica, se lançou ao mar mais cedo. Adquirindo experiência nessas viagens, saía na frente em busca de um caminho marítimo para o Oriente. Seria a salvação do império lusitano. Havia outro motivo: as condições eram precárias para as atividades agrícolas em Portugal, razão pela qual a sua população tinha que tirar o alimento do mar. Pescando, os lusitanos foram se afastando do litoral, atingindo a Terra Nova, rica em bacalhau, salmão etc. Aos poucos, e como conseqüência dessas empreitadas, os portugueses foram aperfeiçoando os seus navios. No século XV, as galeotas e as galés de dois mastros haviam sido ultrapassadas, surgindo as barcas, barinés e as caravelas, que se imortalizaram durante as grandes descobertas.
A expansão marítima, organizada de maneira sistemática pelos lusos, começou com a conquista de Ceuta, em 1415. Toda viagem através do Oceano Atlântico, naquela época, era uma perigosa aventura, porque ninguém garantia o retorno. Após a conquista da Ceuta, os navegantes passaram a receber estímulos, sobretudo do infante D. Henrique que, por essa razão, foi chamado de "O Navegador". Acontece que a vida desse personagem foi envolvida por uma série de lendas. Como resultado, a sua personalidade foi exaltada, até ao exagero, por alguns historiadores, quer portugueses, quer brasileiros.
Pedro Calmon é um deles: "deu-se perdidamente às ciências, casto e austero (...) de fulgurações de lenda, leitor insaciável, colecionador de tudo o que se escrevera sobre cosmografia e navegação, transferiu para Vila de Terça Naval, junto de Sagres e do Cabo de São Vicente, o séquito de matemáticos judeus, cartógrafos catalães, pilotos de várias origens, e outros que para isto educava e com eles criou um seminário de estudos náuticos chamando-lhe, sem rigor verbal, Escola de Sagres. Foi na verdade uma escola, mas de obstinado trabalho, em que era aluno e mestre aquele príncipe letrado".
Tudo porém não passa de uma lenda. O infante D. Henrique não possuía um vasto sobre a Escola de Sagres jamais existiu, seja qual for o sentido que se queira dar a ela. Nem como uma escola no significado clássico da palavra, nem como um grupo de especialistas que discutissem problemas náuticos. Os avanços técnicos ocorridos com os navios portugueses foram conseqüência da experiência adquirida através de suas inúmeras viagens pelo Atlântico, o que, certamente, não diminuiu o mérito daqueles viajantes e das conquistas feitas pelo império lusitano.
É preciso também deixar bem clara a causa principal da expansão marítima de Portugal. Para justificar sua expansão, os portugueses alegaram a defesa do cristianismo. Tinham como divisa "A propaganda da Igreja de Cristo e a conversão dos infiéis", dando a impressão de que se tratava de uma nova cruzada. Acontece que o objetivo era real outro bem diferente: a busca desesperada pelo ouro.
A conquista da Ceuta demonstrou tal fato. O escritor Georg Friederici narrou com muito realismo o ataque português contra Ceuta: "entregaram-se, de súbito, a tremenda chacina, não respeitando a idade, nem sexo, não poupando mulheres nem crianças. Seguiram o saque e a devastação vandálica: os assaltantes devassavam, remexiam e escavavam. Depredavam os magníficos prédios preciosos e jóias. Os lusitanos semi-bárbaros arrebentavam as jóias das mulheres e das moças, arrancado-lhes e cortando-lhes as orelhas e os dedos".
A finalidade da expansão européia era, tão somente, a busca de riquezas. E mais: durante o processo de colonização no continente americano, portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e ingleses se igualaram no vandalismo. Contrariando, assim, os princípios cristãos que diziam defender... A evangelização dos gentios se resumia apenas ao trabalho dos missionários. Os colonos, contudo, procuravam explorar os nativos, realizando às vezes, verdadeiros massacres.
Frei Bartolomeu de Las Casas, considerado o "Apóstolo dos Índios", denunciou as crueldades dos espanhóis durante a conquista: "faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia um homem pela metade, ou quem, mas habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um só golpe".
Cristóvão Colombo Descobre a América
Antes da unificação da Espanha, o Reino de Aragão, desde o século XII, estava voltado para o Mediterrâneo: "Mesmo após a criação do Estado Nacional, a coroa espanhola seguiu dupla orientação: européia e mediterrânea, segundo interesses aragoneses, americana e atlântica, atendendo às aspirações castelhanas", como registra o livro "História das Sociedades - das sociedades modernas às sociedades atuais", de Rubim Santos de Aquino e outros autores. Mais tarde, quando se criou o Estado Nacional, com a expulsão dos muçulmanos, a Espanha não se preocupou em navegar pelo Ocidente para atingir o Oriente.
Essa política tinha uma série resistência. O seu grande defensor era um estrangeiro, filho de Gênova, chamado Cristóvão Colombo. E a viagem só se efetivou graças ao apoio de dois grupos poderosos: o católico, liderado por Luís de Santangel. Colombo, na realidade, não pensava em descobrir um continente e no entanto foi o que aconteceu. A partir desse momento (1492), a Espanha teve que valorizar uma política Atlântica, principalmente após as descobertas de minas de prata e de ouro no continente americano.
As conseqüências do descobrimento ultrapassaram os limites das fronteiras do império hispânico e se tornaram universais: "a Europa também se transforma graças, sobretudo, ao ouro e à prata, vindos do novo continente. A exploração das colônias, na América, promove a formação de grandes riquezas, cujo capital foi aplicado na indústria. Surge, assim, o regime capitalista", como comentou Alberto Pinheiro de Medeiros, no trabalho "A descoberta da América e as Mudanças", publicado no seminário "Dois Pontos", em outubro de 1992.
Ambições Ibéricas e a Descoberta do Brasil
As ambições expansionistas da Espanha e Portugal entravam em conflito. Portugal consegue, com D. João (1418) do Papa Martinho V. a bula Sane Charissimus. Seguem outras bulas: Eti Suscepti (1442), Romanus Pontifex (1454), Inter Coetera (1456).
Após a descoberta da América por Cristóvão Colombo, a Espanha entra na briga, procurando obter benefícios da Igreja, graças ao prestígio que desfrutava na Cúria Romana. As bulas iam saindo, refletindo a maior ou menor influência de uma das duas potências ibéricas, em dado momento provocando, inclusive, o protesto do teólogo Francisco Vitória.
Finalmente, Espanha e Portugal chegaram a um acordo. Com o Tratado de Tordesilhas (7 de junho de 1494), o mundo ficaria dividido entre as duas potências ibéricas.
Descoberto o caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama, D. Manuel prepara uma grande esquadra que parte rumo ao Oriente. O comando da armada é entregue à Pedro Álvares Cabral, alcaidemor de Asurara que, segundo Pedro Calmon, "pertencia à melhor gente da beija, cujo grande feito foi, justamente, a descoberta do Brasil".
Como diz ainda o mesmo autor, a armada "ia defrontar o ignoto, nas paragens do Índico: a paz ou a guerra. Devia ser forte. Foi preparada com magnificência: não mais para descobrir \, como a de Vasco da Gama, mas para aliciar ou intimidar o "samorin" de Calecute, nos Estados opulentos".
Participavam da armada nomes ilustres: Nicolau Coelho, Sancho de Tovar, Péro Escobar, Pedro de Ataíde, Vasco de Ataíde, o bacharel mestre João etc.
No dia 9 de março de 1500, após missa solene no dia anterior, Cabral e seus companheiros iniciavam a viagem. Roteiro: ilhas Canárias, São Nicolau. No dia 23, a nau de Vasco de Ataíde desapareceu. No mês seguinte, no dia 22, os expedicionários avistam um monte que recebeu o nome de Monte Pascoal.
Nicolau Coelho manteve os primeiros contatos com os nativos. Fotam celebradas duas missas, ambas por Henrique Coimbra. A primeira, num domingo, dia 26 de abril de 1500, e a segunda, no dia 1º de maio.
No dia seguinte, a esquadra partia rumo ao Oriente. Estava, oficialmente, descoberto o Brasil. O acontecimento foi narrado de maneira brilhante na carta de Pero Vaz de Caminha.
A Carta de Pero Vaz de Caminha
A carta de Pero Vaz de Caminha narrando a descoberta do Brasil, já muito estudada, foi reproduzida na íntegra em alguns livros de História do Brasil. A quase totalidade desses estudos se caracteriza pela erudição. A Dominus lançou uma edição pioneira para o grande público, sem se perder em vulgaridade, contando com uma introdução que é um pequeno estudo sobre aquele documento, escrito por Leonardo Araújo.
A carta foi redigida por uma testemunha ocular do fato, mais do que isso, um eminente humanista. Não é apenas um relatório narrando as peripécias dos navegantes lusitanos numa viagem marítima. Fornece subsídios para uma melhor compreensão daquele acontecimento.
A descrição, pela primeira vez, da terra descoberta é, talvez, a parte do texto mais conhecida: "as saber, primeiramente, de um grande monte, muito alto e redondo: e de outras serras mais ao sul dele, e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz!
Grande observador, descreve os homens da terra com riqueza de detalhes: "A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem coberta alguma (...) Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como furador (...). Os cabelos são corredios".
Narra também o contato de homens que possuíam culturas diferentes e que nativos e portugueses procuravam se entender através de festos, na falta de conhecimento do idioma do interlocutor. Surgindo, naturalmente, alguns desentendidos: "acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do capitão (que era de ouro) como se dariam por aquilo".
"Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejamos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque lhe havíamos de dar!" E mais adiante: "Ali por não houve fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha que se não entenderia nem ouvia ninguém". Lança, portanto, a culpa do não entendimento na barbaria em que se encontravam os nativos. Essa observação não passam de uma prova a mais do etnocentrismo europeu. Os brancos eram os "civilizados", os seres superiores; e os donos da terra, ao contrário, pobres coitados ...
Mas não se pode dizer que o referido documento seja a primeira página da História do Brasil por uma razão muito simples: a História do Brasil começa quando chegaram nesta terra os primeiros homens, numa época bem anterior à vinda dos europeus.
A carta de Pero Vaz de Caminha é, no entanto, um relato longo, minucioso, com dados importantes, fornecendo subsídios não somente para a História do Brasil, mas ao mesmo tempo para outras ciências, como, por exemplo, a antropologia.
Com ela se encerra a fase pré-histórica do País, começando um novo período: o da história escrita, entrando a terra descoberta para o clube do mundo dos "civilizados" ... E os portugueses, certamente, não estavam sozinhos. Portugal teria que enfrentar uma grande concorrência e teve que lutar muito para ficar de posse definitiva do Brasil.
Tese Ousada: Cabral no Litoral Potiguar
Lenine Pinto, pesquisador norte-rio-grandense, afirma que a expedição de Pedro Álvares Cabral, que descobriu o Brasil, ao contrário do que se tem dito até hoje, teria pela primeira vez atingido o Brasil provavelmente na praia de Touros, em abril de 1500.
Klécius Henrique, repórter da TRIBUNA DO NORTE que entrevistou o escritor, escreveu o seguinte: "Lenine Pinto argumenta que Cabral em sua viagem rumo à Índia teria seguido a volta do mar numa manobra a partir do Cabo Verde, a oeste, coroneando a corrente subequatorial do Atlântico que se bifurcava no Cabo de São Roque, numa aproximação dramática do litoral potiguar, onde teria aportado em 22 de abril de 1500".
Lenine Pinto desenvolveu, entre outros, o seguinte argumento: "João da Nova, em 1501, quando saiu à procura de Cabral, de Cabo Verde, levou trinta dias para chegar ao cabo de São Roque. Como Cabral, no mesmo tempo, chegaria ao sul da Bahia?
"A duração da viagem de Cabral, Portugal-Brasil, é muito importante. É preciso, portanto, saber o tempo que se gastaria para realizar a viagem Portugal-Touros e a viagem Portugal-sul da Bahia, naquela época.
Lenine diz ainda o seguinte: "Há muitos locais no RN semelhantes aos narrados por Caminha na carta ao rei D. Manuel". Acontece que fica difícil acreditar que os historiadores não tenham percebido antes o erro, afirmando que o lugar atingido por Cabral foi o sul da Bahia. A distância é muito grande. Como explicar tal equívoco?
A tese foi lançada. A dúvida poderá ser dissipada quando Lenine Pinto publicar o seu livro "Reinvenção do Descobrimento do Brasil".

O Início da colonização
Prioridade Européia
Controvérsias Sobre a Presença Espanhola

A prioridade da descoberta do Brasil continua sendo uma questão polêmica. Para alguns estudiosos, os espanhóis chegaram primeiro. Varnhagen, por exemplo, defende que Alonso de Ojeda teria atingido o delta do Açu no Rio Grande do Norte. Outros autores concordam que o navegador espanhol visitou o Brasil, divergindo apenas do local. "Vinguand discorda e aponta como sendo o local correto as proximidades do Cabo de São Roque". Capistrano de Abreu e outros autores negam que Ojeda tivesse passado pelo Brasil.
A viagem de outro navegante espanhol também é alvo de discussões. Parece que Vicente Yañez Pinzon teria realmente vindo ao Brasil. Robert Southey chegou a afirmar o seguinte. "A primeira pessoa que descobriu a costas do Brasil foi Vicente Yañez Pinzon".
Segundo os cronistas, no dia 26 de janeiro de 1500, Pinzon chegou a um lugar que denominou de Santa Maria de la Consolación. A controvérsia que existe é sobre onde ficaria essa Santa Maria de La Consolación. Para uns, seria o cabo de Santo Agostinho. Varnhagen indica a Ponta de Mucuripe. Guanino Alves, que pesquisou a viagem de Vicente Pinzon, discorda e indica a ponta de Itapajé, no litoral norte do Ceará, como o local certo. O fato é que o navegante hispânico tomou posse da terra em nome da Espanha. E deu à região visitada o nome de Rostro Hermoso. Depois, Pinzon se dirigiu para o Norte, chegando até a foz do rio Amazonas, que denominou de Santa Maria de la Mar Dulce.
Outro navegador espanhol que provavelmente passou pelo Rio Grande do Norte foi Diego de Lepe e, segundo alguns pesquisadores, teria atingido a enseada do Açu.
Apesar das controvérsias, não se pode negar que os espanhóis antecederam aos portugueses na descoberta do Brasil, considerando que estiveram no País antes de abril de 1500.
Os Franceses no Rio Grande do Norte
Quando os franceses foram expulsos do Sul do País seguiram rumo ao Norte, mantendo um ativo comércio com os nativos. Não conseguiram no entanto instalar uma colônia. Chegaram a contar com um intérprete: "Um castelhano tornado potiguar, beiço furado, tatuado, pintado de jenipapo e urucu, falando o nheengatu em serviço dos franceses com os quais se foi embora", narrou Câmara Cascudo. A base deles era o Rio Grande do Norte.
Os franceses passaram a fazer investidas contra a Paraíba, com o apoio dos potiguares. O ataque mais audacioso se realizou entre 15 a 18 de agosto de 1597. Portanto treze navios, o embate se deu com a fortaleza de Santa Catarina de Cabedelo, sob o comando do aventureiro Jacques Riffaul, que desembarcou trezentos e cinqüenta homens. E mais: "Vinte outras naus reforçaram a investida, esperando a ordem no rio Potengi". Não foi um simples assalto de corsários, mas se constituiu uma verdadeira batalha. A fortaleza foi defendida por apenas vinte soldados. A artilharia contava com cinco peças. Os portugueses resistiram ao ataque, forçando os franceses a baterem em retirada.
Vilma Monteiro analisa a importância dessa vitória: "Determina os novos rumos da conquista da região Norte. Permite a posse efetiva da Capitania do Rio Grande, seu povoamento e colonização, com isso abrindo as portas para a expansão civilizadora sobre novos territórios".
Os franceses, diante desse quadro, ameaçavam a Paraíba; após a caída desta, a próxima conquista seria Pernambuco ...
Foram eles que iniciaram o processo de miscigenação entre europeus e americanos na região. Dois aventureiros se destacaram: Charles de Voux e Jacques Riffault. Ainda hoje um local guarda no nome a lembrança de Riffault, no bairro do Alecrim em Natal, onde se ergueu a Base Naval (Refoles).
