8. ANÁLISE
DE CENÁRIOS E PERSPECTIVAS DA SEGURANÇA GLOBAL E LOCAL;
Esta
aula criará condições para que você possa compreender por que a
magnitude da violência urbana no Brasil é uma das mais elevadas no
mundo. Além disso, é importante que o aluno tenha em mente que não
há tendência global de crescimento da violência. O mundo como um
todo não está sofrendo com o crescimento das taxas de homicídios.
Em diversos países importantes, ao contrário, o que se verifica é
a redução da violência urbana.
8.1.
- Entre os países mais violentos do mundo.
Referenciando-se
em parâmetros internacionais, pode-se afirmar que a taxa de
homicídios no Brasil é bastante elevada. Cerca de 40% dos países
no mundo têm taxas inferiores a 3 homicídios por 100 mil
habitantes, ao passo que 17% dos países manifestam taxas superiores
a 20 homicídios por 100 mil habitantes, identificando-se alguns
que alcançam taxas acima de 50 por 100 mil habitantes.
As
regiões mais violentas do planeta são a África, excetuando os
países do norte, e as Américas, excetuando os países da América
do Norte, com taxas médias superiores a 15 homicídios por 100 mil
habitantes. Os países da Europa, Ásia e Oceania apresentam taxas
médias de homicídios abaixo de 3 por 100 mil habitantes.
Importante!
O
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é uma
entidade da ONU que sistematiza as estatísticas internacionais
sobre homicídios. Periodicamente publicam o Estudo global sobre
homicídios (Global Study on Homicide).
8.2.
- Violência em queda
É
equivocado afirmar que há uma onda de violência assolando as
diversas sociedades ocidentais. A incidência de homicídios nos
países da Europa ocidental, por exemplo, está em queda. Nos seis
principais países da Europa ocidental, o número absoluto de
homicídios está se reduzindo desde 2003, com destaque para a
Inglaterra, França e Alemanha.
O
caso da sociedade norte-americana é mais instigante, pois, entre
1995 e 2011, as principais cidades daquele país apresentaram
redução bastante significativa de homicídios, próximo a 30%.
Não
há também na América Latina um processo generalizado de
recrudescimento da violência. A Venezuela é o país
latino-americano que apresentou o crescimento mais expressivo dos
homicídios, patamar superior a 100% entre 1995 e 2010. No México, a
violência inicia trajetória ascendente a partir de 2008,
prolongando-se até 2011.
Na
Argentina, por sua vez, tem prevalecido a estabilidade da taxa de
homicídios e a Colômbia é o país que experimentou nítida redução
da violência, saindo do patamar de 70 homicídios por 100 mil
habitantes em 1995 para menos de 40 por 100 mil habitantes em
2011.
8.3
- Incidência de roubos
A
violência urbana no Brasil não se limita aos homicídios. Os crimes
contra o patrimônio, em especial os roubos, também devem ser
considerados na análise. Nesse quesito, nosso país revela números
preocupantes.
Segundo
o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou em
2011 aproximadamente um milhão de roubos, o que equivale à taxa de
552 roubos por 100 mil habitantes. E o latrocínio o acompanha
de perto, pois representa o roubo seguido de morte. É um tipo de
crime que sempre provoca grande clamor popular. O país registrou
oficialmente 1.636 latrocínios em 2011 e 1.803 em 2012.
Esse
patamar de incidência dos roubos nos coloca em posição de destaque
negativo no âmbito internacional.
(Brasil,
SENASP,
?)
- RELAÇÃO ENTRE O SISTEMA DE SEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL.
OBSERVATÓRIO
CONSTITUCIONAL
Segurança
Pública e Justiça Criminal
- Por Gilmar
Ferreira Mendes1
(04
de abril de 2015)
Vivenciamos
no Brasil, em matéria de segurança pública, um trágico paradoxo.
De um lado, os elevados índices de criminalidade e o sentimento
generalizado de impunidade têm levado a população a um descrédito
cada vez maior nas leis e nas instituições. De outra parte, nunca
se prendeu tanto como nos últimos tempos, sem que isso tenha
refletido em mais segurança no dia a dia.
De
acordo com a última edição do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública2,
em 2013, registramos 53.000 (cinquenta e três mil) mortes violentas,
incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais
seguidas de morte. No mesmo ano, foram notificados 50.000 (cinquenta
mil) estupros, cabendo considerar que nem todas as vítimas desse
tipo de crime relatam o caso às autoridades policiais. Isso sem
contar os assaltos à mão armada, os sequestros, a corrupção, o
narcotráfico, entre tantos outros crimes igualmente graves.
