Manifestações Artísticas e Culturais da Sociedade Alternativa

A filosofia da Sociedade Alternativa encontrou seu principal veículo de expressão na arte, em especial na música. Lançado em 1974, em plena Ditadura Militar, o álbum Gita de Raul Seixas e Paulo Coelho se tornou um marco da contracultura brasileira. A canção-título do disco, "Sociedade Alternativa", não era apenas uma música, mas um manifesto, um hino que resumiu e popularizou a filosofia libertária de Seixas.

A letra da canção é uma representação direta do conceito, convidando o ouvinte a quebrar as regras sociais e a seguir sua própria vontade. Versos como "Se eu quero e se você quer, tome um copo de cerveja" exemplificam a simplicidade e a rebeldia da mensagem. A música se opõe à moralidade imposta, defendendo a liberdade de escolha e a busca pelo prazer e pela felicidade individual, desde que não prejudique o outro. A canção se tornou um símbolo de resistência pacífica.

Além do hino, a influência da Sociedade Alternativa permeou outras obras de Raul Seixas, que era a personificação do "maluco beleza", uma figura que combinava a sabedoria de um filósofo com a rebeldia de um roqueiro. Em diversas canções, ele explorou temas centrais da filosofia, como a busca pela liberdade e a crítica à sociedade de consumo. Suas letras eram carregadas de esoterismo, misticismo e uma profunda reflexão sobre o ser humano.

A canção "Gita", do mesmo álbum, é um exemplo notável. A letra é inspirada no Bhagavad Gita, um texto sagrado do hinduísmo, e aborda a jornada do indivíduo em busca de sua "verdadeira vontade". O refrão "Eu sou o início, o fim e o meio" ecoa a ideia de que a divindade reside dentro de cada ser, reforçando o pilar da autonomia e da autossuficiência. A música de Raul Seixas não era apenas entretenimento; era uma ferramenta para o autoconhecimento.

Outro exemplo é a canção "Al Capone", onde Raul Seixas se identifica com a figura de um gangster para criticar a hipocrisia da sociedade. A letra "Eu nasci há 10 mil anos atrás, e não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais" sugere uma sabedoria ancestral, a de uma alma velha que já viu e viveu de tudo. A canção critica as instituições e a superficialidade das normas sociais, em sintonia com a rejeição das instituições sociais defendida pela Sociedade Alternativa.

A música "Novo Aeon", lançada em 1975, é uma ode à filosofia de Aleister Crowley. A palavra "Aeon" se refere à nova era, a Era de Hórus, que Crowley acreditava ter começado. A canção expressa a esperança de um novo tempo, onde o homem seria livre para viver sua vida sem dogmas ou opressões. A letra é um convite para o futuro, um futuro onde a liberdade e a espiritualidade individual reinam.

A influência de Raul Seixas e sua música foi fundamental para disseminar a filosofia da Sociedade Alternativa. Ele traduziu conceitos complexos de ocultismo e filosofia para uma linguagem acessível e cativante, que ressoou com a juventude da época. Sua figura carismática e sua mensagem de liberdade inspiraram uma geração a questionar o status quo e a buscar um caminho mais autêntico. A música se tornou a ponte entre a teoria e a prática da filosofia.

Além da música, as manifestações culturais se expandiram para a literatura e o teatro. Paulo Coelho, coautor de muitas canções de Seixas, também usou a escrita para explorar os temas da Sociedade Alternativa. Seus livros, especialmente os mais antigos, são repletos de simbolismo e narrativas sobre a busca espiritual e a quebra de paradigmas. Ele se tornou um dos principais divulgadores do esoterismo e da filosofia de Crowley no Brasil.

Em suma, as manifestações artísticas da Sociedade Alternativa não foram apenas um reflexo de uma filosofia; elas foram a própria filosofia em ação. A música, em especial, serviu como um canal de comunicação vital, levando a mensagem de liberdade e autonomia a milhares de pessoas, em um período em que a liberdade era um bem escasso. A obra de Raul Seixas e Paulo Coelho transcendeu a arte para se tornar um movimento cultural de profunda relevância histórica e ideológica.

O legado dessas manifestações artísticas perdura. A música de Raul Seixas continua a inspirar, e sua mensagem de liberdade individual ressoa com novas gerações. A Sociedade Alternativa, embora não tenha sido uma organização formal, deixou uma marca indelével na cultura brasileira, mostrando o poder da arte como ferramenta de transformação social e pessoal.

Referências Bibliográficas

ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Editora Paracatu, 2012.
COELHO, Paulo. O Diário de um Mago. Editora Rocco, 1987.
CROWLEY, Aleister. The Book of the Law (Liber AL vel Legis). Publicado em 1904.
GUTFREIND, Paulo. Raul Seixas: a filosofia do maluco beleza. Editora Kiron, 2015.
PASTORE, H. Z. Raul Seixas por trás das letras: a história do Maluco Beleza e sua obra. Editora Leitura, 2012.
SEIXAS, Raul. Gita (álbum musical). Philips Records, 1974.
SEIXAS, Raul. Novo Aeon (álbum musical). Philips Records, 1975.