A Era Lusitana e o Marco de Posse
A primeira expedição que alcançou terras potiguares foi a de 1501. Essa viagem, iniciada no dia 10 de maio de 1501, se encontra envolvida em controvérsias. A começar sobre quem a teria comandado. Alguns nomes são apresentados: D. Nuno Manoel, André Gonçalves, Fernando de Noronha, Gonçalo Coelho e Gaspar de Lemos - o nome mais aceito. Quem participou também dessa expedição foi Américo Vespúcio.
Após sessenta e sete dias de viagem, foi alcançado o Rio Grande à altura do Cabo de São Roque e, segundo Câmara Cascudo, ali foi plantado o marco de posse mais antigo do País, registrando-se, na ocasião, contatos entre portugueses e potiguares.
O povo, por causa dos desenhos em forma de cruz no Marco de Posse, acreditou ser ele milagroso, surgindo assim, um culto. Oswaldo Câmara de Souza disse o seguinte: "O culto popular chegava às raias do fetichismo, havendo a crença absurda do que um chá preparado com fragmentos da pedra tinha poderes milagrosos, trazendo alívio e cura às mazelas do corpo e do espírito".
Nesse período, o governo lusitano, verificando que o litoral brasileiro estava sendo visitado por corsários, entre eles aventureiros franceses, resolveu enviar expedições militares para defender sua colônia. Foram as chamadas expedições guarda-costas, sendo consideradas as mais marcantes aqueles que vieram sob o comando de Cristóvão Jacques, entre 1516 a 1519 e 1526 a 1528. Uma iniciativa ingênua, considerando a imensa extensão do litoral. É o próprio Cristóvão Jacques que sugere o início do povoamento como solução para resolver o problema. Eminentes portugueses aprovaram e defenderam a idéia. D. João III, então envia uma expedição colonizadora chefiada por Martim Afonso de Souza.
A base estava lançada e em 1532 fundava-se São Vicente, no Sudeste do País, o que era muito pouco pois o Brasil possuía dimensões continentais. Cristóvão Jacques, entre outras coisas, sugere que se aplicasse no Brasil um sistema que já vinha sendo feito nas ilhas do Atlântico: o das Capitanias Hereditárias. Uma, na realidade, já havia sido criada em 1504 por D. Manuel, a de Fernando de Noronha. D. João III adota oficialmente o sistema no Brasil, criando quatorze capitanias no período compreendido entre 1934 e 1936. Entre elas, a de João de Barros, no futuro Rio Grande, como lembra Câmara Cascudo, "começando da Baía da Traição (Acejutibiró, onde há cajus azedos, segundo Teodoro Sampaio), limite norte da Donatária Itamaracá, pertencente a Pero Lopes de Souza, até a extrema indefinida".
A capitania possuía cem léguas de extensão. Em 1535, João de Barros, Aires da Cunha e Fernão Álvares prepararam a maior esquadra particular que havia saído do Tejo até aquele momento:" Com cinco naus e cinco caravelas, novecentos homens e mais de cem cavalos". O comando coube a Aires da Cunha. O governo investiu também nessa expedição: "D. João III emprestara artilharia, munições e armas retiradas do próprio Arsenal Régio", informa Câmara Cascudo. Por essa razão, muitos eram de opinião que Aires da Cunha pretendia, além de fundar colônias no Norte do Brasil, atingir o Peru pelo interior... Formando mais uma controvérsia ...
Varnhagen fala de um conflito entre nativos e portugueses à altura do rio Ceará-Mirim, Câmara Cascudo nega o incidente, afirmando que Varnhagen "arquitetou tal viagem". É taxativo: "Aires da Cunha nunca esteve no Rio Grande do Norte". Passando pelo litoral potiguar, o navegante seguiu viagem rumo ao Norte.
A expedição foi um fracasso total com a morte de Aires da Cunha. Os portugueses conseguiram fundar, ao Norte, o povoado de Nazaré, onde permaneceram três anos. Morreram setecentos homens. Os expedicionários partiram em busca de melhor sorte. Os resultados, porém, foram péssimos. Alguns foram jogados nas Antilhas; outros atingiram Porto Rico. E um grupo formado por São Domingos e João de Barros conseguiu reaver seus filhos que, quando regressavam de Nazaré, numa tentativa infrutífera, procuravam colonizar o Rio Grande. Foi nessa oportunidade que teria ocorrido o conflito entre potiguares e lusitanos, mencionado por Varnhagen. Mesmo fracassando, essa foi, na opinião de Câmara Cascudo, "a primeira tentativa de colonização no Rio Grande do Norte".
A fundação de Natal
Disputa Acaba em União Peninsular
O cardeal D. Henrique assumiu o governo português em 1578. O prelado contava sessenta e seis anos e, como não tinha filhos, criava um problema para a sucessão do trono português. No dia 31 de janeiro de 1580, o governante morreu.
Entre os diversos pretendentes ao trono, três netos de D. Manuel se apresentavam com maiores possibilidades: D. Antônio, prior do Crato, D. Catarina e Felipe II, rei da Espanha renunciou a favor de Felipe II. A disputa se reduziu entre D. Antônio, que era filho bastardo do infante D. Luís, e o monarca espanhol, que era o mais poderoso pois contava com o apoio de importantes figuras da nobreza e do clero lusitano. Os dois rivais partiram para a disputa armada. D. Antônio enfrentou as tropas fiéis a Felipe II, chefiados pelo duque de Alba, sendo posteriormente derrotado.
A crise abalou profundamente Portugal e no dia 28 de junho, como narra Jânio Quadros, "iniciou-se a tomada de Portugal pelos duque de Alba, enquanto setenta e duas galés sob o comando do marquês de Santa Cruz, acompanhadas de setenta naus, chalupas e caravelas, encetavam as operações navais. As cidades, vilas, lugares e povoações caíram uma a uma em poder dos invasores, a despeito, aqui e ali, dos esforços dos partidários de D. Antônio em contê-los".
D. Felipe não agiu somente pela força das armas, fez praticamente, tudo. Propostas tentadoras aos membros da nobreza, além do apoio da Companhia de Jesus. Em síntese, ele comprou o apoio recebido de seus adversários com ouro e também através de seu poderio militar.
Tudo isso porque Felipe II tinha grandes interesses na anexação de Portugal ao reino espanhol: "O grande palco dos efeitos políticos espanhóis na era filipina havia sido, até aquela data, o Mediterrâneo, seria através desta unificação que a Espanha passaria a tomar parte na grande era atlântica inaugurada por Portugal", segundo a "História Geral da Civilização Brasileira", Vol. I. Por outro lado, os portugueses já participavam das atividades comerciais espanholas. Era importante para a Espanha a anexação do reino lusitano, justificando assim todo o empenho do monarca hispânico. Não foi difícil ocupar Portugal. Venceu Felipe II e, em 1581, as cortes de Tomar aclamaram-se rei de Portugal. Estava efetivada a "União Peninsular", que terminaria apenas no ano de 1640.
Para o Brasil, esse período foi uma fase altamente positiva. Exemplo: a conquista do Norte e Nordeste do País.
O Interesse de Filipe II Pelo Rio Grande
Os franceses se fixaram no litoral potiguar sem necessidade de dominar o nativo e, justamente por essa razão, tiveram a população local como aliada. Escondiam suas naus no rio Potengi e, de sua base, se lançavam contra os colonos portugueses que se encontravam na Paraíba. O Rio Grande era, de fato, uma área estratégica. Da região, os franceses podiam se deslocar para o norte e igualmente para o sul.
Filipe II, ao anexar Portugal e suas colônias, sentiu a situação de abandono em que estava parte do Nordeste e todo o Norte do Brasil. E o que era pior: a constante ameaça que representava a permanência dos franceses no Rio Grande. Tendo em vista essa situação, o monarca não perdeu tempo. Através de duas Cartas Régis (9 - 11 - 1596 e 15 - 03 - 1597), determinou a expulsão do inimigo e que fosse construída uma fortaleza e ainda, fundada uma cidade. Em síntese: conquistar o Rio Grande, consolidando tal feito através da colonização. Por essa razão, um fato deve ficar bem claro: a expulsão dos franceses do Rio Grande foi uma iniciativa de Filipe II, o que significa dizer, hispânica.
A Expedição de Manuel Mascarenhas Homem
A conquista do Rio Grande não se apresentava como sendo uma tarefa fácil. E foi por assim compreender que D. Francisco de Souza, governador-geral do Brasil, determinou que o capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem, tomasse todas as providências para que se organizasse uma grande expedição militar com o objetivo de que as ordens de Filipe II fosse executadas. Assim foi feito. Uma poderosa expedição foi organizada. Desta, uma parte iria por mar com uma esquadra formada por sete navios e cinco caravelões, sob o comando de Francisco de Barros; e outra seguiria caminhando por terra, liderada por Feliciano Coelho, capitão-mor da Paraíba.
Manuel Mascarenhas Homem assumiu o comando geral, agindo com o máximo de empenho para que nada faltasse a fim de que os objetivos fossem alcançados: expulsar os franceses, construir uma fortaleza e fundar uma cidade. Participaram da jornada um grupo de religiosos: os jesuítas Gaspar de Samperes (autor da planta da futura fortaleza) e Francisco Lemos, e mais dois franciscanos - Bernadino das Neves, que funcionava como intérprete, e João de São Miguel.
Narra Câmara Cascudo: "Feliciano Coelho partiu por terra com as quatro companhias pernambucanas e uma paraibana capitaneada por Miguel Álvares Lobo, num total de 178 homens e 90 indígenas guerreiros de Pernambuco e 730 da Paraíba, com seus tuixauas prestigiosos e bravos: Pedra Verde (Itaobi), Mangue, Cardo-Grande etc. a 17 de dezembro de 1597 o exército marchou. Mascarenhas viera com as naus".
Acontece que as forças terrestres foram atingidas pela varíola, sendo obrigadas a retroceder, com exceção de Jerônimo de Albuquerque que se uniu à expedição marítima. Havia uma justificativa: Jerônimo desfrutava de grande prestígio entre os nativos.
A viagem pelo mar continuou e, no caminho, sete naus franceses fugiram para evitar um confronto com a esquadra lusitana.
No dia 25 de dezembro, a frota luso-espanhola atingia o rio Potengi. No final do ano de 1997 esse fato completa exatos quatrocentos anos.
A primeira providência dos invasores foi fazer um entricheiramento com varas de mangue para que pudessem se defender das investidas dos potiguares. Medida acertada, porque não demorou muito os nativos atacaram com toda violência. Era a guerra que começava. Com o passar dos dias, os luso-espanhóis começaram a perder terreno no conflito armado. A situação se agravou a tal ponto que ficou crítica, como narrou Vicente Salvador: "Depois de continuar os assaltos que puseram os nossos em tanto aperto que esacassamente podiam ir buscar água para beber a uns poçozinhos que tinham perto da cerca".
O quadro era muito triste: mortos, feridos e doentes. O clima ficava, a cada momento, mais insustentável. Foi quando, providencialmente, chegou Francisco Dias com reforço, evitando uma humilhante derrota. Servindo para que os luso-espanhóis pudessem manter a posição onde se encontravam. Não fosse a chegada de Feliciano Coelho, que partiu da Paraíba com mais soldados, armas e municões, tudo estaria perdido. A situação, ainda assim, continuava delicada. Era preciso negociar a paz com urgência.
A Imponente Fortaleza dos Reis Magos
A fortaleza de madeira não foi construída, como pensava Câmara Cascudo, em um "arrecife a setecentos e cinqüenta metros da barra do Potengi". A razão é muito simples: naquele local, a construção não suportaria o impacto das águas. O edifício, esclarece Hélio Galvão, foi erguido na praia.
A planta da fortaleza, apesar de ser contestada por alguns autores, foi feita pelo padre Gaspar de Samperes. Segundo a arquiteta Jeanne Fonseca Leite, "a concepção 'antropomorfa' dos italianos encontrou acolhida por parte do padre Samperes que a introduziu no seu projeto destinado à construção da Fortaleza dos Reis Magos".
Fortaleza e não forte, Hélio Galvão esclarece a dúvida: "Forte é uma pequena edificação sem guarda permanente. Fortaleza, ao contrário, é um grande edifício com um contingente de soldados permanente. A fortaleza, localizada na barra do Potengi, se destaca pela sua beleza e pela sua imponência. Não poderia ser de maneira alguma um forte'.
Para Hélio Galvão, que pesquisou exaustivamente sobre a Fortaleza, o nome correto seria Fortaleza da Barra do Rio Grande. O problema não é tão simples. Naquela época se usava de maneira indiferente mais de um nome para indicar um prédio público. Aquele edifício pode ser chamado também de Fortaleza dos Reis Magos, o que não pode, certamente é designá-lo por "Forte dos Reis Magos", que por sinal é a versão popular usada de maneira errada pelos cronistas tradicionais.
Os trabalhos de construção da fortaleza começaram no dia 6 de janeiro de 1598. Hélio Galvão explica o seguinte: "O trabalho se desenvolvia entre dificuldades e imprevistos, a ameaça constante de índios e franceses, a atenção dos homens voltada para a vigilância do acampamento. Diríamos que Mascarenhas Homem lançou a pedra fundamental e a partir daí ninguém parou. O material foi chegando, as pedras que vinham de Lisboa lastrando os navios eram guardadas, acumulava-se cal e os implementos imprescindíveis eram providenciados".
A primeira fortaleza, a de madeira, foi concluída no dia 24 de junho de 1598. E tinha, como descreveu Câmara Cascudo, "a forma clássica do forte marítimo, afetando o modelo do polígono estrelado".
Em 1614, o engenheiro-mor do Brasil, Francisco Frias de Mesquita, realizou trabalhos na fortaleza, fazendo pequenas modificações sem alterar a planta original. A obra foi concluída somente em 1628.
Paz Firmada e Posse Definitiva da Terra
A capitania se chamava, no início, do Rio Grande, passando a incluir "do Norte" quando surgiu outra de igual nome, no Sul do País.
Não houve, no Rio Grande, uma conquista. A expedição de Manuel Mascarenhas Homem estava praticamente derrotada. Os missionários saíram da fortaleza para se transformarem em embaixadores da paz. Um passo significativo nesse sentido foi dado quando os nativos conseguiram distinguir os militares e colonos dos sacerdotes. O padre Francisco Pinto foi, na realidade, o grande e incansável apóstolo. Percorreu o sertão, enfrentou múltiplas vicissitudes. Nos momentos mais difíceis conseguia reunir novas forças graças à sua fé, operando verdadeiros milagres na obra de persuasão.
Primeiro, a catequese e, através dela, o padre Francisco Pinto e seus companheiros missionários procuravam levar os silvícolas para o lado dos portugueses. O padre Pero Rodrigues, numa carta, transcrita por Hélio Galvão, registra o trabalho árduo e difícil dos religiosos. Os padres ajudavam ao exército com os acostumados exercícios da Companhia, que eram "a edificação de todos, pregando, confessando, fazendo amizades e não se negando a nenhum trabalho, de dia e de noite, como no acudir aos índios nossos amigos, que nos ajudavam na guerra, por adoecerem gravemente de bexigas e, quando era possível, acudiam a curar e consolar na morte".
No processo de pacificação, os missionários não agiram sozinhos. Contaram com o apoio de alguns chefes nativos: Mar Grande e Pau Seco, entre outros. Os líderes potiguares foram negociar a paz com os brancos porque as suas mulheres exigiram o fim das hostilidades. Contribuíram também com o processo de cristrianização de seus irmãos ao lado dos missionários.
Não se pode esquecer, igualmente, o desempenho de Jerônimo de Albuquerque que foi de suma importância. Filho de Jerônimo Santo Arco Verde (Ubirá - Ubi) que, por sua vez, era filha do chefe nativo Arco Verde. Mestiço, possuía sangue tupi em sua veia; corajoso e hábil, falando o idioma nativo, desfrutava de grande influência entre os habitantes de todo o Nordeste.