Diante
de cobranças da mídia e da opinião pública por soluções
imediatas, a resposta das instituições tem se concentrado, em
regra, no agravamento de penas e de seu regime de cumprimento, Não é
incomum, aqui e em outros países, a chamada legislação simbólica.
Em face do clamor público atiçado por algum crime grave, lança-se
mão da fórmula mágica: “vamos aumentar a pena desse crime”;
“vamos transformar a corrupção em crime hediondo” e assim por
diante, sem se atentar para o fato, cada vez mais evidente, de
que medidas dessa natureza pouco ou nada contribuem para a superação
desse quadro.
Temos
hoje, no país, 574 mil pessoas encarceradas em penitenciárias e
cadeias públicas, em condições sub-humanas, sem nenhuma
perspectiva de recuperação. Isso, contudo, não quer dizer que o
sistema punitivo esteja funcionando a contento, já que cerca de 40%
da população carcerária é de presos provisórios aguardando
julgamento, muitos por longo tempo, às vezes anos, sem sequer
condenação em primeira instância.
A
questão prática que se coloca são indagações acerca de quantos
inquéritos são transformados em denúncia, quantas denúncias
resultam efetivamente em condenação e se as penas fixadas estão
sendo adequadamente cumpridas. São indagações que dizem respeito,
em grande parte, ao funcionamento do sistema de Justiça. Seria mais
interessante, portanto, aproveitar momentos assim para um completo
diagnóstico sobre a Justiça Criminal, que tem graves problemas de
funcionalidade, para que se possa identificar e corrigir distorções.
Tenho
sustentado que a falência crônica do sistema prisional é tema
prioritário de segurança pública. Trata-se de assunto, todavia,
indissociável de outros temas que também exigem especial
atenção, como, por exemplo, a prevalência de prisões
provisórias em detrimento de outras medidas, a excessiva demora
nos julgamentos, a aplicação de penas privativas de liberdade a
crimes de menor gravidade, enfim, a temas que, em última análise,
dizem respeito à eficiência e racionalidade da Justiça Criminal
e que, também, estão relacionados à questão da segurança
pública.
Nesse
sentido, podemos iniciar com algumas considerações sobre a
cultura da prisão como remédio à impunidade e os efeitos
adversos que se tem constatado. Cabe observar, desde logo, que a
contrariedade à lei e à Constituição escancara-se diante das
péssimas condições dos presídios, em situações que vão
desde instalações inadequadas até maus-tratos, agressões
sexuais, promiscuidade, corrupção e inúmeros abusos de
autoridade, verdadeiras escolas do crime controladas por facções
criminosas. Não é de se estranhar, portanto, que muitas dessas
pessoas, quando soltas, voltam a praticar novos crimes, às vezes
bem mais graves do que o cometido pela primeira vez.
|
Agregue-se
a isso que a progressão de regime no cumprimento de penas no Brasil,
concebida como modelo de reintegração do preso à sociedade, não
passa de pura ilusão. Em razão da absoluta escassez de
estabelecimentos prisionais apropriados para os regimes aberto e
semiaberto, as penas acabam sendo cumpridas, na prática, em regime
fechado, não raro em estabelecimentos sob o comando dos próprios
presos, ou em prisão domiciliar sem nenhum tipo de fiscalização,
como se constatou em recente audiência pública no Supremo Tribunal
Federal.
Na
outra ponta do problema, a evidenciar ainda mais a iniquidade do
sistema, convivemos com o fato de que os denunciados que respondem a
processo em liberdade acabam, muitas vezes, em razão da prioridade
conferida a processos de denunciados presos, não sofrendo punição
alguma. Com a excessiva demora no julgamento desses processos, em
todas as instâncias, muitos crimes acabam atingidos pela prescrição.
A extinção da punibilidade representa, nesses casos, uma grande
derrota para o sistema e uma irreparável erosão na credibilidade da
Justiça.
Sobre
o modelo de prisão provisória, travamos uma luta intensa no
Conselho Nacional de Justiça, concebendo, inclusive, o projeto de
lei que resultou na Lei 12.403/2011, para que aprovássemos as
medidas cautelares alternativas à prisão provisória. Até hoje,
contudo, não se identificam os reflexos dessa alteração.
