O Ciclo de Baal é uma das mais importantes narrativas mitológicas do antigo Oriente Próximo, encontrada em tabuinhas de argila escavadas na cidade de Ugarit, na Síria moderna. Datados do século XIV a.C., esses textos em cuneiforme descrevem as lutas do deus cananeu Baal Hadad, um deus da tempestade e da fertilidade, para se tornar o rei supremo do panteão divino. A narrativa é uma representação fascinante dos ciclos da natureza e do poder divino.
A Origem do Mito e Seus Personagens
O Ciclo de Baal é uma das principais fontes para o estudo da religião e mitologia cananeia, que era a religião dominante na região antes do surgimento do monoteísmo israelita. Baal Hadad era uma divindade amplamente cultuada no Levante e na Mesopotâmia, onde era conhecido por outros nomes, como Adad ou Hadad. Seu nome, Baal, na verdade é um título que significa "senhor" ou "dono", o que demonstra sua importância e popularidade.
O mito de Baal está intimamente ligado aos ciclos das estações. Na iconografia, Baal é frequentemente retratado com um porrete em uma mão e um raio na outra, simbolizando seu controle sobre as tempestades e as chuvas, essenciais para a fertilidade da terra. Ele é o filho de Dagan (o deus do grão) ou, em algumas versões, de El, o deus pai e chefe dos deuses.
Os principais personagens do ciclo incluem:
Baal Hadad: O herói da história, o deus da tempestade e da fertilidade.
Yamm: O deus do mar, que representa o caos e as forças primordiais.
Mot: O deus da morte e do submundo, que simboliza o período de seca e esterilidade.
Anat: A deusa guerreira e irmã de Baal, conhecida por sua ferocidade.
As Três Partes do Ciclo de Baal
O mito é dividido em três partes principais, embora as tabuinhas estejam fragmentadas, o que torna a interpretação de alguns trechos desafiadora.
1. A Batalha contra Yamm
A primeira parte do ciclo narra o conflito de Baal com Yamm, o deus do mar. Yamm, com o apoio de El, exige que Baal se submeta a ele. Baal se recusa e a batalha se inicia. Com a ajuda do deus artesão Kothar-wa-Khasis, Baal recebe duas clavas mágicas, que ele usa para esmagar Yamm. A vitória de Baal sobre o deus do caos representa a vitória da ordem sobre a anarquia primordial e estabelece seu domínio sobre o universo.
2. A Construção do Palácio
Após derrotar Yamm, Baal, que até então vivia em uma morada modesta, exige um palácio à altura de sua nova posição como rei dos deuses. Ele pede permissão a El para construir um palácio no Monte Zaphon. Com a aprovação de El, Kothar-wa-Khasis constrói um magnífico palácio para Baal, um símbolo de seu poder e sua nova residência como governante do panteão. Este episódio marca a solidificação de seu poder e a sua ascensão definitiva.
3. A Luta contra Mot e o Ciclo de Morte e Renascimento
A parte mais dramática do ciclo é a batalha de Baal contra Mot, o deus da morte. Mot convida Baal a descer ao submundo. Baal aceita o desafio e é morto por Mot. Sua morte traz a seca e a infertilidade à Terra. A deusa Anat, sua irmã, lamenta a morte de Baal e desce ao submundo para enfrentá-lo. Anat derrota Mot, o que permite o retorno de Baal à vida. Com a ressurreição de Baal, a chuva volta a cair e a terra se torna fértil novamente, reiniciando o ciclo da vida.
Significado e Legado
O Ciclo de Baal é um mito de morte e renascimento, refletindo os ciclos agrícolas do Levante. A seca (a morte de Baal) é seguida pela estação chuvosa (sua ressurreição), um ciclo fundamental para a vida das comunidades agrárias da época. O mito celebra o poder de Baal sobre as forças da natureza e sua importância para a prosperidade humana.
A narrativa também teve um impacto significativo na religião e na mitologia de outras culturas. A luta entre um deus da tempestade e um deus do mar é um tema recorrente em diversas culturas do Oriente Próximo, como a batalha entre Marduk e Tiamat na Babilônia e a referência de Yahweh sobre o Leviatã na Bíblia. A presença do culto a Baal na religião israelita antiga, muitas vezes retratado como a antítese do culto a Yahweh, é um reflexo direto da importância do mito de Baal.
Em suma, o Ciclo de Baal é uma das grandes epopeias do mundo antigo. Ele não apenas nos oferece uma janela para a religião e a cultura cananeia, mas também nos ajuda a entender as origens de muitos temas mitológicos e religiosos que ressoam até hoje.
Referências Bibliográficas
AUN, César. Mitologia Cananeia: O Ciclo de Baal. Obras como esta, de autores especializados em religiões antigas, oferecem um estudo aprofundado e acessível sobre o Ciclo de Baal e seu significado.
DALLEY, Stephanie. Myths from Mesopotamia: Creation, the Flood, Gilgamesh, and Others. Embora foque em mitos mesopotâmicos, esta obra contextualiza o Ciclo de Baal dentro da tradição de mitos de criação do Oriente Próximo.
SMITH, Mark S. The Ugaritic Baal Cycle: Volume 1, Introduction with Text, Translation and Commentary of KTU 1.1-1.2. Este é um dos trabalhos acadêmicos mais importantes sobre o tema, oferecendo uma tradução e análise detalhada dos textos.
WYATT, Nicolas. Myths of Power: A Study of the Baal Cycle. Esta obra explora os aspectos políticos e sociais do mito, analisando como a ascensão de Baal reflete a ascensão de um novo tipo de poder na sociedade cananeia.





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