A paz era o anseio das duas facções em luta e as negociações obtiveram êxito. Terminadas as hostilidades, Manuel Mascarenhas Homem partiu para a Bahia, com o objetivo de relatar os acontecimentos ao governador, D. Francisco de Souza que, sem demora, determinou que fossem solenemente celebradas as pazes. Isso aconteceu no dia 11 de junho de 1599, na Paraíba, na presença de muitas autoridades - Mascarenhas Homem; Feliciano Coelho de Carvalho, ouvidor-mor geral, e Brás de Almeida; de diversos chefes nativos; do intérprete frei Bernadino das Neves e do apóstolo dos potiguares, padre Francisco Pinto. As pazes foram finalmente ratificadas e estava assim assegurada a posse definitiva da terra, ou mais precisamente da Capitania do Rio Grande.
Um presente dado por Felipe II ao império lusitano ...
Dúvidas Históricas: A Cidade do Natal
Expulso o francês, construída uma fortaleza, faltava apenas fundar uma cidade. E esse era, dos três objetivos, provavelmente o mais fácil de ser executado. Acontece que, graças à destruição de documentos pelos holandeses, a história da fundação da capital potiguar se perdeu, talvez, para sempre. A luta dos historiadores norte-rio-grandenses para reconstruir tal acontecimento tem gerado uma grande controvérsia através dos tempos. As pesquisas começaram a dar bons frutos e a questão começa agora a ficar mais clara, com alguns problemas solucionados.
Ainda hoje se discute quem teria sido o fundador da Cidade do Natal. Os primeiros cronistas indicavam o nome de Jerônimo de Albuquerque, alegando que, por sua participação no processo de pacificação, com sua garra e valentia, teria sido o primeiro capitão-mor do Rio Grande e logo depois fundado Natal. A informação se baseava muito mais na intuição do que em qualquer base documental. É, portanto, compreensível que os primeiros historiadores se confundissem. Frei Vicente Salvador, por exemplo, narra o seguinte: "Feitas as pazes com os potiguares, como fica dito se começou logo a fazer uma povoação no Rio Grande a uma légua do forte, a que chamam a Cidade dos Reis, a qual governa também o capitão do forte que El Rei costuma mandar cada três anos".
Outro historiador, Francisco Adolfo Varnhagen, avança mais nas explicações se valendo de detalhes: "Feitas as pazes com os índios, passou Jerônimo de Albuquerque a fundar no próprio Rio Grande uma povoação. E como era para isso imprópria a porção do arrecife ilhada (em preamar) onde estava o forte, segundo ainda hoje se pode ver, escolheu para isso o primeiro chão elevado e firme, que se apresenta às margens direitas do rio, obra de meia légua acima de sua perigosa barra (...). A dita povoação, depois vila e cidade, de cujo nome não conseguiu fazer - se digna por seu correspondente crescimento, se chamou de Natal em virtude, sem dúvida, de se haver inaugurado o seu pelourinho ou a igreja matriz a 25 de dezembro desse ano da fundação (1599)".
Vicente de Salvador confundiu a "povoação dos Reis" com a futura capital do Rio Grande do Norte. Na realidade, durante a construção da fortaleza, Manuel Mascarenhas Homem mandou erguer algumas casas para abrigar os oficiais que participaram da tentativa de conquista. Com isso, surgiu uma povoação que se chamou de Santos Reis. Natal seria fundada, posteriormente, e não tinha nenhuma relação com a povoação que nasceu próxima daquele edifício militar...
Varnhagen vai mais além, descreve a evolução daquele núcleo urbano: "A dita povoação, depois vila e cidade". Essa afirmação, porém, não é sustentável. Natal como disse Câmara Cascudo, "nasceu cidade". Não há, desse modo, nenhuma relação com a primitiva povoação que floresceu nas proximidades da fortaleza. A razão é clara: Felipe III mandou que se fundasse uma cidade e não uma povoação... Natal surgiu no local onde floresceu a povoação. Natal nasceu cidade, porém, sem casas e sem ruas, aumentando a controvérsia.
A Capitania do Rio Grande possuía dois núcleos: uma povoação em decadência e uma cidade que, na prática, não existia... Mas aos poucos, com o passar do tempo, começava a surgir. Essa situação provocou muita confusão entre os autores, como demonstram as diversas denominações que Natal recebeu: "Natal los Reys", "Cidade dos Reis", "Cidade do Natal do Rio Grande" e até o nome muito estranho de "Cidade de Santiago"...
Afinal, quem fundou Natal?
A primeira versão que contou no início com a quase unanimidade dos historiadores, inclusive dos pesquisadores da terra, era a que apontava Jerônimo de Albuquerque como fundador da Cidade do Natal. Essa teoria, que tem entre seus defensores ilustres nomes, como Vicente Lemos, Tavares de Lyra e Tarcísio Medeiros, em síntese seria a seguinte: Mascarenhas Homem nomeou Jerônimo de Albuquerque comandante da fortaleza e depois seguiu para a Bahia com a finalidade de prestar contas da missão que desempenhara, por determinação do governador-geral do Brasil. Veio a seguir a pacificação dos nativos e, em seguida, a fundação da cidade. Como Jerônimo se destacou no processo e era o capitão-mor da Capitania do Rio Grande, logo fora ele o fundador de Natal. Tavares de Lyra chega até a afirmar que "é de presumir". Portanto, não se tratava de fato e, sim, de uma possibilidade.
Com o avanço das pesquisas, ficou provado que Mascarenhas Homem não designou Jerônimo de Albuquerque para exercer a função de capitão-mor do Rio Grande e, o que é mais importante, Jerônimo não se encontrava presente na data da fundação da cidade e portanto não pode ser considerado como sendo seu fundador ...
Luís Fernandes (1932) defendeu ter sido Manuel Mascarenhas Homem o fundador da Cidade do Natal. Alegava que, construindo o primeiro edifício (a fortaleza) e ainda as casas que deram origem à povoação que se formou próxima à fortaleza, seria o verdadeiro padrinho da cidade. Argumentação falha, considerando que o novo centro urbano não possuía nenhuma relação com tudo o que existia anterior à data da sua fundação.
José Moreira Brandão Castelo Branco publicou em 1950, na revista Bando, o texto "Quem fundou Natal", onde defendia a tese de ser João Rodrigues Colaço o provável fundador da capital potiguar. Posteriormente, esse estudo foi publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 1960, provocando uma polêmica. Câmara Cascudo chegou inclusive a apoiar a teoria defendida por Castelo Branco (1955). Pouco tempo depois mudou de opinião, acreditando que o fundador da cidade teria sido outro: "Para mim, o padrinho da Cidade do Natal foi Mamuel de Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, comandante da expedição colonizadora:. E argumenta: "Continuava tão interessado no cumprimento das reais determinações que fora à Paraíba, em juno desse 1599, assistiu à solenidade do contrato das pazes com os potiguares, ato possibilitador da criação da Cidade seis meses depois. Acontece que, nessa época, Mascarenhas Homem estava em Natal onde concedeu, a 9 de janeiro de 1600, data nesta fortaleza dos REIS MAGOS (...), a primeira sesmaria, à margem esquerda do rio, numa água a que chamam da Papuna, justamente ao capitão João Rodrigues Colaço, seu subalterno. Não abandonaria funções de governaça se não tivesse deveres de suma importância, como satisfazer a última parte das instruções do rei, participando da fundação da cidade. Não outra explicação para a sua presença em Natal. Tinha sido encarregado da missão e deveria cumpri-la até o final".
Essa teoria se fundamenta nos seguintes pontos:
1 - A presença de Manuel Mascarenha em dois eventos:
a) Solenidade da ratificação da paz com os nativos.
b) Data da fundação da cidade.
2 - E, ainda, os seguintes argumentos:
a) Doou a primeira sesmaria no Rio Grande do Norte a João Rodrigues Colaço, ato administrativo que provaria que estava à frente do governo da capitania.
b) Mascarenhas Homem tinha como missão expulsar os franceses, construir uma fortaleza e fundar uma cidade. Deveria executar objetivos e, assim, teria para cumprir a última missão: a fundação de Natal.
Manuel Mascarenhas Homem prestigiou os eventos citados como representante do governador-geral do Brasil e foi representando D. Francisco de Souza que doou a sesmaria a colaço. É bom lembrar que, como comandante de uma expedição militar, ele não poderia doar sesmaria ...
Mascarenhas Homem construiu a fortaleza de madeira, lançando os fundamentos da fortaleza definitiva. Expulsou os franceses, mas não fundou a cidade do Natal porque em dezembro de 1599 já existia um governante, o capitão-mor João Rodrigues Colaço, habilitado legalmente para fundar a cidade e iniciar o processo de colonização...
Não se pode esquecer, também, que no documento da doação de capitão da fortaleza, D. Manuel Mascarenhas Homem disse claramente que "por mandato do dito Senhor vim conquistar este Rio Grande e fazer nele a fortaleza dos Reis Magos". Não afirma que veio fundar uma cidade e, no entanto, Natal já estava fundada! Chega-se a uma conclusão: Manuel Mascarenhas não fundou a Cidade do Natal. Falta examinar apenas a teoria que defender ter sido João Rodrigues Colaço o verdadeiro fundador.
Vicente Lemos foi o primeiro historiador a afirmar que João Rodrigues Colaço teria sido o homem que exerceu, pela primeira vez, a função de capitão-mor do Rio Grande, numa nota publicada na revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Vol. 6, página 138: A conquista iniciada em princípios de 1598, e na qual tanto distinguiu-se Jerônimo de Albuquerque, remete no ano seguinte, e, ciente D. Francisco de Souza, governador-geral do Brasil, de bom êxito da empresa, nomeou capitão-mor do forte a João Rodrigues Colaço, o primeiro que realmente governou a capitania".
Depois, entretanto, Vicente de Lemos muda de opinião. No seu livro "Capitães Mores e Governadores do Rio Grande do Norte", declarou que Jerônimo de Albuquerque foi o fundador da Cidade do Natal.

REGIÃO ESTRATÉGICA

Capitania do Rio Grande
Novas Luzes Sobre a Fundação de Natal
Foi o escritor José Moreira Castelo Branco quem procurou solucionar, de maneira definitiva, o problema da fundação de Natal. Com base numa exaustiva pesquisa, publicou um estudo intitulado "Quem Fundou Natal", onde provou que João Rodrigues Colaço foi de fato o primeiro capitão-mor do Rio Grande. Apresentou dois documentos, encontrados por Serafim Leite. Um deles é uma carta do provincial Pero Rodrigues, que registrava o trabalho de catequese realizado no Rio Grande pelos padres Francisco Pinto e Gaspar de Samperes, e diz ainda que "a tudo isso se achava presente o capitão da fortaleza, João Rodrigues Colaço".
Em seguida, Castelo Branco faz o seguinte comentário: "isto ocorria em março ou abril de 1599, porque a 19 deste último mês, já os ditos padres, a fim de satisfazerem uma exigência do príncipe Pau Seco, para melhor garantia e tornar a pacificação mais firme, partiam do forte do Rio Grande, em vista às aldeias dos potiguares, até chegar às de Capaoba, donde seguiram com destino à Paraíba".
O segundo documento, atribuído a Gaspar de Samperes, afirma o seguinte: "João Rodrigues Colaço, o primeiro capitão que foi daquela capitania".
Castelo Branco, apresentando essas provas, constatou ter sido Rodrigues Colaço o primeiro capitão-mor do Rio Grande e, ainda, através do documento em que dom Manuel Mascarenhas Homem deu sesmaria a João Rodrigues Colaço, se comprova que esse senhor governava a capitania em janeiro de 1600. Após examinar tudo isso, Castelo Branco conclui dizendo que "o primeiro capitão-mor do Rio Grande foi João Rodrigues Colaço, que governava no ano de 1599, devendo, por isso, ter sido o fundador da Cidade do Natal".
Como Castelo Branco não se posicionou de maneira categórica, usando, inclusive, a expressão "devendo, por isso, ter sido o fundador", não fechava a questão, deixando o problema em aberto. É que o autor não dispunha de nenhum documento oficial que confirmasse a sua teoria.
A importância do estudo de Castelo Branco, contudo, é muito grande. Elaborou uma tese, hoje vitoriosa. Abriu novas perspectivas, trazendo uma contribuição significativa e despertando a curiosidade de outros historiadores. A sua teoria, portanto, ficou no terreno das possibilidades, ou seja, uma abordagem perfeitamente válida.
Permitiu, por outro lado, que a versão que defendia sem dom Manuel Mascarenhas Homem o fundador da Cidade do Natal ganhasse novos adeptos: Hélio Galvão e Luís da Câmara Cascudo.
Tarcísio Medeiros divulgou, pela primeira vez, em fevereiro de 1973, o Alvará de Nomeação de João Rodrigues Colaço, em seu livro "Aspectos Geopolíticos e Antorpológicos da História do Rio Grande do Norte". Através desse alvará se constata o seguinte:
1 - João Rodrigues Colaço foi nomeado capitão da Fortaleza, pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, confirmado, posteriormente, pela metrópole.
2 - Não houve, portanto, interrupção, desde a data de nomeação, pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza, até a designação real, através do alvará de 18 de janeiro de 1600.
Esse alvará era, justamente, o documento oficial que Castelo Branco reclamava e que, infelizmente, não chegou a conhecer.
O historiador Olavo de Medeiros Filho, em seu livro "Terra Natalense", afirmou o seguinte: "Quando à transmissão do comando da fortaleza a Jerônimo de Albuquerque, referida por frei Vicente, não há respaldo documental. Conforme se verifica, através da leitura da Relação de Ambrósio de Siqueira, de 24 de junho de 1598 até 5 de julho de 1603, houve a presença de um capitão-mor da fortaleza e da Capitania do Rio Grande, de João Rodrigues Colaço, o qual foi provido pelo governador geral do Brasil, dom Francisco de Souza".
Essa informação é importante porque deixa claro que João Rodrigues Colaço recebeu o comando da fortaleza após a sua conclusão e não posteriormente, como se dizia no passado.
Jerônimo de Albuquerque, portanto, não foi designado capitão da fortaleza por Mascarenhas Homem no dia 24 de junho de 1598.
É possível também concluir que João Rodrigues Colaço foi, inicialmente, designado para responder pelo comando da fortaleza, por Mascarenhas Homem, e somente depois foi nomeado capitão-mor da Capitania do Rio Grande, pelo governador geral do Brasil, e, finalmente, confirmado nessa função, pelo governo metropolitano.
Examinando os documentos encontrados pelo padre Serafim Leite e publicados no livro "História da Companhia de Jesus no Brasil"; a "Carta de Doacão de Sesmarias a João Rodrigues Colaço", publicada pela revista do Instituto Histórico e Geográfico no Rio Grande do Norte; a "Relação de Ambrósio de Siqueira", transcrita em parte - um pequeno trecho - por Olavo de Medeiros Filho, em "Terra Natalenses"; o Alvará de Nomeação de João Rodrigues Colaço, divulgado por Tarcísio Medeiros em "Aspectos Geopolíticos e Antropológicos da História do Rio Grande do Norte" e, ainda, "Quem Fundou Natal", de Castelo Branco, fica claro o seguinte" João Rodrigues Colaço foi nomeado capitão da fortaleza por dom Francisco de Souza, sendo o primeiro a exercer tal função no Rio Grande, e como continuava governando a capitania, em janeiro de 1600, foi ele, JOÃO RODRIGUES COLAÇO QUEM FUNDOU A CIDADE DO NATAL, NO DIA 25 DE DEZEMBRO DE 1599.
A Nobre Sobriedade de João Rodrigues Colaço
Era militar. Casado com dona Beatriz de Menezes, filha de Henrique Muniz Teles.
Falando sobre o caráter e a personalidade de Colaço, disse Hélio Galvão: "a nobre sobriedade de suas respostas sobre alguns temas, revela um homem de caráter marcado, de personalidade alheia a condicionamentos eventuais".
Olavo de Medeiros Filho informa que "no período de 15 de agosto de 1595 a 15 de março de 1596, era capitão de uma companhia transferida do Recife para a Bahia. A referida companhia, àquela data, retornou a Pernambuco.
