No dia 12 de junho de 2016 a UNESP (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”) realizou as provas de Linguagens e Códigos da segunda fase do seu vestibular
de inverno (ou de meio de ano). Neste dia, como componente deste prova,
há a proposta de redação de uma dissertação-argumentativa que será
analisada no nosso texto de hoje.
A prova de Português, Inglês e
de Redação é obrigatória para todos os candidatos, que devem responder
as doze questões discursivas (abertas), além de produzir o texto pedido
na prova de produção textual.
Desde que comecei a escrever no
Portal infoEnem bato na tecla de que os vestibulares em geral, incluindo
o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), não se arriscam propondo temas
de redação considerados polêmicos pela sociedade em geral. Porém, esta
proposta de redação da UNESP de meio de ano pode ser o início de uma
mudança, na qual temas polêmicos, que geram muitas discussões, começam a
aparecer em provas de produção textual.
O tema da proposta de redação da UNESP de meio de ano, em 2016, foi “O conceito de família proposto pelo Estatuto da Família: discriminação contra outros arranjos familiares?”. Veja a proposta e sua coletânea de textos na íntegra:
Texto 1
Texto 2
O que é o Estatuto da Família? É um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. O texto desse projeto tenta definir o que pode ser considerado uma família no Brasil. Ou seja, o projeto propõe regras jurídicas para definir quais grupos podem ser considerados uma família perante a lei.
“O que é o Estatuto da Família?”. www.cartacapital.com.br, 25.10.2015. Adaptado.
Texto 3
Projeto de Lei nº. 6583, de 2013 (Estatuto da Família). Para os fins desta Lei, define-se família como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Anderson Ferreira [deputado federal pelo PR]. “Projeto de Lei n 6583/2013”. www.camara.gov.br, 16.10.2015. Adaptado.
Texto 4
O Estatuto da Família veio num momento bastante oportuno. Nunca a principal instituição da sociedade e o matrimônio foram tão atacados como nos dias atuais. Basta ver crianças e adolescentes sendo aliciados para o mundo do crime e das drogas, a violência doméstica, a gravidez na adolescência, os programas televisivos cada vez mais imorais e violentos, sem falar na visível deturpação do conceito de matrimônio e na banalização dos valores familiares conquistados há décadas. Tudo isso repercute negativamente na dinâmica psicossocial do indivíduo. O Estatuto da Família não deveria causar tanto alvoroço no que se refere ao conceito de família. A definição não é minha e de nenhum parlamentar. É a Carta Constitucional que, assim, restringe sua composição. Não tem nada a ver com preconceito ou discriminação.
Sóstenes Cavalcante [deputado federal pelo PSD]. “Estatuto da Família é base para sociedade mais justa, fraterna e desenvolvida”. http://congressoemfoco.uol.com.br, 08.10.2015. Adaptado.
Texto 5
A ONU no Brasil disse estar acompanhando “com preocupação” a tramitação, no Congresso Nacional, da Proposição Legislativa que institui o Estatuto da Família, especialmente quanto ao conceito de família e “seus impactos para o exercício dos direitos humanos”. Citando tratados internacionais, a ONU afirmou ser importante assegurar que outros arranjos familiares, além do formado por casal heteroafetivo, também sejam igualmente protegidos como parte dos esforços para eliminar a discriminação: “Negar a existência destas composições familiares diversas, para além de violar os tratados internacionais, representa uma involução legislativa”.
“Brasil: ONU está preocupada com projeto de lei que define conceito de família”. http://nacoesunidas.org, 27.10.2015.
O
tema, como está escrito, questiona o candidato se ele pensa que o
conceito de família do Estatuto da Família é discriminação em relação
aos outros arranjos familiares e o candidato, por sua vez, em sua dissertação-argumentativa,
deve responder a esta questão. Portanto, não se trata de um tema para
ficar “em cima do muro”: ou o candidato argumenta que sim, que tal
conceito é discriminatório (e esperamos que isso tenha sido feito) ou
ele argumenta que não, que tal conceito não discrimina as pessoas que
não se encaixam neste conceito. Tanto uma posição quanto outra deve
estar fortemente embasada em estratégias argumentativas fundantes,
apesar de que, no nosso ponto de vista, os argumentos favoráveis ao
Estatuto da Família são subjetivos e pessoais, ou seja, não sustentam,
por muito tempo, tal opinião.
