R a u l S e i x a s 2024 10 Maiores Sucessos




A canção "Gîtâ" de Raul Seixas é uma obra rica em simbolismo e referências filosóficas, sendo uma das mais icônicas do artista. Para decifrá-la, é fundamental analisar tanto o título quanto a letra:

  1. O Título "Gîtâ":

    • O título é uma referência direta ao Bhagavad-Gita (em sânscrito, "Canção do Senhor"), um dos textos sagrados mais importantes do hinduísmo, parte do épico Mahabharata.

    • No Bhagavad-Gita, o deus Krishna (como cocheiro de Arjuna) revela a Arjuna (um príncipe guerreiro) a natureza da realidade, do dharma (dever), do karma (ação), da alma (Atman), do divino (Brahman) e do yoga. É um diálogo filosófico sobre a existência, o dever e a libertação espiritual.

    • A escolha desse título por Raul Seixas não é acidental. Ele era conhecido por seu interesse em esoterismo, filosofia oriental, misticismo e ocultismo. Ao intitular a canção de "Gîtâ", ele evoca a ideia de uma revelação profunda e universal, uma "canção" que desvenda os mistérios da existência.

  2. A Letra - A Perspectiva do "Eu": A letra é um monólogo em primeira pessoa, onde o "eu" lírico se apresenta como uma força onipresente e paradoxal, incorporando opostos e a totalidade da existência. Ele assume a voz do conhecimento, da verdade revelada, que está em tudo e em todos, mas que não é compreendido pela superficialidade:

    • Onipresença e Totalidade: Frases como "Eu sou a luz das estrelas / Eu sou a cor do luar / Eu sou as coisas da vida" ou "Eu sou o tudo e o nada / Eu sou o início, o fim e o meio" demonstram essa pretensão de ser a própria essência do universo, o princípio e o fim de tudo.

    • Paradoxos e Dualidades: O "eu" se manifesta em pares de opostos: "medo do fraco / a força da imaginação", "vela que acende / luz que se apaga", "raso, largo, profundo", "mosca na sopa / dente do tubarão", "olhos do cego / cegueira da visão". Isso reflete a natureza dual da realidade (bem/mal, luz/sombra, vida/morte) e a ideia de que o divino ou a verdade abrange todas as manifestações.

    • Incompreensão e Busca Interna: "Às vezes, você me pergunta / Por que é que eu sou tão calado / Não falo de amor quase nada..." e "Perguntas não vão lhe mostrar / Que eu sou feito da terra / Do fogo, da água e do ar". O "eu" sugere que a verdade não pode ser alcançada por perguntas externas ou pela lógica linear, mas sim pela percepção intuitiva e pela compreensão de que essa verdade reside dentro do próprio questionador.

    • A Presença Interna: "Mas saiba que eu estou em você / Mas você não está em mim". Esta é uma das frases mais impactantes e reflete um conceito central do hinduísmo e de diversas filosofias orientais: a ideia de que o Atman (a alma individual) é idêntico ao Brahman (o espírito universal, a realidade última). O "eu" divino está em cada ser, mas o ser individual, em sua ignorância ou limitação, não compreende ou não abrange a totalidade do divino. O ser individual é uma manifestação do "eu" maior, mas o "eu" maior não é limitado pelo ser individual.

    • Crítica à Superficialidade: "Você me tem todo dia / Mas não sabe se é bom ou ruim". Isso aponta para a falta de percepção e valorização da presença dessa verdade essencial no cotidiano.

    • Elementos Cotidianos e Universais: O "eu" se manifesta em coisas triviais ("telhas eu sou o telhado", "pesca do pescador", "dona de casa") e em elementos fundamentais ("terra, fogo, água e ar", "início, fim e meio"), conectando o micro ao macro, o mundano ao sagrado.

Em suma, "Gîtâ" é a "canção" de Raul Seixas que personifica uma entidade ou uma consciência universal que se revela ao ouvinte como a própria essência da existência. É um convite à reflexão sobre a natureza dual da realidade, a onipresença do divino (ou da verdade), a busca interior pela sabedoria e a compreensão de que o absoluto reside em cada indivíduo, mas transcende qualquer forma ou limitação. A canção é um manifesto filosófico-existencial que questiona a percepção humana e aponta para uma verdade mais profunda e abrangente.

Postar um comentário

0 Comentários