Um fato que ninguém pode negar é que João Rodrigues Colaço pode ser considerado um dos primeiros provoadores do Rio Grande, nascido na Europa. Por essa razão é que requereu ao representante do governador geral do Brasil, Manuel Mascarenhas Homem, uma sesmaria, com 2.600 braças, onde possuía inclusive roçados. Tinha, também, escravos da Guiné.
Colaço assumiu o cargo de capitão da fortaleza no dia 24 de junho de 1598, como comprova a "Relação de Ambrósio Siqueira".
Olavo de Medeiros Filho afirma que no "período de 26 de novembro de 1601 a 6 de março de 1602, nenhuma data e sesmaria foi concedida pelo governo de Rodrigues Colaço". Segundo esse autor, provavelmente, nessa época, teria acontecido um conflito entre portugueses e nativos, descrito por Anthony Knivet. O episódio teria acontecido da seguinte maneira: os potiguares, em grande número, cercaram a Cidade do Natal. Aprisionaram e mataram muitos homens. Mascarenhas Homem, ao tomar conhecimento do fato, partiu de Pernambuco e surpreendeu o inimigo que se encontrava, naquele instante, devorando os prisioneiros mortos. Estavam ébrios. E sem a menor condição para reagir. Foram, então, massacrados. Muitos morreram, sendo assassinados a pancadas! O saldo da chacina: cinco mil mortos! O chefe Pirajuva (Barnatana de um Peixe) solicitou e obteve de Manuel Mascarenhas Homem, a paz.
João Rodrigues Colaço, possivelmente, se encontrava ausente da capitania. Não há registro de nenhum envolvimento de Colaço no acontecimento, antes ou depois do ocorrido.
Frei Vicente do Salvador narra, na sua História do Brasil, um fato interessante, que teria se passado durante o governo de João Rodrigues Colaço: o bispo de Leiria condenou um homem a passar três anos no Brasil, "onde tornará rico e honrado". O degredado se casou com uma mulher portuguesa e reuniu uma pequena fortuna. E, ainda, desfrutava da amizade de Colaço e de sua esposa.
Não se sabe, até o momento, de outro feito de João Rodrigues Colaço, a não ser a fundação da Cidade do Natal. Depois de ter concluído o seu governo, voltou para Portugal. Não se tem outras notícias da sua presença no Brasil. Não se sabe, também, onde e quando morreu. Mas a falta de maiores dados sobre a vida de Colaço não justifica, de maneira alguma, a retirada do único momento de glória que ele viveu: ser o verdadeiro fundador da Cidade do Natal.
No momento em que Natal se prepara para comemorar os quatrocentos anos de sua existência, ninguém pode deixar de fazer justiça ao seu humilde, desconhecido, porém, verdadeiro fundador. Uma Cidade sem Pressa de Crescer
No início não houve uma preocupação voltada para a construção de prédios públicos. A fortaleza era suficiente. Outro edifício, cuja construção foi iniciada na época da fundação da cidade, foi o da matriz.
Durante o processo de conquista e de pacificação, a capitania conheceu apenas duas atividades: a dos soldados, construindo a fortaleza e lutando contra os nativos; e a segunda, marcada pela atuação dos missionários, ajudando enfermos e buscando a conciliação com os potiguares.
Entre outros, se destacaram os seguintes religiosos: Francisco das Neves Pinto. Os primeiros atos missionários foram realizados dentro da própria fortaleza.
Pedro Moura registra a construção de uma igreja, por Martim Soares Moreno, sob a proteção de Nossa Senhora do Patrocínio. Colheu tal informação em Miliet, por sinal, o único cronista a falar sobre aquele edifício.
Em 1598, Natal já era freguesia e o seu primeiro vigário, padre Gaspar Gonçalves da Rocha. Olavo de Medeiros Filho transcreveu, em "Terra Natalense", o seguinte texto de frei Agostinho de Santa Maria: "foi levantada uma paróquia que se dedicou à Rainha dos Anjos, Maria Santíssima, com o título de Apresentação, quando seus santíssimos pais, Joaquim e Ana, a foram oferecer no Templo, sendo de idade de três anos. Na capela-mor se colocou, depois, um grande e formoso quadro de pintura, em que se vê o mesmo mistério da Senhora historiada".
O primeiro documento que registra a matriz, em Natal, data de 1614, quando diz que a igreja não tinha portas. A igreja matriz teria sido concluída em 1619. Foi, entretanto, destruída pelos holandeses.
As datas concedidas no Rio Grande, como disse Olavo de Medeiros Filho, "no período de 1600 a 1614, acham-se discriminadas no "Traslado do Auto da Repartição das Terras da Capitania".
A cidade não crescia, "andava", ou seja, se arrastava lentamente, rumo ao futuro. Conta Luís da Câmara Cascudo que "os trinta e quatro anos de cidade, 1599 - 1633, foram lentos, difíceis e paupérrimos. Interessava ao rei o forte, a situação territorial. Raríssimas mulheres brancas. Cidade apenas no nome".
Havia, entretanto, uma coisa positiva. A pescaria que, segundo as testemunhas da época, era da melhor qualidade. Abastecia a população local e exportava para os Estados vizinhos, Paraíba e Pernambuco.
A maneira de viver da população, naquela época, foi descrita por Câmara Cascudo: "os moradores viviam espalhados nos sítios ao redor, plantando roças, caçando, colhendo frutos nos tabuleiros, pouca criação de gado que se desenvolveria vertiginosamente a ponto de ter 20.000 cabeças em 1633, e as pescarias, de anzol, rede e curral. Havia o sal, colhido nas marinhas do outro lado do rio, Igapó, Aldeia Velha, antigas malocas dos potiguares. O peixe salgado e seco foi um dos produtos mais rapidamente divulgado, com mercados abundantes e fáceis".
Era, de fato, um lento caminhar. A cidade não tinha pressa em crescer. Para complicar, dentro em breve deveria de passar por sua fase mais difícil: o período de invasão holandesa, quando teve prédios e documentos destruídos, retardando, mais ainda, o seu desenvolvimento. Domínio Holandês
Domínio Holandês
De João R. Colaço à Invasão Holandesa
Esta é uma fase das mais obscuras da História do Rio Grande do Norte, por uma razão muito simples: "nos arquivos do Estado não se encontrava nenhum documento anterior à conquista holandesa. Nesse período, que se estende 1633 a 1654, foram todos destruídos", como narra Tavares de Lyra.
Fica difícil inclusive de se estabelecer a data da posse de alguns governantes. Atualmente foi desfeita a dúvida sobre quem teria sido o primeiro capitão-mor do Rio Grande do Norte: João Rodrigues Colaço, fundador da Cidade do Natal.
A primeira casa que serviu de sede da administração da capitania foi a Fortaleza da Barra do Rio Grande ou, como é mais conhecida, Fortaleza dos Reis Magos. Falando sobre esse fato, disse Luís da Câmara Cascudo: "era a residência do capitão-mor, sendo administrativa, comando militar, quartel e refúgio dos raros moradores. Os soldados moravam dentro do forte e qualquer comoção geral levava os colonos, às carreiras, para as muralhas imponentes que garantiam o avanço no setentrião do Brasil".
Foi nessa fortaleza que moraram e governaram a Capitania do Rio Grande, os capitães-mores, até a invasão holandesa.
Alguns historiadores elaboram listas, procurando estabelecer, por ordem cronológica, os sucessores de João Rodrigues Colaço.
Vicente Lemos escreveu um clássico sobre o assunto: "Capitães-Mores e Governadores do Rio Grande do Norte". Acontece, entretanto, que permaneceram algumas dúvidas.
Varnhagen, Tavares de Lyra, Vicente Lemos e Câmara Cascudo classificam como sendo os primeiros governantes da Capitania do Rio Grande: Manuel Mascarenhas Homem (comandante da expedição que tentaria a conquista), Jerônimo de Albuquerque, João Rodrigues Colaço e novamente Jerônimo de Albuquerque. Equívoco que, felizmente, já foi devidamente esclarecido: o primeiro capitão-mor do Rio Grande do Norte foi Colaço. Manuel Mascarenhas Homem não governou o Rio Grande, apenas foi o capitão da conquista que, por sinal, não houve, porque a posse foi efetivada através de um processo de pacificação...
A lista dos governantes do Rio Grande do Norte começa, portanto, com João Rodrigues Colaço, sendo que Jerônimo de Albuquerque governou apenas uma só vez!
Os sucessores desses dois foram os seguintes: Lourenço Peixoto Cirne, Francisco Caldeira de Castelo Branco, Estevão Soares de Albergaria, Ambrósio Machado de Carvalho. Como sucessor desse último, era apontado, por alguns, Bernardo da Mota. Hoje, o equívoco foi corrigido: o sucessor de Ambrósio Machado de Carvalho foi, na realidade, André Pereira Temudo, que foi nomeado a 18 de março de 1621.
Tavares de Lyra pergunta: "Quem substituiu Francisco Gomes de Melo?", para depois, com base no que escreveu Domingos da Veira, ele mesmo responder: "a ordem de sucessão foi esta: Francisco Gomes de Melo, Bernardo da Mota, Porto Carreiro".
Câmara Cascudo, escrevendo em 1961, confirma Tavares de Lyra. Depois de Francisco Gomes de Melo, os sucessores foram: Bernardo da Mota e Cipriano Porto Carreiro.
Quando os holandeses atacaram o Rio Grande, Pero Mendes de Gouveia governa a capitania. Os Holandeses no Brasil: A Bahia
A primeira tentativa de implantar uma colônia no Brasil, pelos neerlandeses, foi na Bahia. Os armadores holandeses conheciam o Brasil, mantendo relações amistosas com os portugueses, durante os reinados de João III, D. Sebastião e o cardeal D. Henrique. Com a anexação de Portugal e suas colônias pela Espanha, a situação mudou. Felipe IV, inimigo dos Países Baixos, determinou "o confisco dos navios flamengos que estivessem nos portos de seus novos domínios, europeus, africanos, asiáticos e americanos".
Fugitivos da Bahia contaram na Holanda como seria fácil conquistar Salvador, devido à precariedade do sistema montado para defender a colônia. Um deles, Francisco Duchs, chegou a participar do ataque que resultou na capitulação da Bahia, em 1625. Guilherme Usselinex, porém, foi quem "propôs e defendeu a idéia da formação de uma nova companhia, semelhante à Oriental, que na Índia havia adquirido tantos lucros e vantagens", como disse Varnhagen.
O sonho de dominar o Brasil era antigo, porém, como desfrutavam de lucros com a participação no comércio, durante o governo português deixaram de lado tal idéia. Agora, a situação era diferente. Os espanhóis se apresentavam como inimigos. Deviam, portanto, aproveitar a oportunidade para se apossarem do Brasil foi a criação da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais, pela Carta Patente de 3 de junho de 1621.
A companhia decidiu atacar a Bahia, mas precisamente Salvador, capital da colônia, que, segundo eles, arrecadava 8.000 florins anuais....
E, como narra Varnhagen, "equipou-se uma grande armada de que foi nomeado almirante Jacob Willekens, vice-almirante o bravo e venturoso Pieter Pieterzoon Heyn, e comandante das tropas e governador das futuras conquistas Johan Van Dorth. Consatava a expedição de vinte e três iates, armados com quinhentos e nove bocas de fogo, tripulados de mil e seiscentos marinheiros e guarnecidos de mil e setecentos homens de desembarque".
A notícia de que a Holanda iria atacar a Bahia chegou ao Brasil. O governador geral, Diogo de Mendonça Furtado, procurou tomar todas as providências, porém, encontrou dificuldades, até mesmo má vontade, como era o caso do bispo D. Marcos Teixeira.
A 8 de maio de 1624 os holandeses chegaram a Salvador e, após dois dias de luta, dominavam a cidade. Preso Diogo de Mendonça Furtado, Johan Van Dorth passou a governar. Os batavos, contudo, não foram felizes. O povo que havia abandonado a cidade, passado o susto, procurou reagir, crescendo a figura de D. Marcos Teixeira, apesar de sua idade bastante avançada. Esgotado, não suportou as vicissitudes e veio a falecer.
Os holandeses, entretanto, tiveram também suas baixas. Cedo perderam o cel. Van Dorth. O seu substituto, Albert Schenteu, também morreu, sendo sucessor Wielen Schauten. Matias de Albuquerque, em Pernambuco, assumiu o governo da colônia e enviou para a Bahia um reforço, sob o comando de Francisco Nunes Marinho.
A metrópole mandou uma esquadra, chefiada por D. Francisco de Moura. A armada, depois de passar por Pernambuco, foi para a Bahia, onde realizou o cerco de Salvador. Era preciso, contudo, muito mais.
Filipe II, diante da repercussão negativa pela grande derrota, cuja conseqüência foi a perda da Bahia, resolveu tomar uma decisão mais firme e, então, enviou ao Brasil a maior expedição militar que atingiu o continente americano até aquele momento, com mais de 12.000 homens e 70 navios, ficando conhecida na História como "Jornada dos Vassalos". D. Fadrique de Toledo Osório assumiu o comando. Da expedição participaram não somente militares das duas nacionalidades, Espanha e Portugal, como figurar ilustres.
No dia 22 de março de 1625, a armada atingiu a Bahia e a 01 de maio Salvador estava libertada.
Os holandeses, contudo, não desistiram de se apossar definitivamente do Brasil... Os Holandeses no Brasil: O Nordeste
A Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais resolveu fazer nova investida contra a colônia luso-espanhola. O alvo, agora, seria Pernambuco, com mais de 130 engenhos, cuja safra ultrapassava as mil toneladas, fazendo de Pernambuco "a principal e mais rica região produtora de açúcar do mundo". No aspecto militar, o Nordeste brasileiro estava desguarnecido e, assim, não tinha condições de resistir a um ataque de uma grande esquadra.
A notícia sobre uma nova invasão holandesa ao Brasil se espalhava, rápida, pela Europa. Matias de Albuquerque, que se encontrava em Madri, foi nomeado "Governador e Comandante Supremo do Nordeste". O governador geral Diogo Luís de Oliveira recebeu instruções da metrópole para reforçar e melhorar o sistema de defesa da Bahia e Pernambuco.
Matias de Albuquerque partiu para o Nordeste brasileiro com poucos soldados, um reforço verdadeiramente ridículo diante da grande ameaça. Ao chegar em Pernambuco constatou que, para fazer frente aos holandeses, contava apenas com tropas que, na sua maioria, eram integradas por homens inexperientes... Não precisava, portanto, ser vidente ou estrategista militar para prever que, em caso de uma invasão em grande escala, haveria de se repetir exatamente o que aconteceu em Salvador.
No dia 15 de fevereiro de 1630, uma poderosa esquadra holandesa, com mais de 50 navios e 7.000 homens, sob a chefia de Hendrick Cornelizon Loncg, atacou Recife com toda sua força. Resistência heróica, porém, ineficaz e, assim, a 3 de março, caíram Olinda e Recife. Mas Matias de Albuquerque não desistiu e, adotando a tática de guerrilha, concentrou suas forças no Arraial do Bom Jesus. Os colonos levaram uma grande vantagem: conheciam a terra e atiravam desse fator o máximo que podiam, impedindo, ou melhor, retardando a vitória dos flamengos.
A 20 de abril de 1632 ocorre um fato que vai mudar o destino da guerra: a deserção, para o lado dos invasores, de Domingo Fernandes Calabar. Profundo conhecedor da região, passou a fornecer as informações que os neerlandeses precisavam e, dentro em breve, ampliaram o seu domínio, destruindo inclusive o Arraial do Bom Jesus.
A guerra trazia enormes prejuízos. A Companhia das Índias Ocidentais resolveu enviar o conde Jos'r Maurício de Nassau Siegen, com amplos poderes para pacificar a população e promover o desenvolvimento da colônia, para enfim adquirir os tão sonhados lucros. Começava outra fase da dominação holandesa.
O conde de Nassau veio com o título de "Governador Capitão General e Almirante de Terra e Mar". Vinha, portanto, para administrar e consolidar a conquista. Chegou no dia 23 de janeiro de 1637 no Recife. E se apaixonou pelo País dos mais belos do mundo.
