A figura de Bafomé (ou Baphomet) é, sem dúvida, uma das mais enigmáticas e controversas do ocultismo ocidental. Sua imagem evoca mistério, heresia e, para muitos, a própria essência do satanismo. No entanto, a história e o simbolismo por trás dessa figura são muito mais complexos do que a simples associação com um demônio, e sua jornada através dos séculos é uma tapeçaria de lendas, acusações e reinterpretações.
O nome de Bafomé surge pela primeira vez na história no século XIV, durante o famoso julgamento dos Cavaleiros Templários. Acusados de heresia pelo rei Filipe IV da França, os Templários foram interrogados sob tortura. As confissões, obtidas sob imensa pressão, incluíam a adoração de um ídolo misterioso conhecido como "Baphomet". Os relatos variavam, descrevendo-o como uma cabeça barbuda, um demônio de três faces ou até um gato. Acredita-se hoje que o nome pode ter sido uma corruptela do nome "Maomé" (em francês, Mahomet), uma acusação de que os Templários tinham laços secretos com o islamismo.
Apesar da notoriedade do julgamento, não há nenhuma evidência histórica ou arqueológica de que os Templários realmente cultuassem uma divindade ou ídolo chamado Bafomé. A acusação foi amplamente considerada uma invenção para justificar a perseguição e a dissolução da ordem, permitindo ao rei francês apoderar-se de suas vastas riquezas. A lenda de Bafomé, no entanto, foi plantada na consciência popular, permanecendo em grande parte dormente por séculos.
Foi somente no século XIX que a figura de Bafomé foi resgatada e transformada por um dos mais influentes ocultistas da época, Éliphas Lévi. Em seu livro "Dogme et Rituel de la Haute Magie" (1856), Lévi desenhou a imagem que se tornaria a representação definitiva de Bafomé: uma criatura andrógina com cabeça de bode e corpo humano. Esta representação não era uma divindade maligna, mas sim um símbolo complexo e multifacetado do universo esotérico.
Para Lévi, Bafomé era o símbolo do princípio da harmonia e do equilíbrio. A cabeça de bode, por exemplo, não representava o mal, mas a fecundidade e a força da natureza. Os chifres, por sua vez, simbolizavam a penetração do conhecimento. A tocha entre os chifres, por sua vez, simbolizava a inteligência, a iluminação e a magia. É o fogo do conhecimento que arde na mente, afastando a ignorância e a superstição.
Um dos aspectos mais marcantes da figura é seu corpo andrógino, que combina traços masculinos e femininos, como seios de mulher e o caduceu fálico. Essa fusão simboliza a união de opostos: masculino e feminino, ativo e passivo, bem e mal. Para os ocultistas, esta dualidade é a chave para a criação e a manifestação no plano físico, refletindo a crença de que a totalidade reside na integração de todas as partes.
O pentagrama na testa de Bafomé, com uma ponta voltada para cima, representa o intelecto, a mente humana que governa o mundo material, simbolizado pelo corpo. A mão direita de Bafomé, levantada, aponta para a lua branca crescente na sua esquerda, enquanto a mão esquerda aponta para a lua preta minguante na sua direita. Esta imagem reforça o simbolismo do equilíbrio e da dualidade, representando o fluxo constante de vida e morte, luz e sombra.
O caduceu, um bastão com duas serpentes enroladas, que adorna o abdômen de Bafomé, é um símbolo antigo de harmonia, comércio e medicina. No contexto esotérico, ele representa o equilíbrio das energias opostas, a subida da força vital pela espinha dorsal, e a ascensão da consciência, um conceito central na alquimia e na filosofia oriental.
A figura de Bafomé de Lévi é, em sua essência, um arquétipo gnóstico, representando a união da matéria e do espírito. Ele é o “Deus do Sabat”, uma divindade da natureza e da fertilidade, bem como o “Senhor do Submundo”, o guardião dos segredos ocultos. A sua forma serve como um mapa para o adepto, convidando-o a buscar o conhecimento e a reconciliar as forças opostas dentro de si mesmo.
Com a sua nova roupagem simbólica, Bafomé se tornou um ícone central para a magia cerimonial, o satanismo filosófico e várias tradições esotéricas. Longe de ser um demônio a ser adorado para fins malignos, ele é frequentemente visto como a personificação do conhecimento proibido, da busca pela verdade por trás das aparências.
Na cultura popular e em grupos modernos como o Templo Satânico, Bafomé é mais um símbolo de protesto e de desafio do que um ser sobrenatural. O Templo Satânico, que não acredita em demônios ou em Satanás como um ser real, utiliza a imagem de Bafomé para representar a oposição a tiranias e dogmas, a defesa da liberdade individual, da racionalidade e da compaixão.
Bafomé é um espelho para a nossa própria percepção. Para aqueles que veem o mundo em termos de bem e mal absolutos, ele é a personificação do mal. Para aqueles que buscam a síntese e o equilíbrio, ele é um símbolo de iluminação e de sabedoria oculta. É essa dualidade que o torna tão fascinante.
A figura é um lembrete do poder dos símbolos e de como eles podem ser reinterpretados ao longo do tempo. O que começou como uma possível acusação fabricada no auge de um julgamento histórico foi resgatado e transformado em um emblema de ideias complexas e profundas, que ainda ressoam no século XXI.
O estudo de Bafomé é, em última análise, um estudo sobre a natureza humana e a busca incessante por respostas. Ele simboliza a busca por conhecimento que transcende a moralidade convencional, questionando as fronteiras entre o sagrado e o profano, entre o que é visível e o que está oculto. Bafomé não é uma figura a ser temida, mas uma figura a ser decifrada.





0 Comentários