Crime militar em tempo de paz – O art. 9º do CPM
Conforme dito acima, é o art. 9º e 10 que vem dar o conceito legal de crime militar. Portanto, vamos tratar especificamente do primeiro artigo, o mais importante para seu entendimento e para qualquer prova.
Dispõe o art. 9º que “consideram-se crimes militares, em tempo de paz”:
I – os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
O que a legislação nos traz aqui é que, salvo disposição diversa, será considerado crime militar todos os crimes definidos no CPM que sejam tratados de modo diverso pela legislação comum (mesmo nome, mas com elementos diversos, como o crime de incêndio – art. 268 do CPM e art. 250 do CP comum) ou, ainda, quando nela não previstos, a exemplo do crime de deserção (art. 187 do CPM).
II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:
Aqui é possível perceber que o inciso II já abre margem para os crimes previstos tanto no CPM, quanto na legislação penal comum. Portanto, serão as alíneas que estabelecerão quais serão os crimes militares. Vejamos.
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
A alínea “a” trata do militar em situação de atividade e do assemelhado. No entanto, a figura do assemelhado não mais existe no ordenamento.
Dito isto, perceba que a alínea em destaque tem como critério a pessoa (ratione personae) para definir o que é crime militar. Assim, todas as vezes que o crime for cometido por militar contra outro, ainda que fora do exercício da função, será considerado como crime militar. Este é o entendimento majoritário da doutrina e do STM.
O STM, na Apelação de nº 0000135-24.2012.7.02.0202, decidiu, inclusive, que “para a competência da JMU, basta que os militares, agente e vítima, sejam da ativa, independentemente do lugar do mundo onde estejam ou de que saibam da condição um do outro”, uma vez que “nessas situações, sempre haverá repercussões negativas dentro dos quartéis, cabendo à JMU dar resposta proporcional aos fatos criminalmente danosos à coesão dos efetivos das Forças Armadas”.
b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
Já na alínea “b”, o CPM nos traz o critério de lugar (ratione loci), sendo o lugar do crime essencial para a definição de crime militar.
Dessa forma, nos cabe dizer que lugar sujeito à administração militar é o lugar em que as instituições militares desenvolvem suas atividades.
No entanto, deve ser observado que os famosos PNR (Próprios Nacionais Residenciais), que servem de residência aos militares, embora estejam localizados normalmente em vilas militares, não são considerados lugares sujeitos à administração militar, uma vez que “a casa é asilo inviolável do indivíduo”, como disposto no inciso XI do art. 5º da Carta Magna.
c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
Observe que, tanto na alínea “c”, quanto na “d”, o militar não está em lugar sujeito à administração militar. Aqui merece atenção por estar em situação de serviço, praticando função de natureza militar.
e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
Neste ponto devemos observar que a lei considera crime militar quando a ação for contra patrimônio sob a administração militar, ou seja, não é necessário que o patrimônio seja da Administração Militar, mas que tão somente ele esteja sob sua administração.
Ainda, também será crime militar quando o delito for praticado contra a ordem administrativa militar, que, na visão de Célio Lobão (Direito Penal Militar, 2001), é atingida quando há lesão à organização, à existência ou à finalidade das Forças Armadas, bem com ao prestígio moral da Administração Militar.
III – os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
Nesse diapasão, devemos chamar a sua atenção para o fato de que o inciso III traz agora o militar da reserva, o militar reformado e o civil como possíveis sujeitos ativos de crimes militares.
Dessa forma, o inciso III apenas tem utilidade na Justiça Militar da União (JMU), por força do art. 125, §4º, da CF/88, que determina que a Justiça Militar Estadual (JME) não tem competência para processar e julgar civis.
Ainda, observe que o crime precisa necessariamente afetara instituição militar.
a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
Interessante exemplo neste ponto é o crime de estelionato contra o patrimônio sob a administração militar (art. 251, caput, CPM) no caso de saque de pensão de beneficiário falecido.
Dessa forma, é irrelevante o local em que o delito é cometido, sendo este o entendimento sedimentado, inclusive, pelo STF.
Mas e no caso de falsificação de caderneta de inscrição e registro (CIR) ou de carteira de habilitação de amador (CHA), seria crime militar?
Muita atenção aqui. De acordo com o STF (súmula vinculante nº 36), “compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação de caderneta de inscrição e registro (CIR) ou de carteira de habilitação de amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.
Dessa forma, o STF entende que a conduta descrita não ofende diretamente a ordem militar, uma vez que, apesar da CIR e da CHA serem expedidas pela Marinha do Brasil, a licença conferida tem natureza civil, ou seja, a expedição e fiscalização das licenças são atividades inerentes ao poder de polícia administrativo, são funções ligadas ao policiamento naval, que não é atribuição exclusiva da Marinha, tampouco militar.
Destarte, deve ser mencionado que a competência é da Justiça Federal comum porque o crime é cometido contra um serviço fiscalizado pela Marinha, que é um órgão da União, amoldando-se na hipótese prevista no art. 109, IV, da CF/88.
b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.
As demais alíneas (“b”, “c” e “d”) são muito parecidas com as alíneas tratadas no inciso II e, por isso, vamos apenas chamar a sua atenção para o fato de que o STF entende como constitucional o julgamento de crimes dolosos contra a vida de militar em serviço pela justiça castrense, sem a submissão do crime ao Tribunal do Júri, nos termos do art. 9º, III, d, do CPM.
§ 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.
Neste ponto temos a regra geral, que, como será visto em seguida, é logo excepcionada.
Aqui, como disposto, no caso de um policial militar que comete crime doloso contra a vida de um civil, será ele processado e julgado no Tribunal do Júri, não sendo de competência da JME.
§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999
c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar; e
d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral.
Desse modo, caso um militar do Exército, em missão, cometa o crime de homicídio contra um civil, será ele julgado pela JMU e não pelo Tribunal do Júri, de acordo com a exceção disposta no §2º do art. 9º do CPM.






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