O conde de Nassau era, no dizer de Jânio Quadros, uma "figura do renascimento, amigo e protetor de letrados e artistas e comprazendo-se na sua companhia, seria ainda um administrador capaz, culto, enérgico e generoso".
Nassau, apesar de ter feito uma grande administração, contudo, não se encontra isento de críticas. Hélio Viana apresentou, de maneira objetiva, o outro lado da personalidade do governante holandês: "interesseiramente protegeu os judeus, que para isso pagavam-lhe uma contribuição, a ponto de suscitar reclamações. E teve motivos inconfessáveis para amparar os calvinistas, pois uma de suas amantes no Brasil foi exatamente a filha do respectivo pastor. Quanto aos católicos, se por interesse político durante algum tempo permitiu seu culto, não tardou a persegui-los, expulsando do território ocupado".
Trouxe consigo artistas, (Frans Jasz Post) e cientistas (Jorge Marograv e Wielen Piso), ganhando fama de mecenas.
Entre seus feitos podem ser citados os seguintes: apoio os senhores de engenho, tomando medidas que asseguravam uma melhor produção de açúcar; reformulou a administração pública; procurou acalmar os ânimos dos portugueses; proibiu que se cobrasse juros de 18% ao ano, além de promover diversão para o povo.
Na área militar, realizou algumas conquistas (Alagoas, Ceará, Sergipe), porém sofreu um grande revés na Bahia. O governo espanhol, satisfeito com essa grande vitória, resolveu premiar os que nela se destacaram; Bagnuolo foi feito príncipe de Nápoles, a D. Antônio Felipe Camarão foi entregue uma comenda, a dos Moinhos de Soure etc.
A derrota de Nassau despertou Madri que organizou uma grande esquadra, sob o comando do Conde da Torre, D. Fernando Mascarenhas, para socorrer a colônia.
No dia 12 de janeiro de 1640, ocorreu o primeiro combate entre a esquadra do Conde da Torre e a holandesa, comandada pelo almirante Corweliszoon Loos e, após alguns combates - sem que houvesse uma batalha decisiva -, o Conde da Torre desembarcou em Touros, Rio Grande do Norte, mais de mil homens "sob comando do Mestre de Campo Luís Barbalho Bezerra, destemido cabo de guerra que iria agora - numa travessia de centenas de léguas, em busca da Bahia, por trilhas desconhecidas, em território ocupado por conquistadores desalmados e bárbaras gentes, sem recurso de qualquer natureza, forçado pela necessidade e estimulado pelo patriotismo a escrever uma das páginas mais gloriosas da história da luta com os invasores", segundo conta Tavares de Lyra.
Na altura do Potengi, Gartsmanm combate os comandados de Luís Barbalho Bezerra. É derrotado e preso sendo levado como prisioneiro para a Bahia.
Informa Tavares de Lyra: "A 15 de fevereiro de 1641, chega a notícia da restauração de Portugal". Com D. João IV assumindo o trono de Portugal, estava desfeita a "União Peninsular"...
Em 1642, Portugal assinou uma trégua com a Holanda. A 18 de abril desse ano, Nassau foi notificado que deveria voltar à Europa em 1643. Recebeu muitas homenagens, partindo somente em 1644. A Insurreição Pernambucana
Alguns colonos estava descontentes com o domínio holandês, ainda na administração de Nassau. Devido ao regime, muito duro, imposto pela Companhia das Índias Ocidentais. Por outro lado, após a trégua com a Holanda, Portugal almejava a devolução de suas colônias, porém, a Holanda não concordava. Gerando, assim, um clima de hostilidade entre os dois impérios. Diante do impasse, o governo português começou, secretamente, a fomentar a revolta nas terras ocupadas.
Em 1642, André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira já confabulavam, animados com a restauração do Maranhão. Não estavam sozinhos. O governador geral Antônio Teles da Silva enviou em 1644, experientes militares, liderados por Antônio Dias Cardoso, para Pernambuco, para que atuassem como instrutores. Ainda nesse ano, André Negreiros e João Fernandes, juntos elaboravam um plano para iniciar a reação contra os holandeses, tudo feito secretamente porque a trégua entre Holanda e Portugal não permitia se agisse às claras. Dentro desse contexto, em 1644, Henrique Dias e seu batalhão negro seguiam da Bahia para Pernambuco, como se estivessem fugindo. E, logo depois, D. Antônio Felipe Camarão, com seus nativos, segue o mesmo rumo, oficialmente perseguindo os fugitivos ...
Em 15 de maio de 1645, João Fernandes Vieira e Antônio Cavalcanti, na várzea de Capibaribe. Assumiam um compromisso para lutar "em nome da liberdade divina". Pouco dias depois, ou seja, 23 de maio, os dois juntamente com outras personalidade (16), assinavam um documento onde demonstravam sua disposição de lutar pela "restauração de nossa pátria".
A insurreição começou no dia 3 de junho de 1645, na várzea do Capibaribe. Em agosto, os comandados de João Fernandes Vieira ultrapassavam mil homens!
Entre as batalhas que obtiveram maior significação podem ser apontadas: a de Tabocas, em 1645, quando os revoltosos venceram os batavos do coronel Hans e do capitão Blauer. E as duas batalhas de Guararapes. A primeira, em 19 de abril de 1648, com os revoltosos sendo chefiados pelo mestre-de-campo general Francisco Barreto e, ainda, as tropas de André Vidal, de Henrique Dias, de Antônio Felipe Camarão e de Vieira. Os holandeses tinham no tenente-general Sigismundo von Schoppe seu principal líder. A vitória sorriu para os coloniais. A segunda, que se realizou em 18 de fevereiro de 1649, foi mais uma derrota dos neerlandes. Era, praticamente, o fim do domínio holandês no Brasil.
A Holanda passava por uma crise, estando envolvida na "Guerra de Navegação" contra os ingleses, forçando desviar a atenção e recursos que seriam destinados ao Brasil. A Inglaterra, interessada na destruição de sua rival, passou a ajudar a colônia portuguesa em sua luta contra os batavos. Através do "Ato de Navegação", de Cromwell, ficaram os holandeses sem liberdade de ação no mar, onde até aí haviam gozado de inegável supremacia', como disse Hélio Vianna.
A expulsão dos holandeses foi, sobretudo, uma grande vitória dos portugueses, mestiços e, também, uma bela participação de negros e nativos. Fez nascer, ou pelo menos reforçou, o sentimento nativista, nacionalista. Demonstrou toda a força de um novo tipo que estava nascendo: o brasileiro, e lançava as bases de uma futura nação independente: o Brasil. A Preparação Para Conquistar o RN
A Fortaleza da Barra do Rio Grande, pela sua beleza, impunha respeito. Os holandeses sabiam da importância de cunho estratégico daquele edifício militar. Possuíam, ao mesmo tempo, um certo temor. Começar, então, a recolher o maior número de informações para elaborar um plano eficaz para capturá-la.
A 19 de julho de 1625, o capitão Uzel Johannes de Laet fez um reconhecimento, encontrando no Rio Grande um engenho e muito gado.
Em 1630, Adriano Verbo vinha com a "missão especial de ver, ouvir e cantar", como resumiu Câmara Cascudo. Mesmo com essas informações, os flamengos não se arriscaram a armar uma esquadra e tentar se apossar da fortaleza.
No outro ano, o nativo Marcial, fugitivo dos portugueses, se apresentou ao Conselho Político do Brasil Holandês. Objetivo: realizar uma aliança com os batavos. Fornecendo, naturalmente, preciosos dados aos flamengos. O Conselho Político, contudo, foi prudente... Enviou Elbert Simient e Joost Closte ao Rio Grande, em 1631, para adquirir maior conhecimento da região.
Foi nessa expedição que os batavos conseguiram, por sua sorte, importante dados que se encontravam em poder dos portugueses e que facilitaram, posteriormente, a conquista do Ceará. Os documentos se encontravam com um português chamado João Pereira, que foi morto.
Massacres no Rio Grande do Norte
Tentativas de Conquista
O Fracasso do Primeiro Assalto
Após tantos estudos, os holandeses decidiram, finalmente, realizar a conquista do Rio Grande.
Narra Câmara Cascudo: "A 21 de dezembro de 1631 partiram do Recife quatorze navios, com dez companhias de soldados veteranos. Dois conselheiros da Companhia assumiram a direção suprema, Servaes Carpenter e Van Der Haghen. As tropas eram comandadas pelo Tenente-Coronel Hartman Godefrid Van Steyn-Gallefels. Combinaram desembarcar em Ponta Negra, três léguas ao sul de Natal, marchando sobre a cidade".
O capitão-mor Cipriano Pita Carneiro reagiu, ordenando que seus liderados abrissem fogo contra os invasores. Os holandeses, contudo, desistiram de realizar a conquista. Depois, passaram por Genipabu, agindo como verdadeiros salteadores, legando duzentas cabeças de gado...
Fracassou, assim, a primeira tentativa dos flamengos para dominar o Rio Grande.
A Rendição e a Tomada da Fortaleza
Ao que parece, os holandeses temiam encontrar uma fonte resistência por parte dos defensores da fortaleza. Precisavam conquistar o Rio Grande, sobretudo porque a captura desta capitania significava a solução para o abastecimento de carne bovina para os batavos. Richshoffer, quando esteve em Genipabu, não escondeu o seu entusiasmo: "consumimos mais carne fresca do que no decurso de todo o ano anterior"...
Em 1632, não se realizou nenhum ataque.
Por que a tomada da fortaleza foi tão fácil?
A Fortaleza da Barra do Rio Grande estava apenas com um efetivo de oitenta homens, sendo seu capitão-mor Pero Mendes de Gouveia, que lutou como um bravo, mas cometeu um erro que lhe seria fatal: abandonou as dunas próximas da fortaleza. Essas dunas deveriam ser defendidas. Caso contrário, se os inimigos colocassem ali sua artilharia, transformariam aquele edifício num alvo fácil de ser atingido. Foi exatamente o que aconteceu.
O capitão-mor Pero Mendes Gouveia agiu como se acreditasse que as muralhas da fortaleza fossem inexpugnáveis... Erro tático, que o levou para uma derrota inglória...
Os holandeses, ao contrário dos lusitanos, agiram como verdadeiros profissionais da guerra, segundo interpretação de Hélio Galvão: "A operação foi pré-traçada, dentro do quadro militar rígido: uma operação combinada".
No dia 5 de dezembro de 1633, partiu do Recife a esquadra sob o comando do almirante Jean Cornelis Sem Lichtard. Comandava as tropas o tenente-coronel Baltazar Bijma.
Afirma Câmara Cascudo: "Todo o dia 9 é de artilharia. Os holandeses montam as peças de 12 libras e os morteiros lança-granadas erguem trincheiras com cestões e sobem os canhões para os morros, a cavaleiro do forte. De lá atiram, quase de pontaria, desmontando as peças portuguesas. Assim 10, com trocas de descargas, gritos, toque de cornetas e granadas. Dia 11 foi a mesma tarefa".
Tenente-coronel Bijma intimou o capitão-mor Pero Mendes Gouveia para que se rendesse, através de uma carta. Resposta de Gouveia: "V. Excia. deve saber que este forte foi confinado à minha guarda por S.M. Católica e só a ela ou alguém de sua ordem o posso entregar". Atitude heróica, porém inútil. A artilharia flamega, montada nas dunas próximas da fortaleza falava mais alto...
Segunda-feira, dia 12 hasteada a bandeira branca pelos sitiados. O capitão-mor Gouveia estava gravemente ferido. Por essa razão, não participou das negociações para a entrega da fortaleza ao inimigo. Enfermo, não possuía mais o comando. Fala-se, inclusive, em traição... Na realidade, as negociações da rendição foram realizadas por pessoas estranhas, como registra Hélio Galvão: 'Sargento Pinheiro Coelho, foragido de uma prisão na Bahia; Simão Pita Ortigueira, preso na fortaleza, condenado à morte; Domingos Fernandes Calabar, que viera na expedição".
Caía a Fortaleza da Barra do Rio Grande. Começava, a partir daquela data, o domínio holandês no Rio Grande do Norte.
Os Massacres
A Destruição na Capela de Cunhaú
Segundo Câmara Cascudo, "o engenho Cunhaú foi construído na sesmaria dada por Jerônimo de Albuquerque em 2 de maio de 1604 aos seus filhos Antônio e Matias. Constava de 500 quadradas na várzea de Cunhaú e mais duas léguas em Canguaretama".
No início do século, o engenho exportava açúcar para Recife. Possuía um fortim, sob o comando do capitão Álvaro Fragoso de Albuquerque. Foi construído por marinheiros de Dunquerque.
Esse fortim foi atacado, vencido e destruído pelo coronel Artichofski, em outubro de 1634.
A Companhia confiscou o engenho de Antônio Albuquerque Maranhão.
Depois, o engenho passou por várias mãos.
No dia 15 de julho de 1645, sábado, Jacob Rabbi apareceu em companhia dos janduís, liderados por Jererera, no engenho de Cunhaú. A simples presença dos tapuias e de potiguares causou pânico na população.
Jacob Rabbi trazia instruções de Paul Linge. Publicou um documento, convidando a população para, no domingo, comparecer à capela para participar de uma reunião, quando seriam transmitidas determinações do Conselho Supremo.
A capelinha tinha como padroeira Nossa Senhora das Candeias.
A maioria do povo atendeu ao convite, lotando o templo. Tiveram, entretanto, que deixar suas armas do lado de fora.
O padre André de Soveral, paulista de São Vicente, missionário e tupinólogo, começou a celebrar a missa, considerando que a reunião seria realizada após o ato religioso. Possuía entre 70 e 90 anos. Era muito querido pelos seus paroquianos.
Os nativos se aproximaram da capela. Fecharam as portas. Os fiéis compreenderam o que iria acontecer. Tarde demais. Quando o padre André Soveral elevou a hóstia, era o sinal combinado, começou o massacre. As vítimas mal tiveram tempo de pedir perdão de seus pecados. Gritos, súplicas, gemidos.
Alguns tapuias procuraram atingir o sacerdote, André Soveral, então, disse:
- "Aquele que tocar no padre ou nas imagens do altar terá os braços e as pernas paralisados!"
Os tapuias recuaram, porém Jererera acertou um golpe violento no sacerdote, que caiu. Ainda conseguiu se erguer, mas por pouco tempo, tombando sem vida. Morreram, ao todo sessenta e nove pessoas.
A notícia se espalhou, provocando revolta. Iniciando, pouco depois, a fase das represálias. Em outubro de 1645, apareceu o capitão João Barbosa Pinto, matando holandês, com fúria selvagem. Em janeiro de 1646, Felipe Camarão e o capitão Paulo da Cunha só não fizeram o mesmo porque não encontraram inimigo para matar.
Após a expulsão dos holandeses, em 1645, a capela foi reconstruída pela família Albuquerque Maranhão, conforme registrou Fernando Távora.
Torturas Lendárias de Uruaçu
Nenhum massacre tinha ocorrido após o de Cunhaú e não havia, igualmente, sinais de algum levante próximo ao Rio Grande.
Acontece que, no dia 2 de outubro de 1645, chegou de Recife o conselheiro Bullestraten. E se reuniu, secretamente, com Gatdtzman. Tudo indica que trazia ordens para executar os portugueses.
Pelo menos, os acontecimentos futuros levaram a pensar em tal hipótese.
No dia seguinte, 3 de outubro de 1645, os colonos que se encontravam no Castelo Ceulen foram levados para Uruaçu: Antônio Vilela, Cid, seu filho, Antônio Vilela Júnior, João Lostau Navarro, Francisco de Bastos, José do Porto, Diogo Pereira, Estevão Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Vicente de Souza Pereira, João da Silveira, Simão Correia e o padre Ambrósio Francisco Ferro, que exercia as funções de vigário de Natal.
Ao chegar em Uruaçu, a tropa formou um quadrado e, no interior desse quadrado, ficaram o sacerdote mais os colonos. Foi dada a seguinte ordem: que eles se despissem e se ajoelhassem. Os portugueses compreenderam, então, o que iria acontecer. O padre Ambrósio Ferro, com tranqüilidade, deu a absolvição.
