A Sociedade Alternativa: Uma Jornada de Liberdade
A Sociedade Alternativa foi um conceito de contracultura brasileiro que emergiu no início dos anos 1970, em um período de intensa repressão política. Mais do que um movimento ou uma organização com regras formais, era uma ideia filosófica e artística, uma utopia anárquica popularizada pelo cantor e compositor Raul Seixas e pelo escritor Paulo Coelho. Eles se tornaram os principais divulgadores dessa visão, canalizando um desejo de liberdade individual e crítica ao status quo.
O Brasil estava sob o regime da Ditadura Militar, um período marcado pela censura, violência estatal e falta de liberdade de expressão. Nesse ambiente opressor, a Sociedade Alternativa se destacou como um grito de rebeldia e resistência pacífica. A sua proposta ia na contramão da rigidez moral e política imposta, celebrando a individualidade, a quebra de paradigmas e a busca por um novo modo de vida, longe das convenções sociais e dos valores conservadores da época.
A principal influência intelectual por trás do conceito veio do ocultista britânico Aleister Crowley (1875-1947), conhecido por suas ideias esotéricas e seu estilo de vida provocador. Em particular, a frase de sua filosofia, Thelema, "Faze o que tu queres há de ser tudo da lei", foi o pilar central da Sociedade Alternativa. Essa máxima, longe de ser um convite ao hedonismo irresponsável, era interpretada como um chamado para que cada indivíduo agisse de acordo com sua "verdadeira vontade", sua essência mais profunda, em harmonia com o universo e sem prejudicar o próximo.
A filosofia da Sociedade Alternativa foi difundida principalmente através de manifestações artísticas. A música foi um meio crucial para essa disseminação. Raul Seixas, com sua figura de "maluco beleza" e sua linguagem iconoclasta, foi o porta-voz ideal para essa ideia. Suas canções eram carregadas de mensagens esotéricas, críticas sociais e anseios por liberdade. Ele misturava rock 'n' roll, baião e letras filosóficas de um jeito único, dialogando diretamente com a juventude da época.
A canção de mesmo nome, "Sociedade Alternativa", lançada no álbum Gita em 1974, se tornou um hino para aqueles que se identificavam com a causa. A letra, que convidava a "fazer o que quiser" e a viver em uma sociedade "onde o diabo é o pai e a mãe", era uma provocação direta aos valores cristãos e à moralidade oficial do regime. Ela incentivava a busca por um caminho próprio, a desobediência civil e a rejeição de modelos pré-estabelecidos.
O conceito da Sociedade Alternativa também se expandiu para outras áreas. Paulo Coelho, que era parceiro de Raul Seixas na composição de várias músicas e também amigo e coautor do projeto, utilizava a escrita para explorar temas como a liberdade, a espiritualidade e a busca por um propósito individual. Ele foi um dos responsáveis por traduzir e divulgar as ideias de Crowley no Brasil, tornando o ocultismo e a filosofia de Thelema acessíveis a um público mais amplo.
No entanto, a Sociedade Alternativa não era apenas sobre anarquia e rebelião. Havia uma dimensão profundamente espiritual e mística em seu cerne. A busca pela "verdadeira vontade" era uma jornada de autoconhecimento, de conexão com o eu interior e com o cosmos. A ideia era que, ao descobrir e seguir sua essência, o indivíduo se tornaria uma força positiva e criativa, construindo uma sociedade mais justa e livre a partir de suas próprias escolhas.
Apesar de ser um conceito, e não uma organização formal, a Sociedade Alternativa chegou a ser vista pelas autoridades militares como uma ameaça. A ideologia libertária e a crítica implícita ao governo levantaram suspeitas. Raul Seixas e Paulo Coelho chegaram a ser presos e torturados, e foram forçados a se exilar do Brasil por um período. Esse evento trágico demonstra o quão subversiva a ideia era naquele contexto. O regime não via a Sociedade Alternativa como uma simples utopia inofensiva, mas como uma ideologia que poderia minar o controle do Estado sobre a população.
A repressão, no entanto, não esmagou a essência da ideia, mas a fortaleceu. O exílio de Seixas e Coelho, e a consequente censura a algumas de suas obras, apenas ressaltaram o poder de sua mensagem. Eles se tornaram, para muitos, mártires da liberdade de expressão. A Sociedade Alternativa se tornou um símbolo de resistência cultural, de que era possível desafiar o poder estabelecido através da arte, da música e do pensamento.
A influência da Sociedade Alternativa se manifestou em diferentes esferas. A contracultura brasileira, que incluía o Tropicalismo e outras manifestações artísticas, encontrou no conceito uma voz que falava diretamente ao desejo de mudança e de libertação. A busca por um estilo de vida menos materialista e mais conectado à natureza e à espiritualidade se tornou uma pauta para a juventude que se opunha à sociedade de consumo e à rigidez moral.
A Sociedade Alternativa também teve um papel importante no resgate de pautas esotéricas e místicas. A filosofia de Crowley, antes restrita a círculos de ocultistas, ganhou notoriedade e se popularizou entre os jovens. A busca por um conhecimento mais profundo, a crença na magia e em rituais, e a valorização de uma espiritualidade individualizada foram impulsionadas por essa corrente.
Além disso, a Sociedade Alternativa contribuiu para uma maior conscientização sobre os direitos individuais e a importância da liberdade de pensamento. Em um período em que a conformidade era a regra, o conceito de "fazer o que tu queres" era um convite para questionar, para se rebelar contra a opressão e para assumir a responsabilidade por suas próprias escolhas. A ideia de que cada um deveria ser seu próprio mestre era revolucionária.
Em retrospectiva, a Sociedade Alternativa pode ser vista como um dos pilares da contracultura brasileira da década de 1970. Embora nunca tenha se tornado um movimento formal com membros e estatutos, sua influência cultural e ideológica foi imensa. Ela representou uma esperança de um mundo melhor, construído a partir da liberdade e do respeito à individualidade, em um período sombrio da história do Brasil.
O legado da Sociedade Alternativa permanece vivo. A frase de Crowley, "Faze o que tu queres há de ser tudo da lei", ressoa ainda hoje como um lema para aqueles que buscam a liberdade de pensamento e a autonomia em suas vidas. Raul Seixas e Paulo Coelho, com sua parceria e suas obras, deixaram uma marca indelével na cultura brasileira, ensinando que a verdadeira revolução começa no interior de cada indivíduo, na busca por sua "verdadeira vontade" e na coragem de segui-la.
Em última análise, a Sociedade Alternativa foi uma resposta poética e filosófica a um tempo de repressão. Foi a afirmação de que, mesmo sob as piores condições, a liberdade individual e a busca pelo autoconhecimento são inalienáveis. A sua mensagem, de que "a anarquia da vida é a lei fundamental", continua a inspirar novas gerações a questionar o poder e a lutar por um mundo onde a liberdade seja o valor supremo.






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