A filosofia de Thelema

 




A filosofia de Thelema é um sistema religioso e filosófico desenvolvido por Aleister Crowley (1875-1947), um influente ocultista, escritor e mago cerimonial britânico. Thelema se baseia em uma lei central, recebida por Crowley em 1904, que ele acreditava ter sido revelada por uma entidade não-corporal chamada Aiwass. Essa lei é encapsulada na frase "Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei". Longe de ser um convite ao hedonismo irresponsável, essa máxima é a pedra angular de toda a filosofia, propondo que cada indivíduo descubra e siga sua verdadeira vontade, o que Crowley chamava de "Verdadeira Vontade".

A Verdadeira Vontade de um indivíduo, na filosofia thelêmica, não é um desejo superficial ou um capricho momentâneo. Em vez disso, é o destino ou o propósito mais profundo de cada pessoa, a razão de sua existência. Thelema postula que, ao alinhar-se com sua Verdadeira Vontade, o indivíduo entra em harmonia com o universo. O ato de "fazer o que tu queres" é, portanto, uma prática de autoconhecimento e de alinhamento com a própria natureza. A busca por essa Vontade é a jornada central do thelemita.

A filosofia thelêmica se distancia das religiões tradicionais ao não ter um único deus supremo no sentido monoteísta. Em vez disso, Crowley concebeu um panteão de deuses e deusas, principalmente inspirados na mitologia egípcia. As principais divindades de Thelema são Nuit, a deusa do céu noturno, que representa o espaço infinito e a totalidade do universo; Hadit, um ponto infinitesimal no centro de Nuit, que simboliza a individualidade e o impulso da existência; e Hórus, o deus do sol, que representa a manifestação de Nuit e Hadit, sendo o deus da nova era, a Era de Hórus.

A Lei de Thelema também tem um complemento crucial: "O amor é a lei, amor sob vontade". Esta segunda parte da lei serve para esclarecer a primeira, enfatizando que a liberdade individual deve ser exercida de forma a não contradizer o propósito da existência. O "amor" aqui não é apenas o sentimento romântico, mas uma força de união e complementaridade. A lei sugere que a Verdadeira Vontade de uma pessoa não deve entrar em conflito com a Verdadeira Vontade de outras, pois todas as vontades, quando genuínas, estão em última instância em harmonia.

A estrutura moral de Thelema é radicalmente diferente da de religiões baseadas em mandamentos. Em vez de um código de "certo e errado" imposto de fora, Thelema propõe uma ética de auto-orientação. O indivíduo é responsável por suas próprias ações, e a moralidade é determinada pela adesão ou desvio de sua Verdadeira Vontade. Qualquer ato que o afaste de sua Verdadeira Vontade é considerado "pecado", não no sentido de uma ofensa a uma divindade, mas como uma falha para consigo mesmo.

Crowley argumentou que a humanidade havia entrado em uma nova fase de sua história, que ele chamou de Era de Hórus. Ele acreditava que as eras anteriores, a Era de Ísis (a Matriarcal) e a Era de Osíris (a Patriarcal e da moralidade de sacrifício), haviam chegado ao fim. A Era de Hórus, simbolizada pelo deus infantil, é a era do indivíduo, da descoberta da Verdadeira Vontade e da manifestação da liberdade. É um tempo de autoconsciência e de responsabilidade pessoal.

A filosofia thelêmica é fundamentalmente holística. Crowley ensinava que a magia, a religião, a filosofia e a ciência não são campos separados. Ele integrava esses conceitos em um único sistema, defendendo que todos os fenômenos da existência, incluindo a espiritualidade e a matéria, são manifestações da mesma força vital. Ele via a magia como a "Ciência e Arte de causar Mudança de acordo com a Vontade", o que ressalta a importância central da Vontade na prática thelêmica.

A prática de Thelema envolve uma série de rituais, meditações e estudos. A magia cerimonial, inspirada em ordens como a Golden Dawn, é uma parte essencial para muitos thelemitas. O objetivo desses rituais não é simplesmente invocar poderes sobrenaturais, mas sim treinar a mente e a vontade para alcançar a comunicação com o sagrado e, em última instância, com a própria Verdadeira Vontade. A busca pelo "Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião" é uma meta espiritual importante.

A obra central de Crowley, "O Livro da Lei" (Liber Al Vel Legis), é o texto sagrado de Thelema. Crowley afirmou que o livro foi ditado a ele por Aiwass em 1904, no Cairo. O livro é dividido em três capítulos, e cada um deles se refere a uma das divindades principais (Nuit, Hadit e Hórus). O texto é muitas vezes poético e enigmático, e sua interpretação é um dos principais desafios para os seguidores.

A filosofia thelêmica teve uma influência significativa em diversos movimentos de contracultura, esoterismo e religião moderna. Sua ênfase na liberdade individual, na busca pelo autoconhecimento e na rejeição de dogmas rígidos atraiu artistas, músicos e pensadores. No Brasil, o conceito foi adotado por Raul Seixas e Paulo Coelho, que usaram o lema "Faze o que tu queres..." para inspirar a Sociedade Alternativa, um movimento de contracultura que se opunha à Ditadura Militar.

Embora muitas vezes mal compreendida, a filosofia de Thelema é um sistema complexo e multifacetado que propõe uma visão radicalmente nova da espiritualidade e da existência. Ela coloca a responsabilidade da evolução pessoal e espiritual nas mãos do indivíduo, incentivando-o a se tornar seu próprio mestre e a trilhar um caminho único e autêntico. Thelema é a filosofia da Vontade, e sua prática busca a união do indivíduo com o cosmos.

O legado de Aleister Crowley e sua filosofia de Thelema continuam a ser estudados e praticados por milhares de pessoas ao redor do mundo. A sua abordagem do ocultismo e da espiritualidade, que funde rituais com a busca pela liberdade individual, continua a fascinar e a inspirar. Thelema é uma filosofia que desafia convenções e convida seus seguidores a uma jornada de autodescoberta, onde a maior lei é a própria vontade.


Referências Bibliográficas

  • CROWLEY, Aleister. O Livro da Lei (Liber AL vel Legis). Título original: The Book of the Law. Este é o texto fundamental da filosofia thelêmica.

  • DOYLE, Michael. A Practical Guide to Thelema. Este livro oferece uma introdução prática e acessível aos conceitos e práticas de Thelema.

  • GUTFREIND, Paulo. Raul Seixas: a filosofia do maluco beleza. Esta obra explora as influências filosóficas na obra de Raul Seixas, incluindo a de Aleister Crowley.

  • HUTTON, Ronald. The Triumph of the Moon: A History of Modern Pagan Witchcraft. O livro de Hutton fornece um contexto histórico valioso para o surgimento do ocultismo moderno e a influência de Crowley.

  • PATE, John. Understanding Thelema. Título de um artigo ou livro que pode oferecer uma análise mais aprofundada dos princípios da filosofia.

  • SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo. O Livro da Sociedade Alternativa. Essa obra, embora não seja formalmente um livro acadêmico, é uma fonte primária para entender como a filosofia de Thelema foi adaptada e popularizada no Brasil.

  • GRANT, Kenneth. Aleister Crowley and the Hidden God. Para uma compreensão mais esotérica e aprofundada das ideias de Crowley.

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