A
toda hora deparamos, no STF, com situações de prisão provisória
que poderia ter sido substituída por alguma medida alternativa. Há
uma série de medidas cautelares previstas na referida Lei, entre
elas, o monitoramento eletrônico, medida, contudo, ainda pouco
utilizada e que, se adequadamente implantada, poderia reduzir,
significativamente, a superlotação carcerária.
Ainda
sobre o tema, tenho insistido, também, na apresentação do preso em
flagrante ao juiz, em curto prazo, para que o magistrado possa
avaliar, de forma mais eficaz, as condições em que foi realizada a
prisão e se é de fato imprescindível a sua conversão em prisão
preventiva. Trata-se de medida prevista em tratados internacionais já
incorporados ao direito interno, mas que ainda encontra alguma
resistência em sua aplicação, por razões atinentes, sobretudo, a
dificuldades operacionais. Pensamos, todavia, que objeções dessa
natureza poderiam ser superadas, por exemplo, com a dispensa da
apresentação nos casos em que o juiz, quando da comunicação do
flagrante, já puder aplicar, desde logo, alguma cautelar alternativa
à prisão.
Há
inúmeros casos de prisões provisórias com excesso de prazo, sem
conclusão da instrução e sem sentença de primeiro grau. Muitos
desses presos, quando sentenciados, acabam absolvidos ou condenados a
penas alternativas, o que denota que o encarceramento no decorrer do
processo, devido à demora no julgamento, acaba por se mostrar,
nesses casos, muito mais grave que a própria pena, em clara
dissonância com o princípio da proporcionalidade.
Por
outro lado, a demora no julgamento reflete, substancialmente, na
própria pauta dos Tribunais Superiores, como revela o elevado número
de habeas
corpus em
tramitação no Superior Tribunal de Justiça, aproximadamente 200
mil. Como grande parte desse acervo tem por objeto a concessão de
liberdade provisória por excesso de prazo, mostra-se clara, de novo,
a necessidade de se repensar não só o atual modelo de prisão
cautelar, como, também, todo o sistema de Justiça Criminal.
A
Justiça Criminal é pressuposto imanente a qualquer política de
segurança pública. Nenhum programa de redução da criminalidade
terá eficácia se não levar em conta a efetividade de seu
funcionamento. Partindo-se dessa premissa, é possível avançar no
entendimento de que o aprimoramento da Justiça Criminal não é tema
isolado de responsabilidade exclusiva do Poder Judiciário desta ou
daquela unidade federativa. Um eficaz plano de melhorias do sistema
deve englobar o trabalho harmônico de todos os entes estatais
responsáveis pela segurança pública.
Há
na, Constituição Federal, diversos dispositivos sobre segurança
pública que indicam essa responsabilidade compartilhada, como a
previsão de que a segurança pública é dever do Estado e direito e
responsabilidade de todos (art. 144), exercida por intermédio da
Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia
Ferroviária Federal, das polícias civis e militares e dos corpos de
bombeiros militares, a partir de lei que discipline sua
organização e funcionamento de maneira a garantir a eficiência de
suas atividades (art. 144, §7º). Prevê a Constituição, ainda, a
criação, pelos Municípios, de guardas municipais destinadas à
proteção de seus bens, serviços e instalações (art. 144, §8º).
Além
disso, cumpre à União legislar privativamente sobre direito penal e
processo penal (art. 22, I), sobre requisições civis e militares,
em caso de iminente perigo e em tempo de guerra (art. 22, III), sobre
convocação e mobilização das polícias militares e corpos de
bombeiros militares (art. 22, XXI), sobre competência da polícia
federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais (art. 22,
XXII).
União,
Estados e Municípios detêm, portanto, nesse campo, atribuições
próprias e conexas que podem e devem ser exercidas de forma
coordenada com indispensável senso de cooperação. No caso dos
Municípios, podemos citar, por exemplo, a possibilidade de atuação
conjunta entre suas guardas municipais e as demais forças de
segurança pública. Nesse contexto, um sistema integrado de
segurança pública e Justiça Criminal poderia ser pensado, por
exemplo, em termos de um federalismo cooperativo, cabendo a União
assumir, em razão do seu vasto leque de responsabilidades nessa
matéria, a responsabilidade de coordenar e organizar esse novo
enfoque de atuação.
Todo
esse quadro legitima o que aqui se propõe: é preciso uma estratégia
global de segurança pública que contemple, com especial prioridade,
o inadiável aprimoramento da Justiça Criminal. É preciso pensar,
com urgência, em soluções que imprimam maior celeridade no
julgamento das ações penais e uma completa reestruturação do
sistema prisional.
