A JORNADA DE ABRAÃO (3) *

Conhecimento, prática e transformação.
A vida de Abraão, após o chamado divino, se caracterizou por constantes deslocamentos. Sua peregrinação foi uma caminhada comDeus, como um discípulo que acompanha o mestre. O Senhor lhedisse: "Anda na minha presença e sê perfeito" (Gn.17.1). Quem andacom o Senhor não fica perdido, ainda que não saiba qual seja opróximo passo. Na hora certa, o Senhor lhe dará direção. 

Andar com Deus é aprender todos os dias, e o principal conhecimentoque podemos adquirir é aquele que se refere ao próprio caráter do Senhor. 

Quando o filho nasce, ainda não sabe quem é o seu pai. Mesmo quepossa vê-lo imediatamente, não tem idéia de quem é aquela pessoa.Com o contato diário, com o relacionamento bem próximo, seuconhecimento vai aumentando lentamente. Ele vai descobrir que aqueleé o "papai". Depois de algum tempo, saberá o seu nome, mas aindademorará muito para saber o sobrenome. Serão necessários muitos anospara que o pequeno compreenda o que significa a paternidade em seusdiversos aspectos. Demorará muito também para que ele conheça ocaráter do pai e suas diversas capacidades e funções. 

A primeira idéia que o filho tem sobre o pai e a mãe é que ambosexistem para suprir as necessidades da criança. É uma visão adequadapara o momento, mas que não representa bem a realidade. Depois, ofilho descobrirá que os pais têm muitos outros papéis. A criançacresce e o seu conhecimento também. Assim acontece no nossorelacionamento com Deus, conforme percebemos no exemplo de Abraão. 

Quando Deus se manifestou, Abraão lhe disse: "Ó Senhor Deus, que medarás, visto que continuo sem filhos, e o herdeiro de minha casa é o damasceno Eliézer?" (Gn.15.2). Observemos o nível espiritual dopatriarca naquele momento. Sua fé era exemplar, mas ele estava muitofocalizado naquilo que o Senhor poderia lhe dar. Isto é plenamentecompreensível, porque todos passam por essa fase, quando buscam aDeus apenas para que as necessidades sejam supridas. Conhecemos oSenhor o suficiente para sabermos que ele pode nos dar muitas coisas,mas isso não é tudo. Precisamos conhecê-lo melhor. No contexto atual,aqueles que vêem o evangelho apenas como meio para obtenção de coisasainda não conhecem bem o Senhor nem têm uma compreensão razoável dasSagradas Escrituras. 

OS NOMES DE DEUS

Em sua jornada, Abraão foi conhecendo o Senhor, sua vontade e seu caráter. Isso fica bem claro através dos nomes e títulos que sãousados em referência a Deus no texto de Gênesis.
- Em Gn.12.1-8, no hebraico, Deus é chamado de Javé (YHWH), quesignifica "aquele que existe por si mesmo".
- Em Gn.14.18-22, o nome usado para o Senhor é El-Elyon, quesignifica "Deus Altíssimo", indicando sua posição superior a tudo e atodos. Nota-se, no texto, que Abraão passou a se referir a Deusatravés desse "novo" nome. De fato, o que havia de novo era oconhecimento que Abraão estava adquirindo.
- Em Gn.15.2 e 8, Abraão se refere a Deus como Adonai-Javé. Adonaisignifica "Senhor" ou "meu Senhor", conforme o contexto.
- Em Gn.17.1, o nome divino é El-Shadday, que quer dizer "Deus Todo-Poderoso", aquele que tem todo poder.
- Em Gn.21.33, o Senhor é chamado El-Olan, que significa Deus Eterno.
- Em Gn.22.14, Abraão se refere a Deus como Javé-Jiré, o Deus daprovisão.
Percebemos, portanto, que Abraão estava crescendo no conhecimento deDeus. Nós também precisamos crescer. Isso acontece quando andamos comele, aprendemos a sua palavra, cremos e obedecemos.

Crer que Deus existe é importante, mas insuficiente (Tg.2.19).Precisamos conhecê-lo sob os aspectos do amor, da justiça, do poder,da provisão e do senhorio, fazendo com ele um compromisso coerentecom esse conhecimento. 

Abraão não poderia descobrir tudo isso a respeito de Deus, mas oSenhor quis se revelar a ele e a toda a humanidade. 

Acima da experiência de Abraão está o nível de conhecimento de Deusque Jesus veio nos trazer. Foi ele quem nos ensinou a chamar o Senhorde "Pai" (Mt.6.9). 

MUDANÇA DE NOME

Quando andamos com Deus, além de conhecê-lo, vamos conhecendo a nós mesmos também. Sob da luz da sua face, vemos a nossa própria condição. Assim podemos alcançar arrependimento e mudança.
Em sua caminhada, Abraão ia conhecendo a si mesmo e sendo transformado. Seu nome original era Abrão, que significa "pai exaltado". Naquele momento, ele não era nem "pai" nem "exaltado".
Seu nome poderia ser até motivo de vergonha. Deus então passa a lhe chamar "Abraão", que significa "pai de uma multidão". Ao invés de melhorar, parecia que sua situação ficava pior. Se ele não tinha nenhum filho, como seria pai de uma multidão? A realidade imediata não confirma aquilo que Deus falou, pois ele chama as coisas que não são como se já fossem (Rm.4.17). Por isso precisamos da fé.
Deus mudou também o nome de Sara, que se chamava Sarai, visto que o Senhor tinha um propósito para a esposa também, e não apenas para o marido. Deus quer usar indivíduos, mas, se puder usar a família, será ainda melhor.
Mudança de nome representa mudança de caráter e vida. O velho Abrão não existe mais. A velha Sarai não existe mais. Todo aquele que anda com Deus é uma nova criatura. É algo semelhante ao que acontece quando a mulher assume o sobrenome do marido. A solteira não existe mais. O novo compromisso inicia uma nova realidade, nova vida e novo comportamento.

