A expressão "filosofia do maluco beleza" é um termo cunhado para descrever a visão de mundo particular de Raul Seixas (1945-1989), um dos mais icônicos e controversos artistas brasileiros. Sua filosofia, que misturava a contracultura com elementos de misticismo, anarquismo e uma profunda crítica social, transcendeu a música e se tornou uma espécie de guia existencial para milhões de fãs. Longe de ser um sistema formal, a filosofia de Raul é um convite à liberdade, ao questionamento e à autenticidade.
Um dos pilares centrais dessa filosofia é a busca pela liberdade individual. Em um período de intensa repressão política no Brasil, Raul Seixas cantava sobre a necessidade de se libertar das amarras sociais, políticas e religiosas. Suas letras são um manifesto contra a conformidade e a moralidade imposta. Ele incentivava o indivíduo a criar suas próprias regras e a seguir seu próprio caminho, sem se preocupar com o que os outros pensavam. Essa mensagem de autonomia e rebeldia ressoava profundamente em uma juventude que se sentia sufocada pela ditadura.
A influência do ocultismo, em especial a filosofia de Thelema de Aleister Crowley, é inegável na obra de Raul. A famosa frase "Faze o que tu queres há de ser tudo da lei" se tornou um lema para a sua "Sociedade Alternativa". Para Raul, essa lei não era um convite ao caos, mas sim uma chamada à Verdadeira Vontade, o propósito de vida de cada um. A ideia era que, ao seguir sua essência, o indivíduo entraria em harmonia com o universo e se tornaria uma força criativa e livre.
Outro conceito-chave na filosofia de Raul é a rebeldia sem causa. Ele não se contentava em criticar o governo ou o sistema; ele questionava a própria lógica da sociedade. Suas canções, como "Ouro de Tolo" ou "Tente Outra Vez", são um apelo à reflexão e à ação. Ele propunha uma rebelião interior, uma mudança de mentalidade, em que a pessoa se libertaria do "dever ser" e se tornaria "maluca beleza" - uma figura que aceita a sua própria loucura e singularidade.
A ambiguidade e a contradição são elementos fundamentais na sua obra. Raul Seixas não era um pensador linear; ele era um artista que trabalhava com paradoxos. Em um momento ele cantava sobre ser um "metamorfose ambulante", e em outro ele questionava a própria existência. Essa dualidade é o que torna sua filosofia tão rica e intrigante. Ele nos ensina que não há respostas fáceis e que a vida é uma jornada de constante descoberta e questionamento.
A filosofia do maluco beleza também tem uma dimensão profundamente mística e espiritual. Raul explorou temas como a reencarnação, a magia, a astrologia e a cosmologia em suas letras. Ele via o universo como um grande palco e cada indivíduo como um ator em uma peça cósmica. Essa visão de mundo convidava seus fãs a buscar um sentido para a vida além do materialismo e a se conectar com algo maior do que eles mesmos.
A parceria com o escritor Paulo Coelho foi crucial para a formação e disseminação dessa filosofia. Juntos, eles escreveram canções que se tornaram hinos de uma geração. Paulo Coelho, com seu conhecimento sobre esoterismo e sua habilidade de traduzir ideias complexas em uma linguagem acessível, foi o complemento perfeito para o talento musical de Raul. A Sociedade Alternativa foi o resultado dessa colaboração e se tornou a manifestação mais concreta da filosofia do maluco beleza.
A sua filosofia, no entanto, não era puramente utópica. Havia nela uma dose de realismo e pessimismo. Raul era cético em relação à capacidade das pessoas de mudar e questionar o sistema. Ele cantava sobre a solidão do indivíduo que se recusa a se conformar e a dificuldade de viver em um mundo onde a liberdade é vista como uma ameaça. A sua obra é um lembrete de que a jornada do "maluco beleza" é solitária e cheia de desafios.
Apesar de todas as suas complexidades e contradições, a filosofia de Raul Seixas deixou um legado duradouro. Ela inspirou e continua a inspirar milhões de pessoas a questionar o status quo, a buscar a autenticidade e a lutar pela liberdade. A sua música é um testamento de que a arte pode ser uma força de transformação social e que a verdadeira revolução começa no interior de cada indivíduo.
A filosofia do maluco beleza é, em essência, um convite para sermos mais humanos, mais loucos e mais belos. É uma filosofia que nos ensina que a felicidade não está em seguir as regras, mas em criar as nossas próprias. É um lembrete de que a vida é um eterno "tente outra vez", uma busca incessante por liberdade e autoconhecimento, e que a maior beleza está na aceitação de nossa própria e única loucura.
Referências Bibliográficas
SEIXAS, Raul; COELHO, Paulo. O Livro da Sociedade Alternativa. Essa obra, em formato de manifesto, é a fonte original dos conceitos.
GUTFREIND, Paulo. Raul Seixas: a filosofia do maluco beleza. Este livro explora as influências filosóficas na obra de Raul, com ênfase no esoterismo.
CROWLEY, Aleister. O Livro da Lei. A principal fonte de Thelema, filosofia que influenciou Raul.
SEIXAS, Raul. Raul Seixas: todas as letras. A coletânea das letras de suas músicas, que são a base de sua filosofia.
COELHO, Paulo. Diário de um Mago. Embora seja um livro sobre sua própria jornada, o livro reflete as experiências e conceitos que ele explorou ao lado de Raul Seixas.
PASTORE, H. Z. Raul Seixas por trás das letras: a história do Maluco Beleza e sua obra. A obra analisa as letras, contextualizando a filosofia do artista.
ALBIN, Ricardo Cravo. Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Verbetes sobre Raul Seixas e sua obra podem fornecer contexto histórico e biográfico.
DUNCAN, Raul. O Raul Seixas que eu conheci. Livro biográfico que pode oferecer insights sobre as ideias do artista.
D´OLIVEIRA, Rodrigo. O Arquivo Seixas. Uma pesquisa aprofundada sobre a vida e obra de Raul.
SILVA, Sylvio. Raul Seixas: uma história não oficial. Oferece uma perspectiva diferente da biografia convencional do artista.






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