O pastor Astetten fez uma exortação para que os prisioneiros abjurassem a fé católica. Obteve, entretanto, uma resposta negativa de todos, numa atitude firme e corajosa dos portugueses. Os colonos se despediram uns dos outros, praticando atos de devoção. Isso irritou profundamente o pastor e seus companheiros. Começaram a torturar as vítimas com tanto ódio, que somente o fanatismo religioso poderia explicar tal insanidade. Não ficam satisfeitos. Jacob Rabbi chamou os nativos para que eles completassem o massacre. Fizeram corpos em pedaços. Arrancaram olhos, línguas, etc.
Esse foi apenas o primeiro ato. O segundo não demoraria muito tempo.
Os holandeses se dirigiram até o arraial, afirmando que chegaram ordens do Supremo Conselho, determinado que eles deveria assinar alguns documentos. Os homens se despediram de seus familiares, chorando, porque sabiam que iriam caminhar para a morte. Durante o caminho, rezavam. Os pressentimentos se realizaram.
Os cronistas fizeram relatos minuciosos. Narram, entre outros detalhes, o seguinte:
"Antônio Baracho foi amarrado a uma árvore e arrancam-lhe, quando ainda estava vivo, a língua.
Abriram o corpo de Matias Moreira e tiraram o seu coração. Antes de morrer, ele disse: "Louvado seja o Santíssimo Sacramento".
Espatifaram, com o pau, a cabeça de uma criança, filha de Antônio Vilela.
A filha de Francisco Dias teve o seu corpo partido em duas partes.
A mulher de Manuel Rodrigues Moura, depois que o marido morreu, teve cortado os pés e as mãos. A vítima sobreviveu, ainda, três dias ao lado do marido morto.
Os nativos procuraram salvar oito rapazes. Os holandeses ofereceram uma oportunidade para que os jovens conseguissem a liberdade: eles teriam que passar para o lado dos holandeses. João Martins deu a seguinte resposta: "não me desamparará Deus dessa maneira, a minha Pátria e o meu rei. Matai-me logo, pois tenho inveja da morte e da glória dos meus companheiros".
Uma moça, muito bonita, foi vendida aos nativos, ou melhor, trocada por um cão de raça.
Dois jovens, Manuel Álvares e Antônio Bernardes, com várias feridas, puxaram suas armas brancas, investindo contra os tapuias, matando alguns inimigos antes de morrer.
Uma menina, de nome Adriana, ao saber que seus pais seriam mortos, se recolheu a uma casa, chorando, em seguida. Foi quando a Virgem Santíssima apareceu, procurando consolar aquela criança. E prometeu que seus pais seriam vingados".
Pouco tempo depois, Camarão foi até o Rio Grande, punindo, com energia, os batavos.
"D. Beatriz, esposa de Joris Gardtzman, comandante do Castelo Ceulen, por piedade crista, levou as viúvas dos portugueses que tinham falecido em Uruaçu, para Natal.
Durante a noite, Gardtzman e sua mulher, juntamente com outros holandeses, ouviram uma música, belíssima vindo do local onde ocorreu o morticínio".
Não se discute, até hoje, a veracidade dessas informações. Diferem apenas em alguns detalhes. No essencial, ou seja, que os holandeses promoveram dois grandes massacres, liderados por Jacob Rabbi, com a participação dos janduís, constituem um fato indiscutível. Com relação aos dois últimos itens é que, de uma maneira geral, existem dúvidas, colocando, ambos no plano das lendas, fruto do espírito religioso e da ingenuidade do povo daquela época.
Na atualidade, contudo, é preciso ir além dos simples relatos para fazer uma análise de toda a problemática.
Uma Pequena Análise Sobre as Ações Cruéis
Os massacres que os flamengos promoveram no Rio Grande do Norte não constituem um caso isolado da colonização européia (ingleses, franceses, espanhóis, portugueses e holandeses), nas terras americanas. Herbert Aptheker, resumiu numa palavra de ação inglesa, com relação aos nativos: GENOCÍDIO!
Frei Bartolomeu de Las Casas, como lembra Eduardo Bueno, chamou os espanhóis de "sujos ladrões", "tiranos cruéis" e "sangrentos destruidores".
Georgi Friederici, em texto citado anteriormente no fascículo I desta coleção, descreve com realismo como foi feita a conquista de Ceuta pelos portugueses.
Os conquistadores não respeitavam nada, interessados apenas em conseguir ouro e, na falta desse metal, qualquer mercadoria que desse lucro... Tudo dentro da filosofia mercantilista.
Os europeus se julgavam detentores da "civilização" nas terras incultas da América, agiram como se fossem verdadeiros bárbaros...
No caso específico do Rio Grande, porém, ocorreram determinadas circunstâncias, que merecerem algumas observações.
Em primeiro lugar, os flamengos resolveram eliminar duas coisas ao mesmo tempo: os portugueses e a religião católica. O morticínio de Cunhaú, por exemplo, foi realizado dentro de uma capela, durante uma missa, justamente na hora em que o celebrante erguia a hóstia, numa demonstração clara de desmoralização da religião das vítimas.
Em Uruaçu não havia um templo católico. Existe, entretanto, a presença de um pastor que pretendia os católicos para a sua doutrina. A recusa firme dos colonos em mudar de crença, provocou nos holandeses um ódio insano, inclusive do pastor que, de maneira incompreensível, participou do processo de tortura. Fizeram coisas terríveis com o vigário Ambrósio Francisco Ferro, quando ele ainda estava vivo. Somente um ódio muito grande justificaria tal atitude. Provocado pelo fanatismo religioso.
Outro aspecto, que não é possível esquecer: os holandeses só iniciavam o massacre quando estavam certos de que as vítimas não tinham a menor chance de reagir. Apareciam com promessas de paz para, desarmadas as vítimas, praticarem a violência.
Não foi igualmente uma luta de um povo dominado contra seu opressor. Não a iniciativa partiu do dominador para eliminar o povo subjugado. Os janduís receberam ordem para matar. Agiram como soldados. Dentro de um contexto onde a violência fazia parte do existir. Os batavos, sem dúvida, contrariaram os seus princípios, ou seja, "não matar", que dizer, massacrar! E até a maneira de viver de pessoas CIVILIZADAS ...
A Igreja Católica do Rio Grande do Norte iniciou, recentemente, um processo para a canonizar os mártires de Cunhaú e Uruaçu.
A questão deve ser colocada da seguinte maneira: as vítimas foram sacrificadas porque não renunciaram à sua fé ou, na realidade, porque defenderam a causa lusitana? Eliminar o português teria sido um problema político. Acontece que matar mulheres e crianças inocentes, sem nenhum envolvimento político, não é justificável, a não ser pelo ódio do grupo dominador ao catolicismo.
Estava tudo preparado. Os tapuias só entrariam em cena caso os colonos não aceitassem passar para o lado flamengo e renegassem a fé dos dominadores. Foi, ao mesmo tempo, uma demonstração de patriotismo e, sobretudo, de fé. Quando tomaram consciência de que seriam mortos, pronunciaram frases como, por exemplo, "LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO".
Não se pode, também, colocar Jacob Rabbi como o único responsável. Após o morticínio de Cunhaú, ele deveria ter sido afastado de suas funções. Não foi, entretanto, demitido, por uma razão muito simples: os holandeses precisavam de Rabbi e da presença dos janduís para, pelo terror, assegurar o domínio do Rio Grande. Os holandeses optaram, portanto, pela violência. Antes dos massacres, vieram ordens de Recife. A conclusão é clara: o governo holandês, localizado no Recife, é o responsável pelos massacres na Capitania do Rio Grande!
O Fim de Jacob Rabbi e do Morticínio
Existe uma unanimidade entre os historiadores sobre o caráter violento e desnecessário dos massacres promovidos pelos batavos, e seus aliados janduís, na Capitania do Rio Grande.
A execução dessas matanças foram comandadas, como já foi demonstrado, pelo judeu-alemão Jacob Rabbi, que veio para o Brasil com o conde João Maurício de Nassau, em 1637, originário de Waldeck.
Para Câmara Cascudo, ele era violento e astuto, cruel e sem escrúpulo, saqueador e mandante de assassinatos, é a figura mais sinistra e repelente do domínio holandês no Nordeste brasileiro, denegrida e acusada por todos os historiadores do seu tempo".
Olavo de Medeiros Filho completa o perfil de Jacob Rabbi, afirmando que o judeu-alemão possuía "certa cultura, poliglota (pelo menos falava os idiomas alemão, holandês, português, tupi e taraiui). De sua pena deixou uma crônica famosa, ou relação de viagem contendo preciosas informações sobre a geografia da capitania, bem como sobre a etnografia dos tapuias".
Câmara Cascudo chama a atenção para outro aspecto: "todos os assaltos, saques, tropelias, morticínios dos janduís rendiam gado, roupa, jóias, ao amigo Rabbi". Como resultado, o judeu conseguiu acumular uma pequena fortuna.
Jacob Rabbi permaneceu durante quatro anos vivendo entre os selvagens. Com o passar do tempo, crescia a afinidade entre o europeu e os tapuias, Rabbi foi assimilando os costumes nativos. Passava por um processo de indianização. De fato, na interpretação de Câmara Cascudo, "o sórdido e desconfiado europeu inteligente e branco, que era por dentro um cariri autêntico, desde o temperamento aos costumes diários".
Rabbi vivia com uma nativa, de nome Domingas, num sítio de sua propriedade, chamado "Ceará". Segundo Olavo de Medeiros Filho, "o sítio corresponde atualmente à localização denominada Araça, ribeira do Ceará-Mirim entre Massagana e Estivas, e mesmo ao norte da cidade de Extremoz".
No massacre de Uruaçu, foi morto João Lostau Navarro, sogro de Gardtzman que, revoltado, decidiu se vingar, afirmando "que o mundo nada perderia se desembaraçassem de semelhante canalha". Chegou, inclusive, a entrar em contato com dois homens para que matassem Jacob Rabbi. Primeiro foi com Wilhelm Jansen, que colocou uma série de dificuldades. A outra pessoa foi Roeloff Baron, que concordou em realizar a sinistra missão, caso recebesse ordens do Alto Conselho Secreto. Nesses contatos, portanto, Gardtzman não conseguiu efetivar seu intento. Mas não desistiu de eliminar Rabbi.
Mais adiante, convidou o seu desafeto para uma reunião, com a finalidade de promover um entendimento e esquecer as mágoas passadas. O judeu-alemão aceitou, finalmente, participar de uma ceia que aconteceria na casa de Dirk Mulden Van Mel, a qual, segundo Câmara Cascudo, estava localizada nas proximidades de Refoles. Olavo Medeiros afirma que a casa de Muller "fica à margem direita do então chamado riacho Guajaí (água dos caranguejos), entre os distritos de Igapó e Santo Antônio do Potengi. Dista cerca de 10,5 km da matriz".
Ainda participaram desse encontro outros militares: Wilhelm Becke, Roulox Baro, Jacob de Bolan, Denys Baltesen, Johannes Hoeck, Wilhelm Tenberghe etc.
Após a realização da conferência ente os dois desafetos, Gardtzman saiu primeiro. Pouco depois é que Rabbi saiu. E não demorou muito tempo para que se ouvissem dois disparos de fuzil. Caía, mortalmente ferido, Jacob Rabbi. A vítima recebeu, além dos tiros, golpes de sabre que deformaram partes do cadáver.
Ficou provado, mais, uma vez, que a violência provoca violência, Jacob Rabbi, que praticou assaltos e crimes, sendo um dos responsáveis, pelos massacres de Cunhaú e Uruaçu, morreu como conseqüência do ódio, tendo seu corpo deformado por golpes de sabre. Olavo Medeiros descreve a situação em que o corpo foi encontrado: "Um dos tiros penetra-lhe do lado esquerdo do corpo, fazendo-lhe um ferimento muito profundo, em que Muller pudera introduzir até o fim dos seus dedos. A outra bala varara-lhe o lado direito das costelas falsas. Seis golpes de armas branca haviam-lhe deformado o rosto, a cabeça e o braço direito. Um dos olhos do cadáver estava aberto; as suas algibeiras achavam-se voltadas e esvaziadas. Faltava-lhe um anel de ouro, que ainda trazia no dedo quando se retirara da casa de Muller".
O crime ocorreu na noite de 4 de abril de 1646.
Jacob Rabbi foi sepultado no lugar onde morreu. Gardtzman, ao ser informado do crime, cinicamente disse:
- "Antes ele do que eu".
Apesar de ter negado se o mandante do crime, ficou provado que houve um acordo entre Gardtzman e Bolan para matar e depois roubar os bens de Jacob Rabbi.
Domingas foi despojada, totalmente, dos bens de seu companheiro.
Os janduís, decepcionados, voltaram para o sertão. Não houve mais morticínio na Capitania do Rio Grande.
O Brasão Holandês do Rio Grande
O conde Maurício de Nassau, e, 1639, deu a cada capitania o seu brasão. O do Rio Grande foi descrito por Barléu desta maneira: "A província Rio Grande tinha por armas um rio, em cujas margens pisava ave. Havia, ainda, uma estrela de prata, na parte superior e o mote: velociter".
Para alguns autores, a ema foi escolhida para ilustrar o brasão, porque essa ave existia em grande número na referida região. Câmara Cascudo, contudo, discorda e afirma: "a ema nunca foi em tempo algum característica da fauna norte-rio-grandenses e especialmente no domínio holandês ". Mais um argumento apresentado por Câmara Cascudo" "caso Nassau desejasse colocar algo característico da capitania, teria, naturalmente, escolhido o gado, uma das razões para a conquista da região". E aponta outro motivo para a escolha da ema: uma homenagem de Nassau a um grande chefe cariri, Janduí, amigo dos holandeses, desenvolvendo uma argumentação convincente: "Janduí é o chefe das tropas fiéis, prontas, irresistíveis (...) Janduí é nome tupi, corrução de NHANDU, uma pequena e por autonomia, o corredor, o que corre muito. Daí o lema, VELOCITER", num estudo publicado na regista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Câmara Cascudo chegou a dizer o seguinte: "sem Janduí a companhia não sustinha o Rio Grande duas semanas. Natural, portanto, que Nassau prestasse uma homenagem ao fiel amigo. E, ainda, os janduís eram notáveis pela rapidez com que se deslocavam. Justificando, assim, o mote "VELOCITER". Razão, portanto, tem Câmara Cascudo quando concluiu que "Janduí é a ema do brasão holandês no Rio Grande do Norte".
O Governo Holandês no RN
As se apossarem do Rio Grande, os holandeses mudaram o nome da fortaleza para Castelo Ceulen. Natal passou a se chamar Amsterdã (ou Nova Amsterdã). Logo após a conquista, Joris Gardtzman assumiu o governo sozinho.
Em 1637 foram criadas as Câmaras dos Escabinos, presididas pelo esculteto, cargo que correspondia ao de prefeito, na atualidade. Havia ainda os curadores autonomia.
O Rio Grande não possuía autonomia administrativa, "dependia da justificação da Paraíba onde residia um diretor".
Durante o domínio holandês, nada foi feito que dignificasse um governo. Havia somente duas preocupações: dominar e explorar economicamente a região. Isso significa dizer eliminar qualquer resistência, que política, quer religiosa, para assegurar a exploração econômica. Subjugar pelas armas para garantir o fornecimento de carne bovina e de farinha. Nesse aspecto, a administração batava, no Rio Grande, obteve êxito, garantindo o alimento necessário para que os invasores pudessem ser mantidos em Recife. Caso contrário, eles teriam duas opções: abandonar Pernambuco ou morrer de fome...
Como mostra Tarcísio Medeiros, "a mestiçagem continuou no período holandês: a dos bugres com portugueses ou holandeses, que produzia, no dizer de um cronista flamengo "belos tipos de mulheres e homens. Do contato de mulheres brasileiras, tanto com portugueses como com neerlandeses, nascem muitos bastardos, entre os quais não raro se encontram formosos e delicados tipos quer de homens, quer de mulheres". Tarcísio Medeiros transcreveu essa última parte do texto do livro de "História do Brasil", vol. 2. De Ernani Silva Bruno. E cita o testemunho de Gilberto Freyre: "Seriam tais louros, em alguns casos, restos de normandos ou de flamengos do século XVI".