DESAFIOS CRESCENTES
O que dissemos até agora sobre a história de Abraão pode fazê-la parecer simples e fácil, mas não foi assim. Cada etapa daquela trajetória foi marcada por desafios. O compromisso com o Senhor precisava ser feito, demonstrado na prática e colocado à prova.
Caminhar com Deus é como realizar uma corrida de obstáculos. Não é um passeio turístico.
- O começo já foi difícil: deixar a terra de Ur dos Caldeus, os parentes e a casa dos pais.
- Depois, Deus propôs uma aliança com Abraão. Para tanto, ele precisava sacrificar alguns animais (Gn.15). Isso não é algo fácil de se fazer, mas coisas ainda mais difíceis estavam por vir.
- Depois de feita a aliança, o Senhor estabeleceu um sinal físico para Abraão: a circuncisão (Gn.17). Além de matar alguns animais,
agora Abraão precisava cortar na sua própria carne. Os animais mortos poderiam até ser esquecidos, mas a marca no próprio corpo sempre seria lembrada, bem como o compromisso com Deus que ela representava.
- Além disso, o patriarca deveria circuncidar o filho Ismael e os servos de sua casa. Aquela tarefa seria também muito árdua.
Imaginamos que servir a Deus seja algo fácil e sempre agradável?
Algumas vezes somos orientados a fazer cortes íntimos em nossas vidas, não no corpo, mas na alma. Isso pode doer muito. A ordem de hoje pode ser mais difícil do que a de ontem, mas tudo isso faz parte
do processo de crescimento e desenvolvimento de habilidades.
- Quando Isaque nasceu, Abraão o circuncidou e deve ter pensado que tudo estava resolvido diante de Deus. Contudo, seu maior desafio estava por vir. Um dia, Deus pediu a vida daquele filho que, por décadas, foi esperado. Uma coisa precisava ficar bem clara: Deus era a pessoa mais importante na vida de Abraão. O filho também seria secundário. O patriarca resolveu obedecer. Observa-se que, até então, Abraão imaginava que Deus aceitaria sacrifícios humanos.
A fé e o compromisso de Abraão precisavam ser demonstrados na prática. Por isso, ele precisou executar uma série de ações sob a direção de Deus. A nossa fé também não pode ser algo abstrato, invisível e imperceptível, mas deve ser mostrada através das obras (Tg.2.18). Isto não significa que vamos imitar Abraão, reproduzindo suas experiências. De modo nenhum. O que precisamos é praticar o que
Deus nos propõe hoje. Nossas obras não conquistam a salvação.
Entretanto, todo aquele que é salvo precisa realizar o que Deus manda, pois somos seus servos e o servo existe para obedecer e servir.
Cada vez que Abraão aceitava um novo desafio, alcançava um nível mais alto em sua espiritualidade e no conhecimento de Deus:
- Tendo saído da sua terra, conheceu a terra prometida (Gn.12). - Tendo feito o sacrifício que lhe foi ordenado, viu o sinal de Deus através do fogo (Gn.15).
- Depois da circuncisão (Gn.17), viu o próprio Deus em forma humana (Gn.18).
- Quando se dispôs a entregar Isaque, viu o cordeiro que simbolizava Cristo (Gn.22).

O SACRIFÍCIO MAIOR

No monte Moriá, Abraão conheceu algo precioso da parte de Deus. Ele presenciou uma representação do que seria a salvação em Cristo através da cruz do Calvário. Naquele momento, quando Deus providenciou o animal para morrer no lugar de Isaque, Abraão aprendeu sobre a misericórdia e o amor divino. A lição era que, apesar da justiça celestial exigir a morte do ser humano, Deus permitiu que este fosse substituído por um animal inocente.
Apesar de Deus pedir que o homem entregue tudo, a maior dádiva vem do próprio Deus que providenciou o cordeiro que seria imolado (João 1.29). Apesar de todo esforço que o homem possa fazer para servir e obedecer, o maior sacrifício seria feito pelo próprio Deus.
Por isso, Jesus disse aos judeus: "Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; viu-o e alegrou-se" (João 8.56).

O FIM DA JORNADA

A bíblia cita o nascimento de Abraão (Gn.11.27), seu chamado, aos 75 anos (Gn.12.1), e sua morte, aos 175 anos (Gn.25.7-8). No fim de sua história, o patriarca era um homem sábio, experiente e realizado.
Entretanto, isso não era fruto da idade. Nada disso vem apenas com o passar do tempo. São resultados da fé e da obediência. O tempo só nos torna velhos. O que precisamos é usá-lo bem, de modo que, mais tarde, quando olharmos para trás, possamos fazer um balanço positivo da nossa vida. Que possamos contemplar, não apenas conquistas materiais, mas, sobretudo, realizações de valor espiritual que sirvam para a glória de Deus e o estabelecimento do seu reino. 

Hoje, o Senhor nos chama para caminharmos com ele. Não podemos pararno meio do caminho. Não podemos retroceder. Façamos como Abraão, queperseverou em sua jornada até alcançar o cumprimento da promessa.
"E Abraão expirou, morrendo em boa velhice, velho e cheio de dias; efoi congregado ao seu povo" (Gn.25.8).
Anísio Renato de Andrade
Bacharel em Teologia
http://www.geocities.com/anisiorenato
anisiorenato@ig.com.br

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