Esse
seria o caminho. O CNJ já vem
fazendo isso, por exemplo, nas ações relativas a atos de
improbidade, dando prioridade ao acompanhamento desses processos. É
preciso verificar qual a estrutura adequada para as varas criminais,
as condições de trabalho de juízes e servidores, os recursos
matérias disponíveis, entre outros temas relevantes para um melhor
funcionamento da Justiça Criminal. Os próprios juízes, a partir de
suas experiências e das dificuldades enfrentadas no exercício da
jurisdição criminal, muito poderiam contribuir com sugestões para
melhoria do sistema.
Quando
estávamos à frente do CNJ,
firmamos, em 2010, com o Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) e o Ministério da
Justiça, a Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública
(ENASP), que teve como foco,
inicialmente, os crimes de homicídio. Após a análise de 135 mil
inquéritos que investigam homicídios dolosos instaurados no Brasil
até o final de 2007, descobriu-se que apenas 43 mil foram
concluídos. Dos concluídos, pouco mais de oito mil se transformaram
em denúncia. Ou seja, mais de 80% dos inquéritos de homicídios
foram arquivados. Com o conhecimento dessa realidade, foi possível
estabelecer metas que hoje podem ser acompanhadas, em tempo real, nos
sites do CNJ e do CMMP.
A
partir dessa experiência, poderíamos pensar, em relação ao tema
deste artigo, na ampliação do foco de atuação da SENASP,
de forma a incluir em seu programa de trabalho, como meta
prioritária, o mapeamento dos principais gargalos enfrentados pela
Justiça Criminal, com a indicação de ações concretas que possam
reduzir a morosidade nos julgamentos, bem como uma profunda
reavaliação da cultura de prisões provisórias e dos regimes de
cumprimento de penas. O CNJ e o CNMP
muito poderão contribuir para as esperadas melhorias nessa área por
meio de monitoramento conjunto e mais efetivo em relação a certos
gargalos, coordenando, inclusive, o aporte de recursos.
É
claro que ações dessa natureza, em âmbito nacional, devem contar
com alguma fonte de recursos específicos. Nesse sentido, poderíamos,
pensar, também, em algum fundo de segurança pública que pudesse
atender prontamente, por exemplo, há situações mais sensíveis em
Estados com notória carência de recursos.
Nessa
linha, poderíamos pensar, ainda, em uma possível reformulação do
Fundo Penitenciário (FUNPEN),
gerido pelo Ministério da Justiça, com a sua transformação em
fundo de segurança pública, com alguma forma de incremento em suas
fontes de custeio, redefinição de suas finalidades e proibição de
contingenciamento dos recursos disponíveis. É incompreensível que
diante da falta de vagas no sistema prisional, os recursos FUNPEN
ainda sejam passíveis de contingenciamentos, como infelizmente tem
ocorrido. Dados recentes do Ministério da Justiça indicam que esse
Fundo dispõe de cerca de R$ 1,065 bilhão
e recebe, em média, R$ 300
milhões por ano. Em 2013, o FUNPEN foi autorizado a investir R$
384,2 milhões, mas apenas 10,6%
desse valor foi efetivamente empregado.
Enfim,
a modernização do sistema de Justiça e uma completa reestruturação
do sistema prisional são temas prioritários na busca de soluções
que possam reverter, em grande parte, o atual quadro de insegurança
pública. Nesse contexto, afigura-se fundamental que se proceda, sem
mais tardar, a uma profunda reavaliação da estrutura e
funcionamento da Justiça Criminal para que possamos ter, também
nessa área, um Judiciário bem mais moderno e eficiente.
Esta
coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do
Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC
(www.idp.edu.br/observatorio).
Disponível
em:
<https://www.conjur.com.br/2015-abr-04/observatorio-constuticional-seguranca-publica-justica-criminal>.
Acesso em 07 de ago de 2018.
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1
Gilmar
Ferreira Mendes (Diamantino, 30
de dezembro de 1955)
é um jurista, magistrado e professor brasileiro.
É ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF)
desde 20 de junho de 2002, tendo presidido a corte entre 2008 e
2010. Foi indicado pelo presidente
da República Fernando
Henrique Cardoso,
em cujo governo exercera
o cargo de advogado-geral
da União desde
janeiro de 2000.
2
Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, ano 8, 2014.
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