Em 1654 termina, para a felicidade dos que ainda restavam da população, o domínio holandês no Rio Grande. Quando o capitão Francisco de Figueirora, comandando 850 soldados,. Vinha reassumir o governo da capitania, o Rio Grande era apenas abandono e ruínas, inclusive a capital que praticamente foi destruída.
O Potiguar Antonio Felipe Camarão
Existe uma controvérsia na historiografia norte-rio-grandense a respeito de um chefe nativo, dos potiguares, chamado Poti (Potiguaçu), que ao receber o batismo, passou a se chamar Antônio Felipe Camarão.
Para alguns historiadores, em lugar de um tuixaua, teriam existido dois com o mesmo nome Poti, sendo que o primeiro participou das negociações de paz entre portugueses e potiguares na Capitania do Rio Grande. E o outro, filho dele, se destacou com brilhantismo durante a guerra contra os holandeses.
Olavo de Medeiros Filho, no seu mais recente livro "Aconteceu na Capitania do Rio Grande", divulgou parte de uma carta escrita por Felipe Camarão, que diz o seguinte: "mi Padre fue ator de loss pazes tan desseadas que mi nacion, y gente hizieron com los portugueses".
Antonio Felipe Camarão, ao dizer que seu pai foi o autor das pazes, comprovou a existência de dois chefes potiguares, com o mesmo nome, seu pai e ele.
Segundo o grupo de pesquisadores, o pai seria norte-rio-grandense e o filho teria nascido em terras pernambucanas.
Essa tese, entretanto, não apresenta uma sólida argumentação. A grande prova, apresentada pelos defensores dessa teoria, é, a existência, na Torre do Tombo, em Lisboa, de um depoimento prestado por Antonio Felipe Camarão, num processo instaurado pela Inquisição de Lisboa contra o padre Manuel de Moraes, quando o chefe potiguar afirmou que morava na aldeia de Meratibi.
O historiador pernambucano Mário Mello colocou a aldeia de Meraribi (Miritiba) nas terras de sua família.
Ingenuidade ou simples coincidência?
Pedro Moura constata, através "de uma carta de doação e sesmaria, passada por Ordem do Capitão do Rio Grande na Cidade de Natal, em 28 de fevereiro de 1706, SEBASTIÃO NUNES COLLARES, mais de três léguas de terra de rio abaixo anexados com s que os religiosos Carmelitas já tinham obtido anteriormente. Esta fazenda do Carmo está situada à margem da estrada real que vai da cidade de Assu à cidade de Mossoró, na ribeira do Panema, cujo rio corre e deságua em território exclusivamente rio-grandense do Norte, com o mesmo leito que tinha, quando nasceu, viveu e morreu Potyguaçu.
Após transcrever esse texto, Pedro Moura fez o seguinte comentário: "Foi nessa ribeira do Panema, no seu afluente Meiritupe, que se encontrava a aldeia Meretipe ou Meretibe, aonde residia DOM ANTÔNIO FELIPE CAMARÃO, como diz ele no seu depoimento, no processo do padre MANOEL DE MORAES e foi desse SERTÃO DONDE DESCEU, trazendo consigo todos os índios que lhe eram sujeitos, como todas as suas mulheres e filhos, como diz Calado. Meretibe ou Merebiti, aldeia de potiguares, jamais pertenceu à Capitania de Pernambuco e sim à do Rio Grande. Estava ao lado do rio do mesmo nome, descoberto por GEDEÃO MORRIS, com mais outro dois rios, oo lwypanim e Wararacury, quando lá esteve em 1641".

DOS BÁRBAROS A 1917
O Governador dos Índios
Tradição de Bravura Vai de Pai Para Filho
A simples existência de uma aldeia com o nome de Meratibi, em Pernambuco, não significa que essa aldeia tenha sido a povoação à qual dom Antônio Felipe Camarão se referiu em seu testemunho. E mesmo que o historiador pernambucano estivesse certo, a palavra que se encontras no documento citado é "residia" e, claro, existe uma diferença entre "residir" e "nascer". Esse documento, portanto, não prova que o chefe potiguar tenha efetivamente nascido em Pernambuco...

Meratibi é o nome de uma aldeia pernambucana com grafia semelhante à de outra aldeia potiguar chamada de Merebiti ou Meretibi. O escritor Mário Mello aproveitou essa semelhança para forjar a sua teoria de que Felipe Camarão teria nascido em Pernambuco.
Outro aspecto que se deve destacar: Luís da Câmara Cascudo provou que existe no Rio Grande do Norte uma tradição popular sobre dom Antônio Felipe Camarão entre pessoas iletradas, no interior e na época em que ele realizou a pesquisa, na década de trinta. As mulheres que foram consultadas desconheciam totalmente a controvérsia sobre Felipe Camarão. Disse Câmara Cascudo: "Essa tradição popular da naturalidade de Camarão é um ponto de referência de singular força argumentadora. Nenhum outro Estado disputante de seu berço pode empregar as mesmas armas. Essa tradição oral só existe no Rio Grande do Norte, onde dom Antônio Felipe Camarão é tido como conterrâneo".
Caso Felipe Camarão tenha morado realmente na Mirituba pernambucana - Pedro Moura provou que não -, ele já havia nascido e se encontrava na idade adulta, dirigindo o seu povo. Foi assim que ele deixou o Rio Grande para lutar contra os holandeses em Pernambuco.
Falta ainda comentar outro argumento a favor da tese pernambucana. Em uma carta, Henrique Dias disse o seguinte: "Meus senhores Olandeses, meu Camarada o Camarão não está aqui, porém eu respondo por ambos. Vossas Mercês, saibam que Pernambuco é sua pátria e minha, e que já não podemos sofrer tanta ausência d'ella! Aqui havemos de deitar vossas mercês fora d'ella".
A questão é fácil de explicar. Com a palavra, novamente, Pedro Moura: "De fato, Camarão nasceu nesta província, isto é, na circunscrição naquele tempo criada por D. Diogo de Menezes, Capitania do Rio Grande do Estado do Brasil", sujeita a um só governo geral, como parte integrante de uma província militar - Pernambuco".
"Da mesma maneira frei Calado chamou "índios brasileiros, índios da terra, índios pernambucanos", os nossos índios, indistintamente, nascido na província limitar de Pernambuco, fossem eles tabajaras, fossem potyguares, fossem cahetés".
Em síntese, a "pátria pernambucana" não significava apenas Pernambuco, porém uma área bem mais ampla que incluía inclusive o Rio Grande. E Antônio Felipe Camarão, ao dizer que lutava pela pátria pernambucana, estaria também se referindo ao seu pequeno Rio Grande.
Henrique Dias, ao dizer "pátria", não estava se referindo exclusivamente à Capitania de Pernambuco, porque ele não pretendia expulsar os holandeses apenas de uma capitania, mas de todo o Nordeste.
A conclusão que se extraia de tudo o que foi dito é o seguinte: existiram realmente dois chefes potiguares, pai e filho, que possuíam o mesmo nome - Poti. O filho foi quem partiu do Rio Grande para lutar contra os holandeses, em Pernambuco. O que não se comprova é que ambos nasceram no Rio Grande do Norte.
As controvérsias não terminam aqui. Antes se imaginava que havia só um Poti. Agora, provado que existiam dois, não fica fácil esclarecer os fatos em que ambos se envolveram. Quem fez tal empreendimento, foi o pai ou o filho? É preciso realizar, urgentemente, uma investigação séria sobre o problema.
Dom Antônio Felipe Camarão nasceu, provavelmente, na Aldeia Velha, no ano de 1580.
Com relação ao seu batismo, Nestor Lima aponta para o dia 13 de junho de 1612 e parece estar certo. Naquele dia, ao se tornar cristão, o potiguar tomou o nome de Antônio Felipe Camarão. O primeiro nome teria sido uma homenagem ao santo do dia, Santo Antônio. O segundo nome seria uma homenagem a Felipe IV, rei da Espanha. E, finalmente, Camarão, que é tradução portuguesa do seu nome primitivo em tupi: Poti.
No dia seguinte ao do seu batizado, Felipe cassou com uma de suas mulheres que, na pia batismal, recebeu o nome de Clara. As solenidades do batizado e do casamento foram realizadas em grande estilo na Capela de São Miguel de Guajerú.
Antonio Soares, no "Dicionário Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte", transcreve a opinião de D. Domingas do Loreto: "Na guerra da restauração de Pernambuco, ostentou D. Clara, mulher do governador dos índios. D. Antônio Felipe Camarão, o seu insigne valor com os mais ilustres realces: porque, armada de espada e broquel, e montada em um cavalo, foi vista nos conflitos mais arriscados ao lado do seu marido, com admiração do holandez e aplauso dos nossos".
D. Antônio Felipe Camarão, além de grande guerreiro, foi igualmente hábil estrategista. Sua maior vitória foi contra o general Arcizewski, que sentiu humilhado ao perder para um chefe nativo. São suas as seguintes palavras, transcritas por Antônio Soares, no "Dicionário Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte" : "Há mais de quarenta anos - disse o general - que não milito na Polônia, Alemanha e Flandres, ocupando sem interrupção postos honrosos, mas só o índio brasileiro Camarão veio abater-me o orgulho".
O valente chefe potiguar, pelo seu desempenho contra os inimigos, recebeu diversas honrarias: o título de "Dom", dado por Felipe IV; Brasão de Armas; "Capitão Mor e Governador de Todos os índios do Brasil", e as comendas "Cavaleiro da Ordem de Cristo" e dos "Moinhos de Saure".
Dom Antonio Felipe Camarão morreu, segundo alguns autores, a 24 de agosto de 1648, sendo sepultado na Várzea, em Pernambuco.
A Guerra dos Bárbaros
Um Prenúncio de Forte Tempestade
Após a expulsão dos holandeses, a Capitania do Rio Grande apresentava o seguinte quadro, descrito por Câmara Cascudo: "a Capitania ficou devastada. A população quase desapareceu. Plantios, gado, destruídos. Os flamengos tinham incendiado as casas principais, queimando livros de registro".
Antônio Vaz Gondim assimiu o governo, tomando medidas para reorganizar a capitania, partindo praticamente do nada. Reconstruindo edifícios )Fortaleza e Matriz), organizando a defesa da cidade, mas, sobretudo, iniciando uma política de povoamento. Lançou os fundamentos de uma infra-estrutura para que fosse possível efetivamente governar a capitania.
Nuvens negras, contudo, começavam a se acumular no horizonte, num prenúncio de tempestade...
Os colonos que viviam no interior, sem recursos para a aquisição de escravos africanos, capturavam nativos. Mais do que isso, os sesmeiros provocavam os naturais da terra para que eles lutassem contra os seus vizinhos, ou, então contra os brancos, que assim promoveriam a chamada "guerra justa", obtendo maior número de escravos. As vítimas tinham duas opções: submeter-se, sofrendo todo o tipo de humilhação, ou recebelar-se.
A situação se agravou porque, como disse Tavares de Lyra, os holandeses voltaram ao Nordeste com um único objetivo: levantar os silvícolas do Rio Grande do Norte contra os portugueses. Os holandeses que se casaram com as viúvas lusitanas pleiteavam os bens de suas esposas ...
Tavares de Lyra chama a atenção para o fato e acrescenta: "dada a situação esta consulta faz entrever, é provável que mais tarde, quando ainda se arrastavam na Europa as negociações para ajustes internacionais, os ex-dominadores mantivessem insidiosamente as ferramentas de agitação na colônia, para deles tirar partido, assim como que incitassem a virem para o Brasil fazer causa comum com os revoltados".
Os portugueses cobiçavam as terras dos silvícolas, procurando se apossar delas, através do extermínio ou empurrando os nativos para o interior. Irritando, dessa maneira, os tapuias e os potiguares.
Tarcísio Medeiros é mais taxativo: "Essa forma de expansão sem respeito aos bens dos índios, que ainda eram preados para o eito escravo, concorreu para os primeiros atritos, o correr de sangue de uma guerra que, por espaço de cinqüenta anos, chamada "Guerra dos Bárbaros", o Rio Grande, mal nascido, só conheceu violências, extorsões, vilipêndio e rapinagem".
Ambição dos Colonos Revolta os Índios
Não foi uma guerra comum.
Os nativos, diante das constantes provocações dos colonos, revoltaram-se. As tribos às vezes se aliavam e, em outras oportunidades, lutavam sozinhas. Não houve, entretanto, nenhuma confederação. Muito menos um comando único, ao qual todos obedecessem. Tratava-se muito mais der uma reação contra as perseguições dos brancos que, inclusive, tinham interesse em manter acesso o fogo da revolta: com a manutenção do conflito, aos poucos, os naturais da terra seriam exterminados.
Em 1685, os janduís já demonstravam descontentamento. Em 1687, a situação se agravou, sendo descrita por Câmara Cascudo da seguinte maneira: "Os indígenas corriam incendiando, matando o gado e os vaqueiros e plantadores do sertão (...). Mais de cem homens mortos".
O capitão-mor Pascoal Gonçalves de Carvalho, desesperado, pediu ajuda aos seus colegas de Pernambuco e Paraíba, além do Senado da Câmara de Olinda.
A situação era crítica de fato. Os silvícolas avançavam rumo à capital. Atingiram Ceará-Mirim, próximo de Natal. Para se defenderem, os colonos construíram casas-fortes e paliçadas.
Alguns reforços foram enviados para a capitania, como o terço dos paulistas e, posteriormente, Domingos Jorge Velho. Não conseguiram terminar a guerra, apesar de seus esforços. É que a solução para o conflito dependia muito mais de visão administrativa, habilidades e espírito de justiça do que força e armas. O que mantinha a guerra era, sem dúvida, a ambição e a crueldade de determinados colonos que almejavam a todo preço as terras que pertenciam aos nativos... Mesmo que, para isso, fosse preciso exterminar os verdadeiros donos das terras! Mas os portugueses e seus descendentes necessitavam da proteção dos soldados para atingir tais objetivos... Acontece que, por falta de recursos, os soldados não estavam sendo pagos. Passando fome, desertavam. E mais, como disse Cascudo, as tropas "estavam obstruídas pela displicência, indiferença, descaso, ignorância, os pecados dos desinteresse que a distância multiplica".
A guerra, portanto, continuava variando de intensidade. E continuaria sempre, caso não fosse enviado para o Rio Grande do Norte um líder que desejasse acabar com o conflito, lutando contra os interesses dos oportunistas e dos aventureiros, devendo se impor pela energia e, sobretudo, por seu espírito de justiça!
Fim do Conflito e Paz com os Nativos
Em 1695, Bernardo Vieira de Melo assumiu o governo da capitania. Veio com objetivo de pacificar os nativos. Todo o seu trabalho foi desenvolvido nesse sentido. Fundou o Arraial de Nossa Senhora dos Prazeres, em 24 de abril de 1696. Permaneceu dois meses na região, tomando todas as medidas que fossem necessárias para manter a paz entre os colonos e os nativos. Enfrentou mil e uma dificuldade. Que deveriam ser mantidos pela população local. Sobre a sua atuação, disse Tarcísio Medeiros: "Bernardo Vieira de Melo, com atitudes firmes e demonstrações de suas forças, somente usou desses recursos para fazer-se respeitar e, ao mesmo, atrair e agradar os silvícolas, criando, desta forma, um clima de confiança que permitiu o diálogo entre as partes e o ajuste de condições capazes de satisfazer a todos".
Diante de sua atuação, o Senado da Câmara de Natal pediu a prorrogação do mandato de Bernardo Vieira de Melo. A solicitação foi aceita. O capitão-mor, contudo, além de enfrentar uma série de vicissitudes, sofreu alguns aborrecimentos com a rebeldia e os desmandos de Moraes Navarro que, finalmente, foi forçado a entregar os nativos que estavam presos, sob pena de ser excomungado pelo bispo D. Frei Francisco de Lima. Navarro teve que se retirar da região, vencendo a causa o capitão-mor do Rio Grande.