O primeiro texto da
coletânea textual é uma charge do cartunista Laerte e mostra dois
homens e uma mulher despejando uma multidão em um molde denominado
“família” que é composto por dois adultos, sendo um homem e uma mulher, e
duas crianças, sendo um menino e uma menina. Trata-se de uma crítica ao
desejo de certas pessoas de moldarem outras em um padrão
pré-estabelecido de arranjo familiar heterossexual e com filhos.
O segundo texto
da coletânea textual explica, brevemente, o que se trata o Estatuto da
Família: um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados que busca
definir o conceito de família no Brasil em termos jurídicos, o que gera
inúmeras consequências em termos de testamentos, heranças, coberturas
em planos de saúde para dependentes do titular, dentre outras coisas.
O terceiro texto
da coletânea textual, por sua vez, é um pequeno trecho do texto da lei
que visa instituir o Estatuto da Família. Trata-se da Lei nº. 6583, de
2013 (ano em que foi sugerido) que define “família” como um núcleo
social formado a partir da união (casamento ou união estável) entre um
homem e uma mulher ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais
e seus descendentes.
O quarto texto exemplifica
uma opinião favorável ao Estatuto da Família. O depoimento de deputado
federal Sóstenes Cavalcante (PSD) contextualiza a importância, em sua
visão, de tal lei em um cenário no qual o casamento e a família estão
sendo atacados pela violência, pela gravidez na adolescência, pela
imoralidade presente na TV e pela banalização da família e, segundo ele,
tal conceito está na Constituição e não se trata de preconceito.
O quinto e último texto
da coletânea textual evidencia uma opinião da Organização das Nações
Unidas sobre o Estatuto da Família em relação aos direitos humanos,
pois, para a ONU, excluir os demais arranjos familiares é
discriminatório e viola tratados internacionais.
Do modo como está
escrito, este projeto de lei exclui do conceito de “família”, no
Brasil, núcleo formados por um homem e uma mulher sem filhos, já que
cita descendentes; irmãos órfãos de pai e mãe, já que cita qualquer um
dos pais; avós ou avôs que criam netos; tios ou tias que criam
sobrinhos; casais homoafetivos; casais que se relacionam por meio do
poliamor; mães solteiras que criam seus filhos sem a presença e o
auxílio dos pais das crianças e por aí vai.
O Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa alterou, recentemente, o verbete “família” que agora tem, como primeira acepção:
Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária.
O
advérbio “geralmente” é muito bem posto ao modalizar tal situação de se
viver no mesmo espaço, já que há famílias que moram separadas por
questões de trabalho e/ou estudo e só compartilham da mesma casa aos
fins de semana, por exemplo.
Neste tema, não posso esconder minha
posição contrária ao Estatuto da Família, pois, para mim, trata-se de
uma projeto de lei pautado no patriarcado e na visão estreita de família
da bancada evangélica e católica que pensa que apenas um homem e uma
mulher podem formar uma família com filhos e obter uma vida cercada de
amor, paz e união.
Os novos arranjos familiares estão cada dia
mais diversos e complexos e cabe às leis acompanharem tal trajeto,
incluindo-os e não os excluindo em seus direitos e deveres. Não há
opressão de um lado quando outro ganha direitos que o primeiro sempre
teve; não se trata de privilégios.
Pensando que o Estado
brasileiro é laico, qual problema em alterar o texto da Constituição
sobre o conceito de família? O que muda na minha vida se o vizinho
mantém uma relação homoafetiva e adotou uma criança? Eu devo é ficar
feliz com tal situação!
Violência doméstica ocorre,
majoritariamente, entre casais heterossexuais; o que é imoral para você,
pode não ser para mim, ou seja, é algo subjetivo; violência na TV
existe e sempre existiu: cabe aos pais ou responsáveis colocarem limites
aos seus filhos e explicar os motivos pelos quais eles não devem
assistir tal conteúdo etc.
Caso algum leitor queria debater este
tema de redação nos comentários, estou à disposição. Caso alguém queria
apresentar argumentos favoráveis ao tema, a fim de promover um debate
saudável, estamos à disposição.
Até a próxima semana!
Veja análises da profª. Camila de temas da redação do Enem de todos os anos: Clique aqui.
*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA
é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo
funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e
Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas.
Além disso, também participou de avaliações e produções de vários
materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da
Educação (MEC).
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!
O post Análise de Tema da Redação do Vestibular UNESP 2/2016 apareceu primeiro no infoEnem.
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