Conceitos Centrais da Sociedade Alternativa

 




Conceitos Centrais da Sociedade Alternativa


A Sociedade Alternativa, um conceito mais filosófico do que um movimento organizado, foi o epicentro de uma revolução cultural no Brasil da década de 1970. Popularizada por Raul Seixas e Paulo Coelho, ela se opôs de forma radical à rigidez da Ditadura Militar e à moralidade conservadora da época. A essência de sua mensagem se baseava em três pilares interligados: a liberdade individual absoluta, a autonomia e autossuficiência, e a responsabilidade pessoal.

O primeiro pilar, e talvez o mais conhecido, é o da liberdade individual absoluta. Em um tempo em que o governo ditava as regras de conduta, o conceito da Sociedade Alternativa propunha exatamente o contrário: a rejeição total de dogmas e da moralidade imposta. A ideia era que cada pessoa deveria ter a liberdade de criar suas próprias regras de vida, sem se submeter às convenções sociais que considerava limitantes e opressoras. Era um convite para que o indivíduo se libertasse das amarras invisíveis do "dever ser" e, em vez disso, construísse sua própria ética e seu próprio caminho.

A liberdade defendida não era o simples hedonismo, mas uma busca profunda por um modo de vida autêntico. A filosofia incitava o indivíduo a questionar tudo o que lhe era imposto: os valores familiares, as crenças religiosas, as normas de comportamento e até mesmo a lógica do consumismo. Tratava-se de um chamado à rebelião interior, onde a verdadeira liberdade só poderia ser conquistada ao se desvincular das expectativas alheias.

Esse conceito de liberdade se conectava diretamente com a filosofia de Thelema, de Aleister Crowley, cujo lema era "Faze o que tu queres há de ser tudo da lei". Essa frase, muitas vezes mal interpretada como um convite à anarquia, era, para Seixas e Coelho, a chave para o autoconhecimento. A "verdadeira vontade" de uma pessoa não seria o simples desejo superficial, mas sim a essência mais profunda do seu ser, o seu propósito de vida. Seguir essa vontade era, portanto, o caminho para a autorrealização e a felicidade genuína.


O segundo pilar é a autonomia e a autossuficiência. A Sociedade Alternativa defendia a rejeição de instituições sociais e políticas tradicionais. Para seus idealizadores, o Estado, a igreja e a família, em suas formas mais rígidas, eram vistos como estruturas que sufocavam a liberdade e a individualidade. A proposta era viver à margem, construindo uma existência independente e guiada por princípios próprios.

Essa rejeição não significava o isolamento social, mas sim a busca por uma comunidade alternativa. A ideia era criar pequenas comunidades ou círculos de pessoas que compartilhavam a mesma visão de mundo, onde a colaboração e a ajuda mútua substituíssem a hierarquia e o controle. O conceito de "construir sua própria casa" se tornava literal e metafórico, significando a criação de um espaço físico e mental onde a liberdade pudesse florescer sem interferências externas.

A autonomia se manifestava no pensamento e na ação. A Sociedade Alternativa incentivava a independência intelectual, a busca por conhecimento fora dos sistemas formais de ensino e a valorização da experiência pessoal. A autenticidade era um valor supremo, e o indivíduo era encorajado a ser fiel a si mesmo, em vez de se conformar a um molde imposto pela sociedade. Era a crença de que a verdadeira riqueza não estava nos bens materiais, mas na liberdade de ser quem se é.


Por fim, o terceiro pilar, e talvez o mais importante para a coesão da filosofia, era a responsabilidade pessoal. A liberdade absoluta proposta pela Sociedade Alternativa não era um cheque em branco para o egoísmo. Pelo contrário, a filosofia pressupunha que, com a liberdade, vinha uma enorme responsabilidade. A máxima de Crowley era frequentemente complementada: "Faze o que tu queres, mas não prejudique ninguém". Isso significava que a busca pela própria vontade não deveria, em hipótese alguma, ferir a liberdade ou o bem-estar de outra pessoa.

A responsabilidade pessoal era o antídoto para a anarquia e a garantia de que a liberdade não se degeneraria em caos. A ideia era que, ao descobrir sua "verdadeira vontade", o indivíduo agiria de forma harmoniosa com o universo e, por consequência, com os outros. O respeito mútuo era a base de todas as interações, e a empatia era um valor intrínseco à filosofia. A Sociedade Alternativa propunha que a verdadeira liberdade só poderia existir em um ambiente onde cada um respeitasse a liberdade do outro.

Em um contexto de repressão e violência, a ênfase na responsabilidade pessoal era um toque de lucidez. A filosofia não era um chamado à guerra contra a sociedade, mas sim a um ato de criação e de construção de um novo mundo a partir de escolhas conscientes. A Sociedade Alternativa era, em sua essência, uma utopia anarquista onde a ordem não vinha de um poder central, mas do respeito e da responsabilidade de cada indivíduo. A sua mensagem era clara: a liberdade é um direito, mas a responsabilidade é um dever.

Em retrospectiva, os três conceitos centrais da Sociedade Alternativa se complementavam para formar uma visão de mundo completa e coerente. A liberdade individual era o ponto de partida, a autonomia era o caminho, e a responsabilidade era o guia. A filosofia proposta por Raul Seixas e Paulo Coelho ia muito além de uma simples rebeldia juvenil. Era uma profunda reflexão sobre a natureza humana, a sociedade e a busca por um modo de vida mais autêntico e significativo.

O legado desses conceitos se manifesta na cultura brasileira até hoje. A busca pela liberdade de expressão, a valorização da autenticidade e a crítica às instituições rígidas são pautas que continuam relevantes. A Sociedade Alternativa não oferecia respostas fáceis, mas fazia as perguntas certas. Ela convidava cada um a se tornar um filósofo de sua própria vida, a se libertar das correntes do passado e a trilhar um caminho único e genuíno. A sua mensagem era um farol para aqueles que buscavam um novo jeito de viver, em um mundo que parecia ter perdido o seu rumo.


REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Embora seja um dicionário, pode fornecer verbetes sobre a carreira de Raul Seixas e a canção "Sociedade Alternativa", contextualizando seu lançamento e impacto cultural.

CROWLEY, Aleister. O Livro da Lei. Para entender a fonte original da filosofia de Thelema, este é o livro fundamental. É a base da qual Raul Seixas e Paulo Coelho tiraram o lema "Faze o que tu queres há de ser tudo da lei".

GUTFREIND, Paulo. Raul Seixas: a filosofia do maluco beleza. Este livro explora as influências filosóficas na obra de Raul Seixas, incluindo o esoterismo e as ideias de Aleister Crowley, e discute como elas se manifestaram em suas canções e em seu conceito de Sociedade Alternativa.

PASTORE, H. Z. Raul Seixas por trás das letras: a história do Maluco Beleza e sua obra. A obra analisa as letras de Raul Seixas, contextualizando-as historicamente e explorando suas influências, o que é fundamental para compreender a origem e o significado dos conceitos da Sociedade Alternativa.

SEIXAS, Raul. COELHO, Paulo. O Livro da Sociedade Alternativa. Essa obra, embora não seja um livro de filosofia no sentido acadêmico, é a fonte original dos conceitos. Escrita como um manifesto, ela apresenta a visão dos autores sobre a liberdade e a autonomia.


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