Bernardo Vieira de Melo conseguiu mais duas conquistas: que fosse dada "a cada Missão uma légua de terra em quadrado, medida e demarcada", e que a Capitania do Rio Grande passasse da jurisdição da Bahia para Pernambuco, fato que ocorreu em 11 de janeiro de 1701.
E foi graças ao seu esforço, energia e persistência que Vieira de Melo conseguiu pacificar os nativos.
Feitos e Sonhos de Vieira de Melo
Nasceu em Muriboca (hoje Jaboatão), no Estado de Pernambuco, sendo filho de Bernardo Vieira de Melo. Em primeira núpcias, casou-se com D. Maria de Barros, com a qual não teve filhos. Casou-se, pela segunda vez, com D. Catarina Leitão, tendo quatro filhos.
Antonio Soares considera Bernardo Vieira de Melo um homem "enérgico, justiceiro, operoso, patriota". Como Bernardo Vieira de Melo se envolveu em acontecimentos trágicos, contrariando interesses e, ainda, defendeu idéias perigosas, como a proclamação de uma república para o Brasil, foi duramente criticado, sendo preso e morrendo na prisão.
O que não se pode negar é que foi um grande soldado.
Exerceu as seguintes funções, antes de governar a Capitania do Rio Grande: Capitão do Rio Grande: Capitão de Infantaria das Ordenanças, Capitão de Cavalos e Tenente-Coronel. Distinguiu-se na luta contra o Quilombo de Palmares.
Foi também um bom administrador. Ocupou os cargos de capitão-mor do Rio Grande, quando pacificou a região que vivia num clima de permanente hostilidade entre os nativos e os colonos portugueses. Homem inteligente, compreendeu logo que os silvícolas se rebelavam porque eram provocados pelos brancos. E adotou como lema, conforme relata Tarcísio Medeiros, "não combater o nativo de forma desumana". Coerente com esse princípio, não promoveu nenhuma guerra contra o gentio. Evitou, com energia, que os nativos fossem provocados, porque a ameaça era realmente a ambição dos portugueses que desejavam as terras dos selvagens... Agiu, portanto, sem derramar sangue.
A luta era, porém, árdua e difícil. Cansado, pediu substituto no dia 5 de junho de 1700.
Bernardo Vieira de Melo foi um homem de princípios rígidos, que não permitia o menor deslize. Ao saber que seu filho, segundo informações maldosas, estava sendo traído pela esposa, agiu rápido e precipitadamente. Mandou matar o possível amante de D. Ana Tereza, capitão-mor e morgado de cabo, João Paes Barreto. Pouco depois, D. Ana Tereza foi assassinada...
Vieira de Melo também ousou sonhar com uma república independente de Portugal, como esclarece Tarcísio Medeiros: "Líder da corrente emancipacionista que no Senado da Câmara de Olinda propões a instituição de uma república à moda de Veneza, livre da tutela portuguesa". Possuindo tais idéias, foi acusado, justamente com seu filho André, do crime de inconfidente e de lesa-majestade. Não suportando a perseguição, os dois, pai e filho, se apresentaram às autoridades. Foram levados para Lisboa, ficando na prisão de Limoeiro, onde vieram a falecer. O fim trágico desses dois homens foi narrado, por Tarcísio Medeiros, da seguinte maneira: "Bernardo, numa noite muito fria, acendera no quarto um fogareiro de carvão e pela manhã foi encontrado morto, sufocado pelas emanações de gás carbônico. Quanto ao filho André, morria logo depois de um ataque cardíaco, quando se entretinha a jogar com outros presos".
Administração e Economia
O Poder Executivo na Fase Colonial
O poder Executivo era exercido pelo capitão-mor (de 1598 até 1821), com exceção de período sob a dominação holandesa. Como disse Tarcísio Medeiros, "a sua ação exercia-se mais imediatamente na manutenção da ordem pública, na inspeção das tropas e fortalezas, na proteção devida às autoridades outras da capitania, às quais podiam representar, ficando todos os seus atos sujeitos à devassa, quando deixassem o governo".
Era nomeado através de um documento chamado Carta-Patente, menos o primeiro, João Rodrigues Colaço, designado inicialmente pelo governador geral do Brasil e confirmado no cargo posteriormente por um Alvará Régio.
O cargo recebeu várias denominações "Capitão-Mor do Rio Grande (até 1739), "Capitão-Mor co Rio Grande do Norte", para diferenciar de outra capitania, na região meridional do Brasil, Rio Grande do Sul, cuja colonização foi consolidada pelo Tratado de Madri. Em 1797, mais um nome "Governador e Capitão-Mor do Rio Grande do Norte" e, finalmente, de 1811 até o último, em 1816, nova mudança para Governador do Rio Grande do Norte.
Além do Executivo, havia o Provedor da Fazenda que recebia os impostos.
A administração municipal estava entregue ao Senado da Câmara, funcionando no consistório da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação. Presidida por um juiz ordinário. Durante o império, foi transformado em Câmara Municipal (25/03/1824).
Até 1770, seis de seus membros substituíam o capitão-mor, por sua morte ou qualquer outro impedimento.
A partir daquela data, o capitão-mor passou a ser substituído por uma junta, formada pelos seguintes membros; vereador mais velho, comandante da fortaleza e o juiz ouvidor.
A capitania tinha apenas um município: Natal. Depois, surgiram São José do Mipibu, Arês, Vila Flor, Vila do Príncipe, Vila Nova e Vila do Regente.
Estrutura do Poder Judiciário
A autoridade máxima da comarca era o ouvidor. Primeiro, nomeado pelos donatários das capitanias, e depois, pelo próprio rei.
Ivoncísio Meira de Medeiros, entretanto, esclarece o seguinte: nunca tivemos, nessa fase, um Ouvidor ou um Juiz de fora. Quando se pensou na nomeação de um Juiz de fora para esta capitania, o Senado da Câmara fez ver ao Conselho Ultramarino, em Lisboa, a inconveniência dessa Nomeação". (...)
"Uma organização judiciária autônoma somente conquistamos em 18 de março de 1818, quando, por força de alvará de D. João VI, passamos a constituir uma comarca, com sede em Natal e independente da Paraíba".
Além dessas duas autoridades citadas, havia outras, que eram as seguintes: juiz ordinário, almotacé (ou almotacel, inspetor encarregado da aplicação exata dos pesos e medidas e da taxação dos gêneros alimentícios), juiz da vintena e, ainda, alcaides, escrivãs dos almotacés etc.
O Pelourinho e Seus Significados
Falando sobre o Pelourinho, disse Câmara Cascudo: "Símbolo de sua autonomia e jurisdição municipal, atesta a presença da justiça permanente e os direitos da população governar-se por intermédio de seus eleitos".
E mais adiante acrescenta o seguinte "O Pelourinho é a imagem originária da Independência Municipalista, a liberdade administrativa dos conselhos, a soberania democrática expressa na letra dos forais". Pelourinho é lembrado, por alguns, como o lugar onde os criminosos eram punidos publicamente, sobretudo, os escravos. Era, dessa maneira, a deformação do significado do Pelourinho. Câmara Cascudo explica o porquê dessa mudança: "Depois é que com a predominância dos reis, usurpando pela força as liberdades do município, o Pelourinho, encimado pela coroa Real, dizia ser uma testemunha da onipotência arbitrária do monarca".
O Pelourinho da cidade ficava na atual praça André de Albuquerque, em frente ao Senado da Câmara e cadeia, informa Câmara Cascudo.
Não se sabe a data no qual o Pelourinho foi erigido. Em 1695 já se colocava editais ou bandos no Pelourinho, costume que se tornou tradição até, possivelmente, em 1806.
Nas comemorações da Independência do Brasil, o Pelourinho foi derrubado porque, na opinião dos manifestantes, certamente representava o símbolo da opressão imperial.
Atualmente, depois de mudar de lugar algumas vezes, o Pelourinho se encontra na sede do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Ciclos Econômicos e Períodos de Seca
O primeiro ciclo econômico do Rio Grande do Norte, foi, como ocorreu com o Brasil de forma geral, o do "pau-brasil". Além dos portugueses, outros europeus se beneficiaram da extração dessa madeira cobiçada. Principalmente os franceses, que entraram em contato com os nativos e, contando com a amizade dos potiguares, exploraram e contrabandearam o pau-brasil para a Europa.
Expulso o francês, o desenvolvimento se arrastava de maneira muito lenta. Predominou, no início da colonização portuguesa, o interesse militar: a defesa da região e a expansão rumo ao Norte.
Em 1615, havia apenas o engenho de Cunhaú funcionando. A capitania apresentava uma situação melhor em 1630: "iniciava-se a produção açucareira e o ciclo do gado progredia:, ressaltou Câmara Cascudo. Começava o povoamento do sertão, seguindo-se a expansão da criação de gado rumo aos vales do Açu e Apodi e, igualmente, à região do Seridó, Istvam Lázio A'rbocz analisa esse processo: "o ciclo do gado promoveu o desenvolvimento e o povoamento, embora de maneira muito esparsa, de toda a Capitania do Rio Grande do Norte - condicionada pela própria atividade econômica básica (...) A atividade agrícola desenvolvia-se mediocremente à sombra dos "currais", voltada para o abastecimento das populações locais".
O ciclo do gado criou uma maneira de viver própria, ou seja, uma cultura especial caracteriza pelo "individualismo do seu participante", segundo Câmara Cascudo. Continua o mesmo autor: "Dá-lhe a noção imediata de independência, de improvisação, de autonomia, de livre arbítrio, de arrojo pessoal".
No século XVIII, a economia se baseava, principalmente, em duas fontes: a agricultura e a indústria pastoril. A cultura da mandioca chegou a produzir cerca de 56.400 alqueires de farinha. Por outro lado, a indústria pastoril cresceu bastante. Como lembra Tarcísio, "além de fornecer gado às feiras da Paraiba e Pernambuco, os criadores de Mossoró ou Açu nas oficinas" exploravam a indústria de carne seca.
Garibaldi Dantas, em um estudo realizado no início do século XX, trata da dependência da agricultura da "boa ou má distribuição do regime pluviométrico". Essa afirmação é perfeitamente válida para os séculos anteriores. Dois fatores, portanto, influenciavam a produção agrícola: a seca e os açudes. O primeiro fator, a seca, foi definido por Garibaldi Dantas da seguinte maneira: "As secas são fenômenos climatológicos caracterizados pela deficiência, a irregularidade ou má distribuição das precipitações pluviáticas".
A seca, ao contrário do que possa imaginar, "vêm de datas antiquíssimas na nossa cronologia histórica". A primeira que se tem notícia data de 1600, em pleno século XVII. A seca atinge, e muito, a pecuária, desorganização a criação de gado.
No século XVII foram registradas cerca de quatro secas (1600, 1614, 1691, 1692) e no período seguinte o fenômeno se repetiu em número bem maior, num total de vinte e uma: 1710, 1711, 1723, 1724, 1726, 1727 etc.
Segundo D. José Adelino Dantas, "foi nesse século que se verificou a mais longa e mais calamitosa de todas as secas do Nordeste, abrangendo cinco anos consecutivos, de 1723 a 1727, inclusive".
O gado bovino apresenta semelhança com a raça "Garaneza", provavelmente introduzida no Estado pelos franceses, e "Cacacú, possivelmente vinda do Ceará. O fato é que o gado se apresentava com uma grande fecundidade. Como comprova Garibaldi Dantas: "cinco anos após uma seca, o criador vê recompor-se rebanhos por ela destruídos".
Conjuntura da Época Gera Várias Rebeliões
A existência do "pacto colonial, que desde o descobrimento regulamentava as relações "colônia-metrópole, vai ser responsável por uma série de rebeliões no período compreendido entre 1680 e 1817. Estão incluídas as Revoluções de Beckmam (Maranhão/1684), Guerra dos Emboabas (região da descoberta do ouro/1709), Guerra dos Mascate (Permanbuco/1710), Revolta de Felipe dos Santos (Vila Rica/1720), Conjuração Mineira (Vila Rica 1789), Conjuração Baiana (Bahia/1798) e finalmente Revolução Pernambucana (Nordeste/1817).
Esses movimentos representaram no seu conjunto, apesar das particularidades locais de cada um deles, uma resposta à metrópole que, através do rígido sistema da exclusividade comercial, sufocava economicamente a colônia.
Para o Nordeste brasileiro, o mais significativo desses movimentos foi a rebelião de 1817 que, tendo se iniciado em Pernambuco, estendeu-se por quase toda região.
O Movimento em Pernambuco
Como as demais rebeliões da época, a de 1817 teve entre suas causas principais a rivalidade entre portugueses e brasileiros. Afirma-se que os brasileiros nunca alcançavam postos elevados nas milícias, que eram sempre comandadas por portugueses. Mas nesse contexto, o quadro econômico não pode ser esquecido. Secas constantes, queda no mercado internacional do preço do açúcar e do algodão levaram a uma recessão econômica de grande significado. Os abusivos impostos, cobrados pela metrópole para manter a corte portuguesa que ainda se encontrava no Brasil, completou o panorama do qual a revolução deflagraria.
Informado de que se tramava no Recife um movimento de caráter nativista, e também sobre o nome dos envolvidos na conspiração, o então governador, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ordenou a prisão de todos os comprometidos. A prisão dos civis foi efetuada quase sem reação. Porém, ao receber a ordem de prisão, o capitão José Barros Lima. "O Leão Coroado", reagiu ferindo mortalmente o enviado ao governo que tentava detê-lo.
Iniciou-se, assim, o movimento que tratou de organizar um governo provisório, no qual havia representantes de quase todos os segmentos da sociedade. Faziam parte do grupo; Domingos José Martins, o representante do comércio; José Luís Mendonça, pela magistratura; Domingos Teotônio Jorge, escolhido o comandante em armas pelos militares; o padre João Ribeiro, pelo clero; Manuel Correia de Araújo, pelos agricultores, e como secretário do interior foi nomeado o padre Miguelinho. Para conselheiros foram escolhidos o ouvidor (autoridade judiciária) Antônio Carlos Ribeiro de Andrada; o dicionarista Antonio de Morais Silva, e o comerciante Gervásio Pires Ferreira. Para autoridades eclesiástica, o deão Luís Ferreira.
Uma nova "Lei orgânica" foi adotada pelo governo, que vigoraria até a elaboração de uma Carta Constitucional. Dentre outras providências, a nova lei determinava:
forma republicana de governo;
liberdade de imprensa e religião;
manutenção do direito de propriedade e da escravidão.
A reação foi organizada por D. Marcos de Noronha e Brito, que contou com o apoio de comerciantes portugueses do Recife e de alguns rebeldes mais moderados que temiam o caráter socialista do movimento. Recife foi bloqueada e, em maio de 1817, já estavam presos os revoltados, depois de violenta repressão.
O fim do movimento não apagou definitivamente a chama revolucionária no Nordeste. Ela voltaria a aparecer em 1824, na "Confederação do Equador".
Adesão de André de Albuquerque Maranhão
A Capitania do Rio Grande do Norte, à época da revolução, era governada por José Inácio Borges que, ao ser informado do movimento pernambucano, preparou-se para resistir. Tratou de entrar em contato com o comandante de Divisão do Sul, André de Albuquerque Maranhão, que se encontrava em Goianinha. Chegaram a conferenciar por cerca de duas horas sobre a segurança da capitania frente aos acontecimentos de Pernambuco. No retorno a Natal, o governador pernoitou no Engenho Belém, próximo à atual cidade de Nísia Floresta. Ao amanhecer, José Inácio Borges viu que o engenho estava cercado pelas tropas sob o comando do próprio André de Albuquerque, que aderira ao movimento. Preso, o agora ex-governador José Inácio Borges foi enviado a Recife.
André de Albuquerque Maranhão entra solenemente em Natal com sua tropa no dia 28 de março, dando início ao governo revolucionário, cuja sede seria o Edifício das Provedorias da Fazenda ou Real Erário, onde atualmente funciona o memorial Câmara Cascudo.
Da junta governamental faziam parte Antônio Germano Cavalcanti de Albuquerque , capitão de infantaria; coronel de milícias Antonio da Rocha Bezerra e o padre Feliciano José Dornelas, vigário de freguesia.

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